A revolução tecnológica disparada pela inteligência artificial se tornou mais visível nos últimos anos e tema dominante nas discussões de futuro da sociedade. Agora, já existem experiências interessantes para demonstrar como ela pode ser utilizada em atividades cotidianas e profissionais – inclusive no Direito –, com potencial para ampliar a inclusão e a acessibilidade.
Foi pensando na urgência desse tema e para tratar sobre os impactos da tecnologia no universo jurídico que o JOTA e a OAB-SP, com apoio da Microsoft, realizaram o evento Inteligência Artificial Generativa para Advogados: explorando oportunidades, nesta quarta-feira (12/6).
Ricardo Wagner, diretor Copilot da Microsoft, chamou atenção para o universo de possibilidades oferecidas pela inteligência artificial. Ele demonstrou como a IA da pode ajudar advogados a fazer pesquisas em sites confiáveis, escrever petições e contratos, gerar apresentações em slides e fazer análises de dados em planilhas.
Nos vídeos que ele apresentou, com demonstrações de uso das ferramentas, foi possível notar que não é preciso nenhum conhecimento tecnológico específico para obter as respostas — bastava usar a habilidade de se comunicar e explicar seus pedidos, o que o advogado já tem.
O executivo também ressaltou a importância da tecnologia para fomentar a inclusão. “Precisamos pensar em quem está sendo excluído do processo, como as pessoas com deficiência, e convidar para fazer parte. Não para representá-las, mas para que elas construam junto”, disse.
Segundo ele, o foco da Microsoft atualmente está no desenvolvimento de soluções capazes de ajudar populações que precisam de recursos específicos e com demadas mais complexas – desse modo, também se atende à média populacional.
“Se queremos inovar, temos que pensar em como contemplar os extremos. Ao criar um recurso para quem não tem um braço, por exemplo, acabamos atendendo também quem está com o braço quebrado, com alguma dificuldade temporária, e até quem tem os dois”, relacionou o executivo. “E se conseguimos fazer algo funcionar mesmo que seja só para um indivíduo, que está bem no extremo, a solução caberá para todo mundo”, defendeu sobre o modelo.
Nessa linha, sob o lema de “acessibilidade para alguns, usabilidade para todos”, a Microsoft, em parceria com a empresa OpenIA, desenvolveu a ferramenta Copilot. Por meio de comandos simples, ela permite que as pessoas utilizem as ferramentas da Microsoft (como Word, Excel, PowerPoint, Teams) em suas potencialidades máximas.
“A parte técnica de colocar fórmulas em uma tabela de Excel, na qual um humano gasta muito tempo, a máquina pode fazer. Isso deixa tempo para a pessoa pensar na interação da reunião, na parte humana”, explicou Wagner, da Microsoft. “O humano continua como piloto e a IA Generativa age como copiloto”.
Na prática, ele pode resumir textos, segmentar informações e sugerir novas construções textuais no Word. Ao idealizar um gráfico ou uma tabela, o usuário não precisa entender tecnicamente como executar isso no Excel, bastando dar as instruções ao Copilot, que aceita comandos em linguagem corrente em português.
Além disso, há ferramentas para colaborar em projetos criativos: a partir das indicações de temas prioridades, um fluxo de comunicação de uma apresentação pode ser criado do zero no PowerPoint. Também é possível alterar imagens e propor projetos gráficos de forma simplificada.
No Teams, reuniões são resumidas e próximos passos são elencados, inclusive com a distribuição de tarefas entre os membros da equipe.
Para o trabalho de advogados, algumas possibilidades são a criação de rascunhos de contratos e argumentos jurídicos, a realização de pesquisas, resumo de informações, estudo de grandes volumes de contratos e avaliação de risco. É capaz ainda de automatizar processos e gerar rascunhos de comunicações.
Riscos e oportunidades
Em suas falas durante o evento, a presidente da OAB-SP, Patrícia Vanzolini pontuou que, atualmente, um advogado que hoje não maneja o uso da tecnologia não está em paridade de armas com os demais operadores do Direito. Com postura firme, ela convocou os profissionais do Direito a se atualizarem sobre as novas tecnologias e destacou que a OAB-SP pretende ter protagonismo na transformação digital da categoria.
O keynote speaker do seminário, Celso Mori, sócio do Pinheiro Neto Advogados, deu uma palestra sobre Direito e ética em tempos de inteligência artificial. Segundo ele, o Direito tem papel fundamental na definição das aplicações futuras da inteligência artificial e dos rumos da humanidade, porque o caminho a ser percorrido depende fundamentalmente da regulação a ser feita no universo jurídico.
“Os riscos são inerentes ao nosso dia a dia e à tecnologia. Portanto, precisamos pensar em como desenvolver a tecnologia de modo responsável e promover um uso pela sociedade que mitigue riscos. Temos que fazer isso de modo responsável e estamos trabalhando para isso”, disse Elias Abdala Neto, vice-presidente de assuntos jurídicos e corporativos da Microsoft Brasil.
Na visão dele, a identificação dos riscos também pode oferecer oportunidades: “Temos aqui uma tecnologia bastante nova, com um potencial gigantesco para a sociedade, e que visa uma democratização, pois ela está virtualmente disponível para todas as pessoas. Usar a tecnologia de modo responsável também é ter abertura e pensar em como ela pode ajudar em nosso dia a dia”.
Elias Abdala Neto, da Microsoft | Foto: Mateus Sales / OAB-SP
Durante sua fala, Abdala Neto compartilhou o conceito de IA Responsável, que guia as ações da Microsoft, e os princípios que norteiam as atividades da empresa: equidade, confiabilidade e segurança, privacidade e segurança, inclusão, transparência e responsabilidade.
Privacidade e segurança
Marlos Bosso, arquiteto de soluções do Microsoft Technology Center, apresentou possibilidades do uso do Copilot para advogados em diversos serviços da empresa – o que facilita, otimiza e enriquece o trabalho, que na área da advocacia pode se estender por até mesmo décadas, a depender do processo.
Ele contou também sobre inovações importantes que garantem mais segurança para todos. “Quando se está logado no Microsoft Copilot com sua conta da Microsoft, há um selo verde de ‘protegido’. Isso significa que as suas informações não serão utilizadas por nós ou por nossos parceiros para o desenvolvimento e atualização de tecnologias”, disse ele.
Isso é relevante na medida em que, com o avanço da tecnologia, aumentar os riscos de exposição de dados pessoais, coleta indevida de informações sensíveis e violação de direitos autorais e da personalidade – para citar algumas das preocupações éticas que têm sido levantadas sobre o emprego da inteligência artificial.
Outras inovações no Chat GPT, desenvolvido pelo parceiro OpenIA, permitem que uma pesquisa seja realizada a partir de um documento específico, e não em toda a internet o que pode contribuir para o trabalho dos advogados. Além de constantemente precisarem lidar com documentos extensos, esses profissionais precisam ainda da garantia sobre a credibilidade das informações.
Inclusive, outra inovação é que a ferramenta passará a citar as fontes em que coleta o conteúdo, o que permite que rapidamente seja feita uma verificação e até encontre a citação correta.
IA Generativa na prática
No segundo painel realizado no evento, Francisco Alexandre Colares, secretário de governança e gestão estratégica da Advocacia-Geral da União (AGU), compartilhou como a inteligência artificial é usada por eles no sistema de inteligência jurídica Sapiens.
De acordo com ele ele, a tecnologia não é mais suporte, é uma ferramenta estratégica que permite à AGU realizar a triagem, a produção textual e a jurimetria de uma grande quantidade de processos. Utilizado há mais de uma década, o sistema de inteligência jurídica Sapiens ganhou, em 2020, o Prêmio Innovare, que celebra a inovação no setor público.
“A AGU é o maior escritório de advocacia do país, com um acervo de 37 milhões de processos, 90 mil comunicações processuais recebidas por dia. Então, sem uso de tecnologia, talvez os oito mil advogados do quadro não sejam suficientes para dar conta desse volume, mas temos uma taxa de sucesso judicial de 65,8%. Na maioria dos tribunais em que atuamos, fazemos todos os processos via Sapiens”, contou ele.
Colares enfatizou que a inteligência artificial não resolve todos os problemas, portanto as interações humanas não seriam passíveis de substituição. “Os problemas estão cada vez mais complexos. Os litígios são feridas nas relações humanas e, todos os dias, advogamos sobre problemas de décadas. A nova tecnologia vai redigir um texto coerente, mas ainda precisamos de seres humanos para debater e resolver problemas de modo consensual”, defendeu o secretário.
Atualmente, a AGU analisa 20 milhões de processos judiciais, em uma média de 10 mil citações por dia. Além do Sapiens, o órgão está adotando a tecnologia GPT-4, inteligência generativa embarcada na solução Azure OpenAI Service. O objetivo é potencializar o trabalho de advogados e gerar mais eficiência e precisão aos processos judiciários. O assistente pode gerar resumos e análises de processos, além de auxiliar na elaboração de apelações e decisões, por exemplo.
Paulo Silvestre, consultor de inovação e desenvolvimento do Machado Meyer Advogados | Foto: Mateus Sales/ OAB-SP
Em outro exemplo prático, Paulo Silvestre, consultor de Inovação e Desenvolvimento do Machado Meyer Advogados, compartilhou as formas pelas quais a IA generativa tem contribuído trabalho dos advogados de um escritório de advocacia. Na avaliação dele, os últimos quatro anos foram bastante transformadores para a área.
“Para nós, está muito clara a necessidade de extrapolar o que já é conhecido pela grande maioria das pessoas. Já tínhamos um plano, aí fomos atrás de uma parceria e a Microsoft surgiu. Foi o quinto projeto da Microsoft com um escritório de advocacia no mundo”, contou ele. Assim, surgiu uma ferramenta de inteligência artificial generativa desenvolvida especificamente para o Machado Meyer Advogados.
No começo, a busca dentro do repositório do escritório foi otimizada. Depois, a ferramenta se desenvolveu para dar mais autonomia de trabalho aos colaboradores. Hoje, a ferramenta contribui nas seguintes áreas: serviços linguísticos e documentais; estratégia e análise de casos e comunicação.
Agora, os próximos passos estão sendo planejados, com possibilidades para que a experiência dos clientes também seja contemplada – permitindo que eles obtenham informações sobre os processos no momento em que precisarem, por exemplo.
“Acredito que, um dia, todos os escritórios de advocacia terão seu assistente de inteligência artificial. O ChatGPT é um modelo aberto e disponível para todos, mas no futuro mais escritórios terão uma ferramenta própria”, disse Silvestre. “A tecnologia nunca esteve tão acessível quanto agora. E isso muda muito o jogo: diferentes escritórios podem competir de igual pra igual”, concluiu o advogado.