O Senado aprovou no último dia 2 o PLP 125, que propõe a criação do Código de Defesa dos Contribuintes, a fim de estabelecer normas gerais sobre direitos, garantias, deveres e procedimentos na relação entre contribuintes e as Fazendas Públicas.
Um dos pontos de destaque é a definição do devedor contumaz. Em sua redação, o devedor contumaz será aquele cujo comportamento fiscal se caracteriza pela inadimplência substancial, reiterada e injustificada de tributos. No âmbito federal, considera-se substancial a existência de débitos em situação irregular, inscritos em dívida ativa ou constituídos e não adimplidos, no valor igual ou superior a R$ 15 milhões e superior a 100% do patrimônio conhecido do contribuinte. Estados e municípios podem adotar critérios próprios, mas, na ausência de previsão legal, ficam mantidos os parâmetros federais.
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O texto prevê restrições a esses devedores, como o impedimento de fruição de benefícios fiscais e participação em licitações. Embora a proposta tenha sido apresentada em 2022, sua discussão foi retomada com a justificativa de combater fraudes e responsabilizar contribuintes que deixam de pagar tributos reiteradamente e sem justificativa.
Por outro lado, o PLP 125 também prevê regras de conformidade tributária, voltadas a incentivar quem cumpre com as obrigações tributárias principais e acessórias. Busca criar mecanismos de compensação e contrapartidas positivas, de forma a reconhecer e valorizar aqueles que mantêm sua regularidade fiscal, concedendo-lhes canais de atendimento simplificados, flexibilização na aceitação de garantias e prioridade na análise de processos de restituição. Dispõe, ainda, que as regras de conformidade são aplicadas sem prejuízo às legislações locais com programas próprios e reforçam a figura dos bons pagadores.
Os programas de conformidade buscam criar relações de confiança entre fisco e contribuintes. Não se pode ignorar, porém, que junto a tais incentivos o legislador também impõe novas medidas restritivas, sob o fundamento de que seriam aplicáveis exclusivamente àqueles considerados maus pagadores, ou devedores contumazes.
As condições previstas no PLP 125 devem, contudo, observar o direito à ampla defesa e ao devido processo legal, evitando que a simples existência de débitos fiscais seja suficiente para enquadrar o contribuinte como devedor contumaz, impondo-lhe restrições que podem gerar prejuízos incalculáveis.
Além disso, não se pode ignorar que o legislador frequentemente reage a episódios de grande repercussão midiática envolvendo fraudes fiscais, respondendo com medidas de caráter restritivo, como no caso do texto do PLP 125 que traz a definição do devedor contumaz.
Não há dúvidas quanto à necessidade de uma resposta do fisco perante tais situações, inclusive com regulamentações que busquem coibir atos fraudulentos. O risco que se apresenta, contudo, é o de que, em razão desses episódios, os contribuintes considerados bons pagadores acabem sendo penalizados de maneira indireta por normas generalistas e restrições excessivas, inclusive com a revogação injustificada de mecanismos de conformidade que incentivam tais contribuintes.
Exemplo disso é o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária Nos Conformes, criado pelo estado de São Paulo, pela Lei Complementar 1.320/2018, que classifica contribuintes em categorias (“A+” a “E” e “NC”), e concede benefícios conforme a classificação. O Decreto 67.853/2023 regulamentava contrapartidas importantes, como simplificação na apropriação de créditos acumulados de ICMS e a renovação de regimes especiais para contribuintes “A+”, “A” e “B”.
No entanto, o Decreto 69.808/2025 revogou integralmente essas contrapartidas, a partir de situações de irregularidades verificadas em parte dos contribuintes. Sem que tenham sido apresentadas justificativas públicas detalhadas, a medida acabou por alcançar todos os contribuintes, inclusive os adimplentes e aderentes às regras de conformidade.
É importante distinguir ações voltadas a coibir práticas irregulares de restrições generalizadas. Medidas amplas e indistintas tendem a desestimular quem cumpre suas obrigações e a reduzir a efetividade do próprio marco legal, além de abalar a confiança na relação entre fisco e contribuinte.
Dessa forma, o desafio que se coloca com o PLP 125, e das legislações locais vigentes e que venham a ser editadas, é harmonizar o efetivo combate à inadimplência reiterada fraudulenta, mas sem perder de vista a proteção aos bons contribuintes, que adotam as regras de conformidade.
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Em última análise, é desejável que os fiscos estaduais observem as diretrizes que venham a ser estabelecidas pelo PLP 125, cuja internalização pela legislação local é obrigatória, com implementação proporcional e focalizada. Essa adaptação, deve proteger também os contribuintes que atendem à conformidade, evitando a imposição de novas restrições de caráter geral.
O PLP 125 já foi aprovado em dois turnos no Senado e deverá, ainda, ser analisado pela Câmara dos Deputados, etapa necessária para sua consolidação como lei complementar e posterior sanção presidencial. O equilíbrio entre repressão a práticas abusivas e incentivo à regularidade fiscal deve ser a marca da atuação do fisco, garantindo a confiança entre os contribuintes.