Como a revogação da taxa do lixo impacta no manejo dos resíduos sólidos?

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Em janeiro deste ano, o prefeito Evandro Leitão sancionou uma lei em Fortaleza (CE) que extingue a taxa do lixo na cidade. No texto aprovado pela Câmara, os custos do manejo dos resíduos sólidos foram redirecionados para o governo federal, estadual, parcerias público-privadas e pela comercialização de materiais recicláveis. 

A decisão ganhou repercussão em todo o país, uma vez que caminha contra diretrizes estabelecidas pelo novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020). A legislação ditou regras sobre a cobrança da taxa de manejo de resíduos sólidos urbanos, de forma a garantir a sustentabilidade financeira da gestão do lixo em cada município. 

Embora o novo Marco Legal tenha definido a obrigatoriedade da cobrança da tarifa para cobrir os custos dos serviços de tratamento dos resíduos sólidos, parte dos municípios brasileiros ainda não se adequaram à legislação.

“A coleta e o tratamento do lixo é um serviço essencial, assim como o fornecimento de água ou energia. A taxa ou tarifa é uma cobrança por um serviço prestado. Quando não há cobrança, o custo tem que ser coberto pelo orçamento municipal e as verbas, que deveriam ser investidas em questões prioritárias como educação, saúde ou mobilidade, têm que ser redirecionadas para custear o manejo dos resíduos sólidos”, afirma Pedro Maranhão, presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).

O que é a taxa do lixo?

Em 1972, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomendou o conceito de poluidor-pagador, adotado no Brasil por meio de normas como a Lei 6.938/1981, a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), e a Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)

Essa denominação estabelece que os geradores de resíduos devem arcar com os custos do seu manejo, de forma a estabelecer responsabilidade ambiental sobre os indivíduos e, com o tempo, reduzir os impactos da poluição.

O novo Marco Legal reforça a importância da sustentabilidade financeira dos serviços, sendo a cobrança de tarifa ou taxa uma maneira de custear a coleta e o tratamento do lixo. Além de realizar licitação para contratar a prestação desse serviço, a legislação também determina a adoção de uma tarifa social para usuários de baixa renda

Essa cobrança já é realizada em diversos países do mundo, como Japão, Austrália e Suécia. Na América Latina, os exemplos são Peru e Costa Rica. Nos Estados Unidos, existe o Pay As You Throw (PAYT), em tradução livre “Pague pelo que você descarta”, sendo um sistema de cobrança que se baseia na quantidade de resíduos sólidos gerados por cada usuário. Esse modelo estimula não só diminuir a produção de lixo, como também a reciclagem. 

As etapas do manejo dos resíduos sólidos

A coleta do lixo no Brasil não é uma tarefa fácil. O país produz cerca de 81 milhões de toneladas de lixo por ano, sendo cada indivíduo responsável por, em média, 382 quilos de resíduos sólidos anualmente. Parte desse montante é manejado de forma incorreta, em lixões a céu aberto: são aproximadamente 3 mil lixões ativos.

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Segundo dados da Abrema, das 27 capitais brasileiras, apenas seis não cobram pelo serviço de gestão dos resíduos sólidos. Além de Fortaleza, são elas: Manaus, São Luís, Aracaju e São Paulo. Em dezembro de 2024, a Taxa de Limpeza Pública (TLP), conhecida também como taxa do lixo, foi aprovada pela Câmara Municipal da cidade. O serviço deve começar a ser cobrado em abril de deste ano. 

Desde a geração de resíduos até a destinação final, o manejo dos resíduos sólidos atravessa diversas etapas. Os resíduos precisam ser coletados regularmente, várias vezes por semana, e transportados para unidades de tratamento ambientalmente adequado, reduzindo os impactos que podem causar ao meio ambiente. 

“Pela nossa experiência, percebemos que com a taxa, não só temos a sustentabilidade financeira, como também mais qualidade no serviço feito. Se não existe essa cobrança, não há uma exigência na qualidade do serviço por parte das prefeituras”, pontua Maranhão, da Abrema. 

Em relação ao aspecto social, o executivo ainda destaca a importância de uma cobrança justa e acessível para camadas mais vulneráveis da população, assim como prevista pelo novo Marco Legal. 

“Ao arrecadar esse valor, há uma tendência a melhorar a coleta seletiva, diminuir os resíduos destinados de forma incorreta a lixões e investir nas cooperativas de catadores. Inclusive, nessa questão, percebemos que há uma questão social associada com uma valorização do trabalho dos catadores”, acrescenta o presidente da instituição.

Riscos da revogação da taxa do lixo

Caso outros municípios sigam o exemplo de Fortaleza, e revoguem a taxa do lixo, a expectativa é de comprometimento do serviço em relação ao impacto ambiental e funcionamento dos aterros sanitários.

Sem uma cobrança dedicada ao manejo dos resíduos sólidos, as prefeituras podem enfrentar dificuldades para o financiamento, construção, operação e manutenção dos aterros – que são modelos de disposição adequada para o lixo domiciliar.

Cerca de 60% de todo o lixo brasileiro é destinado aos aterros sanitários, enquanto por volta de 40% são descartados incorretamente em lixões a céu aberto. Com o descarte inadequado do lixo, a contaminação do solo, água e ar é uma consequência inevitável. 

Maranhão alerta para os impactos no sistema público de saúde. Afinal, quanto mais pessoas entram em contato com esses materiais contaminados, maior é o risco de adoecerem e precisarem de serviços de atenção à saúde. “No dia em que se resolve o problema que representa o lixão, há uma diminuição na despesa do setor de saúde da cidade”, analisa.

Pedro Maranhão, presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema)

Os aterros demandam uma tecnologia específica para a separação dos resíduos, impermeabilização do solo para evitar contaminação e captura dos gases gerados a partir da decomposição da matéria orgânica – que posteriormente é transformado em biometano, um combustível renovável que pode substituir o gás de origem fóssil.

“Com a aprovação da Lei do Combustível do Futuro, do deputado Arnaldo Jardim, sancionada no ano passado, estamos em um momento de incentivo à produção de biocombustíveis. Nesse sentido, os aterros sanitários são uma fonte muito importante de biometano e contribuem para a descarbonização da economia”, diz Maranhão. 

A taxa cobrada sobre o lixo também é vista como uma forma de incentivar tanto os cidadãos, quanto às empresas, a reduzir a quantidade de resíduos gerados, assim como ocorreu com o modelo PAYT, em vigência nos Estados Unidos. 

Informação à sociedade

Para o executivo da Abrema, um dos grandes focos é orientar a sociedade sobre a importância da cobrança desse serviço, informar sobre os impactos positivos na saúde da população, além de melhorar a gestão do lixo no município. Nesse sentido, a transparência do processo é citada como um aspecto fundamental para a população, com demonstração do custo real do serviço e estimativa do impacto da cobrança aos usuários. 

“O valor tem que estar aliado ao aumento da coleta seletiva, organização das cooperativas e a economia circular. Não é apenas a tarifa pela tarifa, mas sim ela sendo um mecanismo de melhorar esse serviço que é primordial para as cidades. E isso precisa ser comunicado à população”, conclui Pedro Maranhão.