Citação bíblica e oração a Bolsonaro: as defesas dos acusados do núcleo 2 da tentativa de golpe

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Os advogados dos seis acusados do núcleo de coordenação por tentativa de golpe no Brasil em 2022, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), trouxeram à tribuna do Supremo Tribunal Federal citações bíblicas – como a carta que o apóstolo São Paulo redigiu à Timóteo –, pediram orações ao ex-presidente Jair Bolsonaro e parte tentou pregar em seus clientes a imagem de que eram técnicos do governo e que não agiam por ligações políticas. Defenderam ainda que os acusados não têm foro de prerrogativa, portanto, o julgamento não deveria ser no STF.

Do mesmo modo, as sustentações se esforçaram para afastar os clientes das acusações dos atos de 8 de janeiro, muitos alegando que os clientes nem estavam em Brasília no dia dos ataques – foi o caso do ex-chefe da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, e do ex-assessor internacional de Bolsonaro, Filipe Martins. A defesa deste inovou pedindo a suspeição do PGR, Paulo Gonet.

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Até mesmo a baixa abstenção dos eleitores foi usada pela defesa de Silvinei na tentativa de descolá-lo do uso eleitoral das barreiras em rodovias no 2º turno das eleições, o que incomodou os ministros Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes, que trocaram olhares durante a fala. Cármen, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pediu então a palavra para dizer que não há relação entre a baixa abstenção e a atuação de Silvinei e lembrou que o ex-chefe da PRF foi chamado ao prédio do TSE para retirar as blitzes das estradas.

A 1ª Turma do Supremo decide nesta terça-feira (22/4) se torna réus mais seis acusados por tentativa de golpe. De acordo com a denúncia do PGR e com o relatório da Polícia Federal, esse grupo se utilizou dos cargos públicos que ocupavam em ações e omissões coordenadas para desestabilizar o regime democrático no Brasil – seja por blitzes em rodovias federais no dia das eleições de 2022 para impedir que eleitores chegassem às zonas eleitorais, seja com omissão no uso das forças de segurança em relação aos ataques à Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023.

Confira os destaques do que disse cada defesa:

Fernando de Sousa Oliveira, delegado da PF e ex-secretário-adjunto da Segurança Pública do Distrito Federal

O advogado de Fernando Oliveira, Danilo Davi Ribeiro, tentou desvencilhá-lo dos atos de 8 de janeiro. Segundo Ribeiro, Oliveira não agiu com omissão contra os ataques da Praça dos Três Poderes. Inclusive, teria entrado no governo do DF apenas em 4 de janeiro e comunicou a Anderson Torres e ao governador Ibaneis Rocha, que estava tomando providências para conter os ataques de 8 de janeiro.

A ideia que a defesa tentou passar foi que o delegado da PF era uma escolha técnica e não tinha envolvimento político com Torres e Bolsonaro. “Não há foto de Fernando com camisa do Brasil, vermelha, defendendo qualquer posição política.”

Filipe Garcia Martins Pereira, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República

A defesa de Filipe Martins foi dividida entre dois advogados. O primeiro deles, Marcelo Almeida Sant’anna, pediu acesso a provas como a geolocalização de Filipe fornecida pela Uber e empresas de telefonia. Segundo ele, os advogados não tiveram acesso a esses dados. Eles pediram ainda a suspeição de Paulo Gonet, alegando que ele não seria imparcial para apresentar a denúncia.

Já Sebastião Coelho – que chegou a ser detido no julgamento do núcleo 1, de Bolsonaro – usou referências bíblicas, como a carta de Paulo, e chegou a pedir orações pela saúde do ex-presidente, internado devido a uma cirurgia de desobstrução intestinal.

Coelho lembrou que no relatório da PF Martins estava no núcleo jurídico com o advogado Amauri Feres Saad, o padre José Eduardo de Oliveira e Silva e Anderson Torres. No entanto, só Martins e Torres foram indiciados por Gonet.

O advogado defendeu que “não há justa causa” para receber a denúncia de Filipe Martins e que não foram encontradas trocas de mensagens entre o ex-assessor e Mauro Cid e diz que Martins estava no Palácio da Alvorada porque era funcionário do ex-presidente.

“Filipe Martins é um homem brilhante, que com 31 anos de idade exercia o cargo de assessor internacional do presidente da República. O mesmo cargo que hoje é exercido pelo ministro Celso Amorim, de 82 anos, que já foi ministro de duas pastas, exerce hoje o mesmo cargo que Filipe Martins exerceu dada a sua capacidade, dado o seu grande conhecimento”, afirmou.

“Se a denúncia for aceita, peço a suspensão das medidas cautelares. Não há necessidade. Filipe Martins, ele não pode trabalhar e anda com a tornozeleira eletrônica por um fato que ele não cometeu, uma prisão que ele foi colocado sem que ele tivesse dado qualquer causa, um fato que não é verdadeiro. Então, não tem razão dele estar com essas medidas cautelares”, complementou.

Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva do Exército e ex-assessor da Presidência da República

O advogado de Marcelo Costa Câmara, Luiz Eduardo de Almeida Santos, argumentou que não deve ficar no Supremo o núcleo 2, pois não há prerrogativa de foro aos acusados. Além disso, pediu que o julgamento fosse convertido em diligências para ter acesso aos documentos originais e não cópias. Por fim, disse que a conduta do coronel da reserva não dá justa causa para que a denúncia seja aceita.

Segundo ele, Câmara não fez “ monitoramento”, mas sim “controle de agenda”, e era quase 2º escalão no governo Bolsonaro, agindo como um “bombeiro” apagando incêndios.

De acordo com a denúncia da PGR, Câmara teria feito “ações de monitoramento” contra autoridades públicas, como o ministro Moraes, por meio da Abin paralela.

Marília Ferreira de Alencar, delegada da PF e subsecretária de Inteligência da SSP-DF

O ex-ministro da Justiça e ex-advogado de Lula, Eugênio Aragão, atuou como advogado da delegada Marília Alencar. Segundo ele, Marília tem preferências políticas, mas não foram elas que direcionaram as suas atitudes políticas. “Ter preferência política não é crime, crime é o que se faz com a sua preferência política”, disse.

Aragão também disse que o relatório de Business Intelligence (BI) realizado por Marília, quando ela integrava o Ministério da Justiça no governo Bolsonaro, não tinha intenção de impedir eleitores de Lula de votarem. “O BI de Marília não visava impedir voto, visava identificar áreas de possíveis confrontos entre bolsonaristas e partidários do presidente Lula.”

Segundo Aragão, não há coincidência entre os pontos de barreira da PRF e o relatório da Polícia Federal. Ele também disse que existe hostilidade entre PRF e PF e quem já esteve no Ministério da Justiça, como ele, sabe disso. Afirmou que não há liame que ligue Marília à Silvinei Vasques.

Mário Fernandes, general da reserva do Exército

Também fazendo uso de referências cristãs, Marcus Vinicius de Camargo Figueiredo, advogado do general da reserva do Exército, Mário Fernandes, disse que o militar não é inimigo da corte e não atentou contra a vida de Moraes ou Lula.

O advogado disse por mais de duas vezes que sabe que o seu cliente vai virar réu, mas pediu que os ministros da 1ª Turma “não se convençam antes da hora”. Ele defende que não existe tipicidade criminal na “tentativa” de golpe. Disse também que será apresentado laudo pericial para demonstrar que houve quebra na cadeia de custódia — que é a rastreabilidade da posse e integridade da prova criminal.

Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal

O advogado de Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF, Anderson Rodrigues de Almeida, usou a baixa abstenção de eleitores do 2º turno das eleições de 2022 para dizer que não houve atuação da PRF para impedir a votação de eleitores de Lula. Neste momento, houve troca de olhares entre a ministra Cármen Lúcia, atual presidente do TSE, e o ministro Alexandre de Moraes, presidente da corte à época.

Depois, Cármen pediu a palavra e disse que era preciso deixar claro que a baixa abstenção não teve a ver com a atuação de Silvinei. Ela lembrou também que ele foi chamado no dia das eleições por conta das barreiras. Na ocasião, Moraes chegou a dizer que poderia prendê-lo se as barreiras não fossem desfeitas. Durante a ponderação de Cármen, Moraes concordou com a fala e sorriu.