Chegou a hora de um novo Código Civil?

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Sim, chegou a hora de um novo código civil. E o motivo é simples: sempre está na hora de fazer códigos civis! Na verdade, desde que Bentham proclamou a ideia e, sobretudo, desde que Napoleão a converteu num caso de sucesso, não cessam tentativas de fazer e refazer códigos civis.

No Brasil, a Constituição de 1824 prometia a rápida elaboração de um código, o que só foi acontecer em 1916, já na República, depois de inúmeras iniciativas fracassadas.

A nossa segunda codificação, concluída em 2002, foi antecedida de duas tentativas frustradas, uma na década de 1940, outra na década de 1960.

De lá pra cá, o código sofreu centenas de alterações pontuais, e o Parlamento viu surgir outras tantas propostas, mas somente agora, em 2023, é que teve início a primeira iniciativa global e organizada de reformá-lo.

A verdade é que, desde que nos desligamos de Portugal, estivemos quase sempre às voltas com elaboração ou reforma de códigos civis. A questão, portanto, não é sobre o momento, mas sobre o modo de reformar.

E a iniciativa atual, que merece elogios, tem lá seus problemas, e é o que pretendo apontar, com o objetivo de permitir reflexão e aprimoramento.

A primeira crítica liga-se ao tamanho da Comissão de Juristas. Originalmente, foram nomeados 38 integrantes. Com a renúncia da professora Judith Martins-Costa, restaram 37. Nessa fase dos trabalhos, o número excessivo prejudica o diálogo e praticamente neutraliza a chance de um resultado coerente. É só pensar que, numa reunião, se cada integrante falar por apenas 10 minutos, serão necessárias 6 horas de trabalho.

A segunda crítica tem a ver com a composição da Comissão. Uma vez que são tantos os integrantes, esperava-se, entre outras coisas, melhor representatividade regional. Mas, dos 37, ao menos 12 tem sua atividade profissional sediada em São Paulo, incluindo ambos os relatores. Enquanto isso, a Região Norte não tem sequer um representante.

A terceira crítica tem a ver com a ausência de definição prévia das diretrizes da reforma. Da leitura dos documentos oficiais, em especial o Regulamento Interno da Comissão de Juristas, não é possível identificar quais são as linhas gerais que organizam o trabalho. Não parece existir definição sobre o que fazer com as leis especiais, se permanecerão lado a lado com o Código ou se haverá o esforço de reconduzi-las ao interior da codificação. Não se sabe se a reforma será profunda, a ponto de dar origem a um novo código, ou simplesmente pontual, de modo a livrar o diploma vigente de algumas imperfeições. E tudo se agrava com a adoção da ideia de repartir os trabalhos em oito subcomissões, cada uma com relator.

A quarta crítica se refere ao prazo assinalado para o trabalho da Comissão. Dos 180 dias concedidos pela presidência do Senado, já passamos da metade. De agora até 19 de fevereiro de 2024, que é o último dia, teremos os recessos de fim de ano e o Carnaval. É difícil imaginar que haverá tempo para um trabalho cuidadoso. E também foi curto o período para o envio de contribuições externas: 46 dias (com início em 19 de setembro e término em 3 de novembro de 2023). Nesse caso, como esperar que estudiosos e instituições se preparem para oferecer contribuições efetivas?

Com base nessas críticas, pensando em aproveitar o trabalho em curso, seria bom se as falhas na composição da Comissão fossem compensadas, no momento da tramitação parlamentar, com a escuta de especialistas com formação adequada, sem descuidar do equilíbrio de gênero e da justa representação das várias regiões do País.

O problema do prazo se resolve com a prorrogação.

Já o problema da falta de diretrizes de trabalho precisa ser corrigido imediatamente. Entre outras coisas, é preciso saber como tratar as leis especiais, e decidir entre um ajuste básico e uma reforma radical.

Pode ser que a iniciativa atual resulte numa reforma do código vigente ou mesmo em um novo código. Pode ser que não dê frutos tão visíveis. Mas é certo que as coisas não ficarão no mesmo lugar.

Os códigos civis são feitos nas comissões de juristas, sim. Mas também nos debates parlamentares, e no trabalho de advogados e juízes, e nas críticas da imprensa livre, e nas aulas dos professores, e nas pesquisas de mestrado e doutorado, e no dia a dia de todos os destinatários da norma.

Pois, como disse Portalis, um dos juristas que participou da codificação francesa, de 1804, “os códigos civis se fazem com o tempo; rigorosamente falando, ninguém os faz”.