A ideia das transferências diretas de renda ganhou força no final do século 20, baseada em um princípio fundamental: a simplicidade. Em vez de programas excessivamente burocráticos, propunha-se entregar o dinheiro diretamente às famílias, que decidiriam como melhor utilizá-lo.
No Brasil, essa abordagem começou a ser implementada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, mas foi sob o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva que os programas de transferência de renda ganharam escala e se tornaram marca registrada da política social nacional.
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Ao longo dos anos, os benefícios sociais resistiram a inúmeras críticas. Hoje, no entanto, surgem novos questionamentos, como a proposta de restringir o uso dos recursos em sites de apostas — uma preocupação moderna que revela como as dinâmicas sociais e econômicas evoluíram desde a concepção desses programas.
A MP 1296, de 2025, que cria o Programa de Gerenciamento de Benefícios (PGB), busca corrigir uma deficiência estrutural: a falta de monitoramento e avaliação sistemática dos programas sociais. Seu objetivo é gerenciar os benefícios de forma mais eficiente, com foco na emancipação dos beneficiários.
Programas de transferência de renda não deveriam ser pensados como permanentes, mas como alavancas para que famílias alcancem condições dignas e, futuramente, prosperem de forma independente. Isso não apenas por questões fiscais — que a Teoria Monetária Moderna (MMT) relativiza —, mas porque a finalidade última das políticas sociais é a emancipação cidadã, não a dependência eterna.
Essa é a teoria. Na prática, sabemos que programas desse tipo também possuem enorme apelo eleitoral — um fator impossível de ignorar ao se analisar sua implementação.
Apesar de a aprovação do governo Lula ter crescido dois pontos, alcançando 41% segundo a pesquisa Pulso Brasil/Ipespe, a desaprovação atingiu 54%. Outras pesquisas indicam tendência semelhante: queda de aprovação e aumento da rejeição. Esses números revelam mais do que flutuações momentâneas; apontam para um desgaste mais profundo, que precisa ser entendido no contexto da percepção popular e da comunicação política.
O problema da MP 1296, portanto, não reside em seu mérito, mas em seu timing político. Em seu terceiro mandato, o presidente Lula enfrenta índices de aprovação baixos, inclusive entre as classes C e D — historicamente suas maiores bases de apoio e justamente as mais afetadas pelas mudanças propostas. Corre-se o risco de transformar uma correção necessária em mais um fator de desgaste político para um governo que ainda busca reencontrar sua conexão com o eleitorado popular.
Fica o questionamento: a quem essa revisão de gastos sociais procura agradar? Com o apoio das camadas mais vulneráveis em xeque, ajustes que podem ser percebidos como distanciamento de suas bases tradicionais fragilizam ainda mais a solidez desse vínculo, num momento particularmente sensível para o governo e para a identidade política do PT.
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Sigmund Freud, ao analisar o comportamento das massas, descreveu-as como influenciáveis, crédulas e emocionalmente extremadas. Para ele, a massa não questiona nem pondera; age movida por imagens fortes, repetição e apelos emocionais, sendo mais sensível à força do que à bondade, e avessa a mudanças. Essa leitura ajuda a compreender como, em tempos de polarização e descrédito generalizado, qualquer movimento do governo é amplificado e julgado com base em impressões simbólicas, mais do que em análises racionais.
A MP 1296 é, enfim, uma tentativa necessária de atualização do modelo de assistência social brasileiro. No entanto, sua implementação exigirá extrema sensibilidade: será preciso garantir que o incentivo à autonomia não seja confundido com abandono ou insensibilidade diante das dificuldades enfrentadas pelos mais vulneráveis.