O Brasil é o segundo país que mais realiza procedimentos estéticos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e vem dando sinais de aumento da procura nos últimos anos, o que traz impactos diretos ao setor da saúde suplementar. Ainda que não tenham cobertura dos planos — salvo quando envolve questões de saúde ou reparação para o paciente —, entidades do setor observam clínicas particulares indicarem de forma fraudulenta a opção de reembolso para esses procedimentos, conforme informou ao JOTA a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 13 operadoras, e a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Não há um levantamento específico quantificando o prejuízo causado pelos procedimentos estéticos à saúde suplementar, mas a preocupação surgiu diante de situações observadas recentemente.
“Atualmente temos visto nas redes sociais anúncios de clínicas de estética e de emagrecimento divulgando cobertura de procedimentos estéticos pelos planos de saúde. É importante que as pessoas não acreditem nessas publicações enganosas e não forneçam seus dados pessoais, porque por trás dessa oferta pode haver armadilhas perigosas’”, alertou a FenaSaúde, que aponta para uma das ferramentas que vem sido utilizadas para a execução desse tipo de fraude: o reembolso auxiliado ou assistido.
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Nesse caso, o beneficiário recebe como promessa a ”facilitação” do processo do pedido de reembolso e do pagamento do valor total pelo plano de saúde com intermediação pelo prestador do serviço, mediante o fracionamento do valor em notas de consultas médicas.
De acordo com Cássio Ide Alves, superintendente da Abramge, isso é feito quando os prestadores do serviço colocam, no pedido de reembolso, os códigos de procedimentos cobertos pelos planos de saúde. ”Comumente as pessoas utilizam a toxina botulínica para fins estéticos, fazem preenchimentos com ácido hialurônico, e para fazer essa cobrança e fraudar o plano de saúde da operadora, eles trocam o código de Terminologia Unificada da Saúde Suplementar (TUSS) e cobram um outro código”, explica Alves.
De acordo com o último levantamento da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), divulgado em 2023, o Brasil desponta como o segundo país que mais realizou procedimentos estéticos e reparadores no mundo, 8,9% do total de casos, perdendo apenas para os Estados Unidos (24,1% do total).
Ainda de acordo com a ISAPS, entre 2016 e 2020 houve um crescimento de 24,1% no uso de procedimentos não cirúrgicos injetáveis no Brasil. Só em 2020 foram mais de 600 mil procedimentos desse tipo em todo o país.
A lista de procedimentos não cirúrgicos preferidos pelos brasileiros, conforme aponta a pesquisa, é liderada pela aplicação da toxina botulínica (botox), seguida pelos preenchedores de ácido hialurônico e bioestimuladores da produção de colágeno.
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Essa mesma tendência foi apontada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC) anos antes, em levantamento realizado em 2018. De acordo com a entidade, os procedimentos não cirúrgicos ganharam espaço e saltaram 17,4% do total em 2014 para 49,9% em 2018. Só o número de procedimentos de harmonização facial cresceu de 72 mil para 256 mil ao ano nesse período, segundo a mesma entidade.
Já as cirurgias plásticas caíram de 82,6% do total para 50,1% no mesmo período — seguindo a tendência mundial apresentada pela pesquisa do ISAPS. Além disso, a lipoaspiração e o aumento de seios seguem sendo as cirurgias estéticas mais procuradas pelos pacientes brasileiros. Blefaroplastia (intervenção nas pálpebras), rinoplastia (nariz) e abdominoplastia (retirada do excesso de pele do abdome) também estão entre os procedimentos cirúrgicos mais buscados.
Profissionalização do crime
Alves, da Abramge, esclarece que as fraudes na saúde suplementar são uma coisa antiga. A grande diferença agora, segundo ele, é que antigamente eram crimes eventuais e de oportunidade, e hoje houve uma ”profissionalização do crime”, com ”verdadeiras quadrilhas que fazem um intenso marketing digital pelas redes sociais”.
A FenaSaúde afirma que os pedidos de reembolso relacionados a procedimentos estéticos não são pagos, e que há medidas internas sendo empregadas que auxiliam as operadoras a identificar a fraude nas solicitações de reembolso. ”O setor tem atuado fortemente para conscientizar e coibir essa e outras fraudes. A atuação envolve diversas frentes e alcança desde ações de comunicação até a apresentação de notícias-crime para responsabilização criminal de todos os envolvidos”.
Apesar de o login e a senha para acessar o site ou aplicativo do plano serem confidenciais, a FenaSaúde alerta que os beneficiários podem ser induzidos a fornecer seus dados para clínicas de estética com a promessa de ajuda junto à operadora. ”Com a posse desses dados, terceiros podem acessar informações pessoais e utilizá-las de forma inadequada, por exemplo, para alterar a conta bancária vinculada ao reembolso ou para solicitar reembolso de procedimentos não realizados”, explica.
”Assim como esse paciente, outros podem estar usando o mesmo sistema para solicitar quantias maiores, através da emissão de recibos e notas fiscais falsas. No final, todo mundo sai prejudicado porque, no mutualismo, vai sair do bolso de todos quando vier um reajuste”, acrescenta.
Um levantamento de novembro de 2023 do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) estimou um prejuízo, no ano anterior, de até R$ 34 bilhões ao setor da saúde suplementar por causa de procedimentos médicos considerados desnecessários, desvios e irregularidades.
De acordo com a Abramge, as fraudes estão em todas as etapas do sistema, desde a contratação do plano de saúde até o faturamento, onerando tanto as operadoras quanto os beneficiários. Considerando os reembolsos, as operadoras estimam que R$ 7,2 bilhões estejam vinculados a fraudes, concentrando um aumento anormal de pedidos entre 2019 e 2022.
Ainda que não haja um levantamento específico calculando os prejuízos causados pelos procedimentos estéticos, a entidade informou ter tomado ciência de casos, reportados em outubro do ano passado pela Associação Paulista de Medicina (APM) à Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), em que especialistas ensinaram em ”live” nas redes sociais sobre como usar o convênio médico em cirurgia plástica particular, caracterizando uma eventual infração ética profissional. O caso, segundo a Abramge, também foi reportado ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP).
Procedimentos de reparação
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) reforçou ao JOTA que a cobertura assistencial aos beneficiários de planos de saúde está listada na Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial de Saúde, seguindo legislação específica do setor. Assim, conforme previsto na Lei 9.656/1998, procedimentos estritamente estéticos não têm cobertura obrigatória na saúde suplementar.
Contudo, é importante não confundir os procedimentos estéticos sem cobertura pelos planos com os procedimentos reparadores previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. É o caso, por exemplo, da mastoplastia em mama oposta após reconstrução da contralateral em casos de lesões traumáticas e tumores, conhecida popularmente como mamoplastia de reconstrução, para pacientes que se submeteram a tratamento cirúrgico contra o câncer de mama.
”É importante destacar que as operadoras são obrigadas a oferecer todos os procedimentos previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS e estabelecidos em contrato, de acordo com as diretrizes de utilização, a segmentação assistencial e a área geográfica de abrangência do plano, dentro dos prazos definidos pela ANS”, pontuou a agência.
Outros procedimentos reparadores que constam no Rol da ANS são a abdominoplastia, com cobertura obrigatória em casos de pacientes que apresentem excesso de pele decorrente de grande perda de peso (em consequência de tratamento clínico para obesidade ou após cirurgia bariátrica); e a diástase dos retos-abdominais, tratamento cirúrgico para adequação da musculatura do abdômen, cuja cobertura é obrigatória sempre que solicitado pelo médico do paciente, não apenas nos casos de pós-bariátrica.
Ainda de acordo com o Rol da ANS, os procedimentos estéticos, sem previsão de cobertura, são aqueles “que não visam restauração parcial ou total da função de órgão ou parte do corpo humano lesionada, seja por enfermidade, traumatismo ou anomalia congênita”. Dessa forma, procedimentos como blefaroplastia, uma intervenção cirúrgica nas pálpebras, pode ter cobertura pelo plano de saúde quando o excesso de pele ao redor dos olhos estiver causando desconforto ou atrapalhando a visão. Nesse caso, é necessário apresentar um pedido médico.