Cultura organizacional engessada, falta de conhecimento e medo do novo: para Leticia Feres, procuradora-geral do Ministério Público de Contas de São Paulo (MPC-SP), essas são as principais causas que impedem os municípios paulistas de adotar amplamente o uso de tecnologia na gestão pública.
Segundo dados do Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEG-M), quase 80% dos municípios paulistas não têm plano diretor em tecnologia da informação (TI); 29% não têm uma área de dados de TI; e apenas 8% regulamentaram a lei de governo digital. “Em termos de inovação, estamos muito atrasados”, disse Feres.
A procuradora-geral do MPC-SP falou sobre o tema no evento Inova São Paulo 2023, organizado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) na última segunda-feira (23/10). Com organização do MPC, a iniciativa é resultado de uma parceria com a Fiesp e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), e tem o apoio do Sebrae e do JOTA.
Para Feres, se não mudarmos a cultura da gestão pública, a inovação não terá espaço para acontecer. “É fundamental que haja compartilhamento de informação e diálogo entre o setor público, o privado, a academia e a sociedade como um todo”, disse.
Segundo a procuradora, o próprio TCE-SP já fez a lição de casa e desenvolveu uma ferramenta própria de inteligência artificial para ajudar no controle externo. “O Tribunal também tem investido em cursos gratuitos sobre inovação. Uma das principais causas do medo é a falta de conhecimento, então esse obstáculo nós já estamos superando”, disse Feres.
Colocar a inovação na prática requer mais do que adicionar tecnologia. Fabio Xavier, diretor do departamento de tecnologia da informação do TCE-SP, acredita que automatizar processos ineficientes só aumenta a ineficiência em si. “Não adianta automatizar e informatizar o caos”, disse.
Para Xavier, ferramentas como a inteligência artificial (IA) podem ser utilizadas para revolucionar o controle externo em diversas frentes, desde a criação de chats automáticos para interagir com os cidadãos até a criação de plataformas para monitorar em tempo real os projetos governamentais.
“A inteligência artificial é ótima para analisar grandes volumes de dados, então pode ser usada para detecção de fraudes e também para o monitoramento de áreas de risco”, disse o diretor.
O desafio, na visão do especialista, é garantir que haja investimentos suficientes em pessoas que possam administrar e estruturar processos para a IA. “Não acredito que seremos substituídos por IA, mas seremos substituídos por pessoas que utilizam IA”, afirmou Xavier.
A perspectiva do gestor
Durante a tarde, o vice-governador de São Paulo, Felicio Ramuth, participou de um painel que discutiu a construção das cidades do futuro. Ele abriu sua fala dizendo que os marcos legais infelizmente não conseguem acompanhar a velocidade das inovações, o que por vezes gera atrasos na adoção de novas tecnologias, especialmente no poder público. “O ideal seria um país em que as práticas virassem lei e não as leis virassem prática”, disse Ramuth.
O vice-governador também contou da sua experiência como prefeito de São José dos Campos entre 2017 e 2022. “É possível trazer tecnologia e inovação sem muito investimento público”, afirmou o político. Durante sua gestão como prefeito, ele organizou um programa de digitalização das ruas. Agora, a cidade tem sensores e painéis na entrada dos bairros mostrando a quantidade de vagas existentes para carros estacionarem.
A tecnologia é gerida por uma empresa espanhola que pagou R$ 9 milhões pela concessão do programa de estacionamento rotativo. “Esse dinheiro que entrou com o transporte individual foi direcionado para comprar novos veículos elétricos para a frota de transporte público”, disse Ramuth.
Na área de segurança pública, o vice-governador disse que todos os índices de São José dos Campos melhoraram após a instalação de 1.200 câmeras com inteligência artificial pela cidade. “Podem acontecer erros, mas quanto mais experiência a gente tiver com essa tecnologia no Brasil, com as características do povo brasileiro, melhor será para alimentar essa inteligência e gerar um círculo virtuoso”.
A professora Bianca Tavolari, da Universidade de St Gallen, participou do painel ao lado do vice-governador e ressaltou que é importante que a sociedade civil se atente para que programas que usam captura de imagens e inteligência artificial sempre cumpram com requisitos de transparência, proteção de dados e democracia. No caso de câmeras para monitoramento de segurança, a especialista vê riscos de discriminação racial e violação de dados pessoais se os editais não forem bem redigidos.