Como mitigar os riscos na terceirização trabalhista?

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Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”, dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do professor, advogado e consultor trabalhista, Dr. Ricardo Calcini.

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a  #pergunte ao professor.

Neste episódio de nº 118 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:

Pergunta ►  Como mitigar os riscos na terceirização trabalhista?

Resposta ► Com a palavra, o professor Pedro Milioni.

1. Do contexto ao conceito

As relações de trabalho historicamente sempre foram mutáveis.

Numa era não tão distante, a relação jurídico-trabalhista típica se dava tão somente entre empregado e empregador, diretamente, sem intermediários.

Contudo, em virtude de alterações nos modelos de produção, e com a ideia de focar no que era essencial e na redução de custos, surgiu a figura da terceirização, representando uma sensível quebra no modelo tradicional das relações de trabalho.

A terceirização é gênero, do qual o contrato de trabalho temporário e o contrato de terceirização de serviços “em geral” são espécies típicas, e pode ser assim conceituada:

“A relação triangular de trabalho, na qual, embora o vínculo jurídico empregatício se estabeleça entre a empresa A e um grupo de trabalhadores, a prestação de serviços destes, objeto de tal contrato de trabalho, se desenvolve nas dependências de B para o desenvolvimento da atividade econômica fim desta, por conta de um contrato civil estabelecido entre as empresas A e B”. [1]

O contrato de trabalho temporário, nos termos da Lei 6.019/74, é aquele onde uma pessoa física é contratada por uma empresa de trabalho temporário, na qualidade de empregada desta, e colocada à disposição do tomador de serviços para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.

Já o contrato de terceirização (prestação de serviços a terceiros), por outro lado, consoante interpretação que se extrai dos termos do art. 4º-A e parágrafo 1º da Lei 6.019/74, é aquele onde uma pessoa física é contratada por uma empresa prestadora de serviços, na qualidade de empregada desta, e colocada à disposição do tomador de serviços, para a execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal (atividade-fim).

Ante os conceitos acima percebe-se, claramente, que o contrato de trabalho temporário, dentre outras distinções, possui limites em seu objeto, servindo apenas para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços do tomador e, ainda assim, por tempo determinado na lei, o que não acontece no contrato de terceirização.

Em suma, o foco do presente estudo é o contrato de terceirização “genérico”, e não o contrato de trabalho temporário, ou qualquer outra forma de terceirização de serviços, a partir de uma abordagem objetiva, sintética e eminentemente prática.

2. O contrato de terceirização e seus riscos trabalhistas típicos

A terceirização de serviços impõe a existência de ao menos 2 (dois) contratos distintos, entre partes igualmente distintas:

O primeiro, de natureza civil, entre a pessoa jurídica prestadora de serviços e o tomador dos serviços;
O segundo, de natureza trabalhista, entre a pessoa jurídica prestadora de serviços e o seu empregado.

Em relação ao contrato civil, eventuais divergências entre a pessoa jurídica prestadora de serviços e o tomador dos serviços serão dirimidas pela Justiça Comum (Federal ou Estadual); no que tange ao contrato de natureza trabalhista – entre a pessoa jurídica prestadora de serviços e o seu empregado – que poderá alcançar também o tomador dos serviços – a competência para eventual litígio será da Justiça do Trabalho, por força do art. 114 da CRFB.

Pois bem, inicialmente o contrato de terceirização não era admitido no Brasil, por força da intepretação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho (TST) (Súmula 256[2]), sendo que o único (e mais grave) risco trabalhista era a formação do vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.

Todavia, no ano de 1993, em verdadeira guinada jurisprudencial, foi editada a Súmula 331 do TST, que mitigou sensivelmente os efeitos restritivos absolutos da Súmula 256, expondo em seu item III que não “forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta” e, em seu item IV, que o “inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações”.

Abriu-se, assim, espaço para a terceirização de serviços de maneira mais ampla, para além dos casos de trabalho temporário e de serviços de vigilância.

É preciso salientar que o item III da Súmula 331 do TST deverá ser ajustado quanto à possibilidade de terceirização de serviços inerentes a atividade-fim, ante os termos da ADF 324 e o Tema 725 da Repercussão Geral do STF[3].

Quanto aos riscos típicos e usuais do contrato de terceirização, na atualidade dois são os cenários possíveis juridicamente, a depender se a terceirização é lícita ou ilícita:

Lícita: responsabilidade subsidiária do tomador pelo descumprimento das normas trabalhistas por parte do prestador de serviços.
Ilícita: formação do vínculo de emprego diretamente com o tomador dos serviços, caso, por exemplo, presentes a pessoalidade e a subordinação direta do empregado terceirizado com o tomador dos serviços.

3. A possibilidade de mitigação dos riscos trabalhistas

Devidamente contextualizado o fenômeno da terceirização, ainda que de maneira bem resumida, limitado o objeto do estudo ao contrato de terceirização lato sensu e expostos, objetivamente, os riscos dessa modalidade contratual, necessário se faz demonstrar como, na prática, é possível mitigar os riscos trabalhistas inerentes a essa modalidade contratual com práticas relativamente simples.

3.1 Da seleção da empresa prestadora de serviços à contratação

Na qualidade de cliente/tomador de serviços, é mandatório escolher (bem e com cautela) a pessoa jurídica que será contratada para prestar serviços.

Esse é o primeiro passo.

Assim, deve o cliente investigar se a empresa possui demandas trabalhistas (através de certidões); sua idoneidade financeira e credibilidade no mercado (pesquisa de campo); se o capital social é compatível com o número de empregados; e se os preços por ela praticados são compatíveis com as práticas de mercado.

Superada essa etapa elementar, o contrato civil entre prestador e tomador dos serviços deverá conter, por exemplo, as cláusulas que exijam da contratada declaração de responsabilidade exclusiva sobre a quitação dos encargos trabalhistas (e sociais); que estabeleçam que o pagamento mensal pela contratante ocorrerá somente após a comprovação do pagamento das obrigações trabalhistas e previdenciárias pela contratada; a necessidade de apresentação de uma lista mensalmente atualizada dos empregados da terceirizada que participem da execução dos serviços contratados (terceirizados); que estabeleçam a possibilidade de rescisão do contrato unilateralmente e a aplicação das penalidades cabíveis na hipótese descumprimento dos termos do contrato e, se necessária, alguma garantia contratual.

Vale, ainda, ser inserida no contrato cláusula sobre eventuais demandas judiciais.

Ou seja, em caso de ação judicial, o prestador de serviços deverá não apenas informar imediatamente a contratante, como também custear todas as despesas do tomador, inclusive com advogado, custas processuais, depósitos recursais e eventuais condenações.

3.2 Da gestão do contrato

Uma vez assinado o contrato, é importante que o tomador dos serviços faça uma gestão minuciosa durante sua fase de execução, a fim acompanhar se, de fato, o prestador dos serviços está cumprindo com os termos da legislação trabalhista e previdenciária, inclusive os recolhimentos do FGTS.

Para tanto, o tomador dos serviços deverá exigir mensalmente do prestador documentos relativos aos empregados que participem da execução dos serviços contratados (terceirizados), ora exemplificados: contracheques e comprovantes de depósito de salários, décimo terceiro salário, férias e vale transporte, folhas de ponto, comprovantes de pagamento do FGTS e INSS, bem como o cumprimento das obrigações estabelecidas em instrumentos coletivos.

Na hipótese de não ser apresentada a documentação relativa ao cumprimento de todas as obrigações, a contratante deverá reter o pagamento da fatura mensal, em valor proporcional ao inadimplemento, até que a situação seja devidamente regularizada e, em casos extremos, acionar a cláusula de rescisão do contrato e aplicar as penalidades contratuais.

É valoroso lembrar, ainda, que não pode haver a pessoalidade e a subordinação diretas do empregado terceirizado com o tomador dos serviços. Ou seja, compete a empresa prestadora de serviços (empregadora) coordenar o modo e forma com que o trabalho será prestado.

3.3 Da gestão do contencioso judicial

As cautelas elencadas nos itens 3.1. e 3.2. supra não visam eliminar completamente os riscos da terceirização, pois isso seria impossível, mas sim mitigá-los. E certamente, se observadas, cumprirão essa função que, no fundo, é básica.

De toda sorte, caso a situação avance para eventual demanda judicial, que, em regra, terá no polo passivo o prestador de serviços como responsável direto e o tomador como responsável subsidiário, é importante que a contratante faça uma gestão adequada do contencioso, de modo que a situação não saia do controle e, como ocorre muitas vezes, se torne financeiramente caótica e insuperável.

Conforme exposto no item 3.1. supra, deve ser inserida no contrato civil entre as entre as partes cláusula sobre eventuais demandas judiciais.

Em caso de ação judicial, o prestador de serviços deverá não apenas informar imediatamente a contratante, como também custear todas as despesas da tomadora, inclusive com advogado, custas processuais, depósitos recursais e eventuais condenações.

4. Da conclusão

As cautelas elencadas nos itens anteriores não visam eliminar completamente os riscos da terceirização, pois isso seria impossível, mas sim mitigá-los.

Neste rumo, é indispensável que o contratante escolha com atenção a empresa que será contratada para prestar serviços e, uma vez escolhida, redija um contrato à altura dos riscos desse modelo de contratação.

Além disso, a gestão periódica do contrato deve ser feita com zelo, de modo que se traduza em um acompanhamento preventivo, e não apenas repressivo.

Por fim, em caso de demanda judicial, a gestão do contencioso também se faz necessária, sendo indispensável que o gestor do contrato municie o advogado de documentos e informações.

[1] Leitão, Tabata Gomes Macedo de. A terceirização no contexto da eficácia dos direitos fundamentais. 2012. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Direito do Trabalho) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. doi: 10.11606/D.2.2012tde-25072013-160108. Acesso em 04.02.2024.

[2] Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.

[3] “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.