Comissão paga a marketplaces: a oportunidade perdida pela reforma tributária

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A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Disit/SRRF05 5007/2025, publicada em 13 de agosto, reafirmou a linha restritiva já consolidada na Cosit 143/2021: no Simples Nacional, as taxas de comissão pagas a marketplaces não podem ser deduzidas da base de cálculo da receita bruta.

A resposta administrativa, embora tecnicamente correta sob o prisma da legalidade estrita, expõe com clareza o descompasso entre a realidade do comércio digital e o regime jurídico que deveria incentivar o pequeno empreendedor.

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O ponto não é a falta de coerência da Receita Federal — afinal, a LC 123/2006, art. 3º, § 1º, não abre espaço para exclusões além de vendas canceladas e descontos incondicionais. O ponto é outro: a Reforma Tributária desperdiçou a chance de repensar conceitos fundamentais para uma economia marcada pela intermediação digital.

Receita bruta no Simples Nacional: formalismo normativo

O regime simplificado sempre se estruturou em torno da ideia de facilidade arrecadatória: uma base ampla, sem deduções, contra uma alíquota única e progressiva. O texto legal é claro — receita bruta é o valor integral da operação, sem considerar despesas intermediárias, inclusive comissões.

Do ponto de vista dogmático, não há margem para interpretação elástica. A Solução 5007/2025 apenas ecoa o que já havia sido fixado na Cosit 143/2021 e reiterado pelo Comitê Gestor do Simples Nacional na Resolução 140/2018. A Receita cumpre seu papel: interpreta a lei tal como está.

O problema é que a lei não enxerga a realidade do e-commerce.

O conflito: economia digital e tributação sobre valor inexistente

Empresas que vendem via Mercado Livre, Amazon, Shopee ou plataformas equivalentes jamais recebem o valor bruto da venda. Entre 10% e 20% ficam retidos pela plataforma a título de comissão, repassando ao vendedor apenas o líquido.

O resultado é paradoxal: o contribuinte paga imposto sobre um valor que nunca ingressou em seu caixa. Trata-se de uma tributação sobre custo, disfarçada de simplicidade. O Simples Nacional, criado para aliviar, converte-se em fardo para aqueles que mais dependem de intermediação digital — artesãos, prestadores de serviço e pequenos varejistas.

Reforma tributária: a chance desperdiçada

A Emenda Constitucional 132/2023 prometia alinhar a tributação ao século 21. No entanto, ao migrar para um sistema dual de IBS e CBS, preservou a lógica da legalidade rígida sem enfrentar a essência do problema: a definição de receita na economia digital.

Mais grave: a própria transição para o novo modelo pode onerar ainda mais os optantes do Simples Nacional. Isso porque a limitação ao creditamento de IBS e CBS nas aquisições restringe a compensação de custos operacionais, mantendo intocado o problema das comissões e criando distorções concorrenciais frente a empresas de maior porte que operam no Lucro Real.

O resultado é uma espécie de dupla penalidade: primeiro, tributa-se o que não ingressa no caixa; depois, nega-se ao pequeno a mesma lógica de creditamento concedida aos grandes.

O que está em jogo: competitividade e coerência do sistema

O problema transcende a letra fria da lei. A manutenção desse modelo:

  • Pressiona margens em setores já fragilizados;
  • Distorce a neutralidade concorrencial, criando barreiras à digitalização das micro e pequenas empresas;
  • Contraria a racionalidade do Simples, que nasceu para estimular formalização e competitividade, mas hoje opera como obstáculo em cenários de alta intermediação.

A tributação deveria refletir fluxos econômicos reais. Ao ignorar as comissões, o sistema brasileiro continua tributando ficções contábeis, não riqueza efetiva.

Conclusão

A Reforma tributária perdeu a oportunidade de redefinir “receita” em consonância com a economia digital, perpetuando um modelo que onera quem menos pode absorver. Enquanto isso, o Simples Nacional continua a ser um regime que simplifica apenas a arrecadação estatal, e não a vida do pequeno empreendedor.