Cinco agendas para reposicionar o Brasil no novo cenário global

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Vivemos um momento de inflexão, com o redesenho de estruturas tradicionais de poder, economia e sociedade. Entre os especialistas, é crescente a percepção de que este é um período marcado por quatro vetores estruturais: militarização da tecnologia, disputa por recursos críticos, revolução digital e transformação climática.

Sobre esse pano de fundo se desenrola ainda a disputa por protagonismo entre Estados Unidos e China, enquanto a guerra na Ucrânia, tensões no Indo-Pacífico e implicações da crise climática alimentam um quadro geral de instabilidade, reforçando a ideia de um novo ponto de equilíbrio.

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Nesse contexto, os países que dominam a inteligência artificial, os minerais estratégicos, os semicondutores e a geração de energia concentram não apenas superioridade militar, mas também capacidade para moldar cadeias globais, fluxos de comércio e padrões de desenvolvimento. Economia e segurança, visivelmente avançam de maneira indissociável no tabuleiro geopolítico e o Brasil precisa assumir as agendas estratégicas que dialogam com essa realidade em transformação.

As tecnologias digitais tornaram-se o campo central da competição entre potências globais, com a inteligência artificial avançando em usos civis como diagnósticos médicos e agricultura de precisão, mas com apelo maior em aplicações militares: da guerra cibernética a sistemas de armas autônomas. Embora o Brasil amplie o uso de recursos associados a essas tecnologias, possui vulnerabilidades em infraestrutura crítica e limitações no estímulo à ciência, tecnologia e inovação.

O país avança em setores como agricultura digital e automação industrial, mas convive gargalos preocupantes, como falta de infraestrutura digital resiliente, baixa defesa cibernética e limitações em semicondutores, inteligência artificial e computação quântica. Sem políticas integradas, segue consumidor de soluções externas, ampliando dependência em áreas vitais à soberania nacional.

Outro eixo de transformação é a descarbonização. Apesar do menor ímpeto com a redução do pacote de incentivos dos Estados Unidos, a transição energética segue apoiada em condições favoráveis. Para o Brasil, biocombustíveis, hidrogênio de baixo carbono e tecnologias de captura de CO₂ emergem como fortes alavancas desse movimento. Ao mesmo tempo, a corrida por minerais estratégicos e terras raras se insere nesse quadro, essenciais para ímãs, baterias, turbinas eólicas, painéis solares, equipamentos médicos e semicondutores.

O Brasil reúne vantagens comparativas únicas: um dos sistemas elétricos mais limpos do mundo (88% da matriz) segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), importante participação de etanol e biodiesel (38 bilhões de litros de etanol e 9 bilhões de biodiesel), base agrícola robusta e reservas de minerais estratégicos. Mas essas vantagens podem se esvair sem uma política industrial clara, voltada ao adensamento de cadeias produtivas, integração tecnológica e incentivos à transformação e infraestrutura digital.

Diante desse contexto, o Brasil precisará construir um conjunto de políticas públicas que considerem cinco eixos centrais:

  1. Transformação energética e tecnologias limpas: consolidando e expandindo a sua liderança em biocombustíveis, criando oportunidades para o combustível sustentável para a aviação (a EPE estima um potencial de 9 a 12 bilhões de litros por ano até 2040) e marítimo, hidrogênio de baixo carbono (cenários da Agência Internacional de Energia, IEA, indicam o Brasil como um dos cinco países com menor custo de produção de H₂ verde até 2030, abaixo de US$ 1,5/kg) e tecnologias para a captura e armazenamento de carbono (com potencial para capturar de 274 a 369 milhões de tCO₂ por ano até 2050, conforme as projeções do Centro Brasileiro de Relações Internacionais). Deve ainda adaptar a eletrificação da mobilidade a sua realidade e avançar no armazenamento de energia. O Brasil pode se tornar referência global em soluções energéticas de baixo carbono.
  2. Biotecnologia e saúde: explorando o potencial da biodiversidade para as novas moléculas, liderança na agricultura adaptada ao clima e ampliação da capacidade em biotecnologia médica, com vacinas de nova geração e em terapias avançadas (o Banco Interamericano de Desenvolvimento estima que a bioeconomia poderá movimentar até US$ 284 bilhões por ano na América Latina até 2030). A edição gênica e a biotecnologia sintética têm grande valor para uma agricultura, que é afetada pelas mudanças climáticas e pode produzir novos excedentes de combustíveis a partir do aproveitamento resíduos e gases.
  3. Minerais críticos e economia circular: definindo uma política para a exploração, beneficiamento e industrialização de minerais estratégicos e para terras raras, articulada à reciclagem e à economia circular. Não basta extrair: é preciso agregar valor e integrar cadeias globais. Estudos da IEA apontam que a demanda global por minerais críticos deve quadruplicar até 2040, com crescimentos múltiplos em alguns: lítio (42x), grafema (20x), cobalto (20x), níquel (15x) e terras raras (7x). Por outro lado, também segundo a agência, a taxa de reciclagem de materiais disparou em relação à disponibilidade de matéria-prima: mais de 40% no caso do níquel e do cobalto e para 20% no caso do lítio em 2023. O valor de mercado dos metais de bateria reciclados também registrou um crescimento de quase 11 vezes entre 2015 e 2023, sendo que mais da metade desse crescimento ocorreu nos últimos três anos de período.
  4. Resiliência urbana: adaptando a infraestrutura das cidades a eventos climáticos extremos e olhando para a segurança como um elemento importante. O Brasil precisa proteger sua população e seu território de impactos extremos. Relatório da Organização Meteorológica Mundial indica que foram reportados 10 eventos climáticos extremos em 2024 no Brasil, com impactos econômicos, ambientais e sociais significativos. Somente as inundações no Rio Grande do Sul provocaram mais de 180 mortes e perdas econômicas de cerca de R$ 8,5 bilhões.
  1. Defesa e segurança: integrar tecnologias digitais, espaciais e energéticas tendo em vista a segurança estratégica e a soberania nacional, com investimentos que garantam soluções autônomas. Enquanto o mundo ampliou os investimentos em defesa, o Brasil seguiu uma trajetória muito diferente, investindo 0,97% do PIB, ocupando a 21ª posição mundial. Entre 2023 e 2024, o país registrou uma queda de 0,4% nos gastos militares, em meio a contingenciamentos e limitações fiscais, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo. Além disso, cibersegurança deve ser tratada como prioridade nacional, olhando ainda para a evolução da automação e robótica avançada, considerando que o país registrou 356 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos somente em 2024, de acordo com dados da Confederação Nacional das Seguradoras.

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Exemplos concretos comprovam que o planejamento de longo prazo, aliado a uma visão estratégica, tem gerado resultados concretos. O Brasil já provou que é capaz de executar com competência esse exercício: o Proálcool posicionou o país como potência em biocombustíveis, e a Embrapa transformou a agricultura tropical elevando o país à condição de grande exportador de alimentos.

Agora, diante de mudanças em curso no cenário geopolítico, é preciso redimensionar as nossas capacidades para o mundo digital e eletrificado, com um viés militarizado e impactado pelas mudanças do clima.

O Brasil carrega ativos de peso como uma matriz energética limpa, forte base agrícola, reservas de minerais estratégicos e uma sociedade marcada pela criatividade. O desafio político é alinhá-los a uma agenda integrada. Não se trata de escolher entre defesa, energia, biotecnologia ou digitalização: trata-se de integrar esses eixos em políticas públicas sólidas, capazes de transformar recursos em prosperidade, reduzir desigualdades e assegurar autonomia em um mundo instável.