Autorizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a transferência do controle da Amil para o empresário José Seripieri Filho deve trazer reflexos que vão muito além da própria operação da empresa.
Uma das cinco maiores operadoras de saúde do Brasil, a Amil tem mais de 3 milhões de beneficiários. O número por si só já é de grande relevância para o mercado, em razão da quantidade de serviços que a empresa precisa contratar para garantir a assistência a seus clientes. Mas a Amil também é fornecedora. Com 31 hospitais, ela vende serviços para outras companhias do setor. Mudanças, portanto, podem provocar um efeito no mercado por diversos caminhos.
Embora movimente bilhões, a Amil vinha apresentando prejuízo nos últimos anos. Basta ver alguns números para entender o tamanho do problema. A empresa foi vendida pela UnitedHealth Group por R$ 11 bilhões. Desse total, R$ 2 bilhões representam ações e R$ 9 bilhões são dívidas que precisam ser pagas.
O mercado acompanha com interesse os próximos passos da operadora. Entre as questões estão: haverá interesse em vender parte dos hospitais? Será que o novo comando irá retomar a estratégia tentada pela UnitedHealth Group de vender a carteira de planos individuais?
Seripieri já estaria iniciando conversas para identificar quais estratégias poderia adotar. Sua intenção também seria ter um panorama mais fiel dos problemas enfrentados pela saúde suplementar.
Além do talento reconhecido para negócios, o empresário também é sempre lembrado por suas conexões políticas. Seripieri é amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Júnior, como é conhecido, emprestou um jato para que o petista, então presidente eleito, viajasse para a COP 27 no Egito em 2022.
Para alguns observadores, essa proximidade terá grande relevância na discussão – e no rumo – de questões da saúde suplementar. O setor se queixa dos resultados negativos, fruto principalmente do aumento da sinistralidade. Com a participação do empresário, as queixas do setor poderiam ter mais receptividade.
Entre os temas que Júnior tem interesse em avaliar está o plano de cobertura reduzida. A bandeira não é nova. Em 2016, quando Ricardo Barros assumiu o Ministério da Saúde, uma das suas ideias era ampliar a oferta de planos mais baratos, chamados na época de planos populares. A ideia não foi para a frente, diante das críticas de sanitaristas e de entidades ligadas a direitos do consumidor.
Um dos argumentos mais fortes é o de que esses planos de menor cobertura não tinham resolutividade. O beneficiário usaria o plano para procedimentos mais baratos, para diagnóstico de problemas de saúde mas, em caso de tratamentos mais dispendiosos, teria de recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS). A alternativa, asseguravam, traria benefícios somente para as operadoras. Para o SUS e para os pacientes, haveria apenas prejuízos.
O tema foi esquecido nos últimos anos, mas não abandonado. E a expectativa é que novas discussões sobre estratégias para a saúde suplementar voltem à pauta neste ano, tão logo termine o recesso do Legislativo. Entre os pontos de discussão estariam mudanças pontuais nas regras de planos ambulatoriais – modalidade já existente mas com pouca representatividade no mercado.
O presidente da ANS, Paulo Rebello, afirmou em entrevista ao JOTA em dezembro que a situação da saúde suplementar deu sinais de melhora no fim de 2023. Mesmo assim, merece ser olhada com cuidado. Para ele, um dos pontos que poderiam ser pensados seria incentivar operadoras a ofertar estratégias de prevenção de saúde ou atenção primária.
Debates são sempre bem-vindos. Estudar novas estratégias para modernização na forma de atendimento, repensar contratos de prestadoras ou formas de pagamento podem trazer ganhos. Qualquer que seja a discussão, no entanto, é preciso ter em mente também o direito de usuários de planos.
Hoje, com a legislação existente, são inúmeros os relatos de descumprimento de direitos de pacientes, que precisam recorrer à Justiça para ter tratamentos prescritos. E, como revelou o jornal O Estado de S. Paulo, o Ministério Público investiga denúncias de que empresas estariam descumprindo de forma sistemática determinações judiciais.
Tentativas de se reduzir garantias não são novas, mas há muito se sabe quais poderiam ser os reflexos de tais medidas: a fragilização do cuidado e a sobrecarga de procura no SUS.