Coalizão anti-Estado limita ganhos de Lula com isenção de IR e taxação de bets

  • Categoria do post:JOTA

O que em tempos de baixa polarização política poderia se reverter em ganhos para o governo—fosse ele de esquerda ou direita—corre o risco de ter efeitos nulos numa era em que a extrema direita e suas taras identitárias florescem de modo robusto. Estivéssemos no cenário pré-2013, quando as chamadas jornadas de junho expuseram ao país uma demanda por soluções políticas à direita, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estaria com a reeleição garantida após a aprovação da isenção de Imposto de Renda para Pessoas Físicas (IRPF) para pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês e redução da alíquota para ganhos que se enquadrem na faixa entre R$ 5.000,01 e R$ 7.350,00.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Isso porque a única unidade da federação em que mais da metade da população ganha acima de R$ 5 mil mensais é o Distrito Federal. Nos Estados do Norte e Nordeste, onde o lulismo predomina, o percentual de pessoas com recebimentos até esse valor pode chegar a quase 95%, como é o caso do Maranhão. Mesmo nos Estados do Centro-Sul, que penderam à direita nas eleições presidenciais dos últimos 20 anos, a isenção cobre parcela significativa da população. Hoje, a isenção abrange apenas ganhos de até R$ 3.036.

Depois de o novo patamar de isenção ter sido aprovado por todos os deputados federais presentes em plenário em 1º de outubro, a oposição foi bem-sucedida em derrubar em 8 de outubro a medida provisória (MP) 1303/2025, que impôs mudanças sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e previa ampliar a taxação de setores específicos da economia, sobretudo as bets, para aumentar a arrecadação em R$ 30 bilhões. A derrota do governo por 251 votos a 193 contou com as digitais de Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo herdeiro do bolsonarismo e provável candidato à presidência em 2026.

Estivesse, assim, preocupada com justiça tributária, a oposição não teria simplesmente bloqueado a MP. Entende-se que a direita não queira beneficiar um governo de centro-esquerda com mais dinheiro no caixa para gastar em ano eleitoral. No entanto, em vez de ter uma postura obstrucionista, uma oposição responsável procuraria apresentar uma proposta substitutiva no caso das bets, que desencadearam uma epidemia de endividamento e redução no consumo no varejo entre os estratos menos favorecidos da população.

Mais do que a influência de lobbies predatórios, é a agenda anti-Estado de parte
significativa do eleitorado que molda a ação da direita nessa agenda. Não estão
preocupados com justiça tributária, mas em solapar toda e qualquer autoridade pública que seja um suposto obstáculo a seus ganhos. Unem-se nessa coalizão desde uma pequena burguesia composta por lojistas, seja eles donos de quiosques em shoppings ou botecos de periferia, até o crime organizado, que ironicamente vende bebidas falsificadas com etanol seja para os últimos, seja para os bares de elite.

Poderia chamar essa coalizão de anti-CLT, numa referência ao arcaico conjunto de
regras trabalhistas que, ironicamente, ainda é a melhor proteção ao trabalhador em relações extremamente assimétricas como as que seguem caracterizando a sociedade brasileira. Porém, mais que destruir a proteção ao trabalhador de carteira assinada, a coalizão que deposita sua desesperança—ou seja, sentimento antissistêmico—na direita é contra o Estado. Prefere soluções privadas, muitas à margem da lei, como milicianos e afins, à apostar na reforma de um ente visto como corrupto e ineficaz.

Inscreva-se no canal de notícias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões do país!

A questão, todavia, não é de efetividade, mas de legitimidade. Não importa o quanto mais vai sobrar no bolso ou se o vício em apostas—uma pauta de interesse
conservador—poderia ser constrangido. As ações na esfera tributária de um governo à esquerda vão encontrar resistência entre segmentos que veem o Estado como inimigo, seja porque Anão veem retorno em forma de políticas públicas, seja por ele ser um entrave a atividades hoje situadas no limite de ilegalidade.

Pesquisas de opinião recentemente divulgadas indicam que Lula recuperou a
popularidade, inclusive entre os mais ricos e escolarizados, em parte devido à abertura de negociações sobre o tarifaço com o presidente americano Donald Trump. De todos os dados dos levantamentos publicados neste mês, o que mais chama a atenção é a pesquisa Quaest que aponta que 23% do eleitorado prefere um nome de fora da política para ser candidato a presidente em 2026. À frente desse percentual, está apenas Lula, que reúne 33% das preferências em tal cenário.

Nem todos que são antissistema são necessariamente anti-Estado. Pode-se querer ir contra tudo que está disponível dentre as opções ofertadas pelos partidos para justamente buscar uma reforma das instituições. Porém, num cenário em que elas são vistas como ilegítimas, a revolta não busca a correção senão a destruição. Com interesses escusos interessados em mitigar a capacidade estatal de regular as relações socio-econômicas, tal cenário emerge com força considerável.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

Lula enfrentará em 2026 não a direita, mas pretensos revolucionários que não se furtam em associarem-se com criminosos que desprezam a vida. Vale tudo, porém, desde que o sistema seja derrotado. O problema com tal postura é o que fazer no day after: muda-se tudo para que nada mude. Ou, nesse caso, seria uma mudança para pior. O problema do Brasil não está no tamanho do Estado, mas no que ele faz. Destruí-lo interessa exclusivamente aos fora-da-lei, sejam eles do asfalto ou do morro, da planície ou do Planalto.