CNJ abre reclamação contra desembargadora por dar andamento a ações trabalhistas sobre autônomo

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O ministro Mauro Campbell Marques, corregedor-nacional de Justiça, instaurou de ofício reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a desembargadora Vânia Maria Cunha Matos, da 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), do Rio Grande do Sul, por dar prosseguimento a duas ações trabalhistas que tratam sobre o Tema 1.389, do Supremo Tribunal Federal (STF), que versam sobre a “pejotização” e trabalho autônomo. Em abril, o ministro Gilmar Mendes, do STF, determinou a suspensão da tramitação de todos os processos do país sobre a temática até o julgamento do RE 1.532.603.

No recurso, submetido à sistemática da repercussão geral, o STF analisará os seguintes temas: 1) a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas  em que se discute a fraude no contrato civil de prestação de serviços; 2) a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, à luz do entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADPF 324, que reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos; e 3) a questão referente ao ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil, averiguando se essa responsabilidade recai sobre o autor da reclamação trabalhista ou sobre a empresa contratante.

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Ao analisar um mandado de segurança, a magistrada concluiu que os casos se tratavam de diferentes hipóteses das previstas na decisão de Mendes, uma vez que não foi firmado contrato de prestação de serviços entre as partes. Ela fez distinções das ações, afirmando que uma trata sobre o reconhecimento da relação de emprego, e a outra sobre indenização por doença ocupacional.

Na decisão liminar do mandado de segurança impetrado pelo trabalhador contra a suspensão do processo, a magistrada destacou que “não se configura a hipótese como causa da suspensão dos processos ajuizados pelo ora impetrante, por incontroverso que as partes das ações originárias não firmaram contrato escrito de prestação de serviços”. Assim, determinou o prosseguimento das duas ações.

No acórdão, Matos defendeu a Justiça do Trabalho como a única competente para analisar relações de trabalho e reconhecer ou não a existência de vínculo de emprego. “A Justiça do Trabalho, graças ao seu dinamismo, tem a capacidade de se reinventar, mas sem perder o norte, como uma Justiça que prima por manter o equilíbrio das relações entre o capital e o trabalho”, afirmou a magistrada.

Segundo Matos, a Justiça Trabalhista tem uma produção teórica e jurisprudencial que ultrapassa muito mais de oito décadas, com capacidade plena de interpretar e regular, inclusive, as novas formas de trabalho que surgem ao longo do tempo.

Já para o ministro Campbell Marques, a decisão da desembargadora é, de forma evidente, descumpridora da determinação proferida pelo STF. Além disso, diz que a conduta da magistrada fere a garantia constitucional de acesso à Justiça, caracteriza negativa de jurisdição, lesa a credibilidade do Poder Judiciário e impõe à parte uma morosidade em descompasso com a lei.

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Em sua avaliação, o descumprimento das decisões vinculantes de tribunais superiores acaba prejudicando as partes e colocando em xeque a eficácia do desenho institucional dos tribunais. De acordo com o ministro, o CNJ “tem tido grande preocupação com o reiterado descumprimento das decisões exaradas pelos tribunais superiores, sobretudo nos casos de controle concentrado de constitucionalidade, repercussão geral e recurso representativo de controvérsia”.

O ministro afirma ainda que a independência funcional do juiz não é absoluta, e se comprovada a ofensa aos deveres constitucionais e legais, em caráter excepcional, “admite-se relativizar os princípios da independência e da imunidade funcionais para propiciar a responsabilização administrativo-disciplinar do magistrado”.

Além disso, Campbell Marques destaca que a conduta de Matos violou o dever previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) de cumprir e fazer cumprir com exatidão as disposições legais e os atos de ofício. Também considerou que, ao prosseguir com as ações trabalhistas, a desembargadora fere o Código de Ética da Magistratura, pois revela “comportamento incompatível com a prudência e diligência”.

“Não é demais lembrar que o juiz tem o dever de prudência, através de comportamentos e decisões que sejam resultado de juízo racionalmente justificado”, concluiu. Por fim, determinou que a desembargadora se manifeste em até 15 dias, assim como oficiou a presidência do TRT4 para se manifestar, no prazo de 5 dias, acerca da existência de qualquer apuração relacionada aos fatos
narrados.

Procurado pelo JOTA, o TRT4 afirmou em nota que, atualmente, todos os processos relacionados ao Tema 1.389 de repercussão geral, que trata da chamada “pejotização”, estão suspensos no âmbito da Justiça do Trabalho gaúcha, em cumprimento à determinação do STF.

“No caso específico mencionado, a desembargadora Vânia Cunha Mattos, da 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal, entendeu que as ações em questão não se enquadravam na hipótese de suspensão determinada pelo STF, por não haver contrato de prestação de serviços entre as partes”, diz o tribunal em nota.

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Ao final da manifestação, concluiu que “o TRT-RS manifesta pleno respeito às atribuições e competências dos órgãos de controle e está à disposição destes para diligências e esclarecimentos que se façam necessários”.

A reclamação disciplinar tramita sob o número 0003576-54.2025.2.00.0000 no CNJ.