A promessa de uma tributação mais simples e justa é um dos principais compromissos da atual reforma tributária. Dentre as novidades, o sistema de cashback visa devolver aos consumidores de baixa renda parte do imposto pago, mitigando, assim, o impacto regressivo que pesa sobre quem possui menor poder aquisitivo.
Porém, ao propor um modelo de devolução parcial e retroativo, com retorno de apenas 20% do imposto recolhido, o PLP 68/2024 faz surgir questões significativas sobre a efetividade e capacidade do cashback de alcançar os objetivos de justiça social e simplificação tributária visados pela EC 132/2023.
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O cashback aplicado de forma retroativa, por mais que busque aliviar a carga tributária, perde uma parte de sua eficácia ao não considerar o momento da compra, que é quando os consumidores mais vulneráveis necessitam do alívio imediato no preço.
Para as classes de menor renda, o custo dos produtos essenciais pesa de imediato e, ao postergar a devolução nos termos do PLP 68, o sistema reduz a intensidade do impacto que poderia gerar. Diferente do modelo de isenção, que elimina o tributo antes do ato de compra, o cashback retroativo exige um processo posterior para que o consumidor receba a compensação, colocando os mais necessitados na posição de aguardar um alívio que não se sabe como se dará a sua real operacionalização.
Por outro lado, a isenção traz à tona uma série de problemas ainda não resolvidos. Um exemplo é a definição de quais produtos se qualificam para a isenção, que frequentemente gera discussões acaloradas e disputas judiciais, especialmente em relação à classificação dos itens segundo o NCM.
Como a distinção entre produtos isentos e tributados nem sempre é clara e uniforme, surgem confusões e contestações quanto aos itens abarcados. Dessa forma, ao manter essa abordagem na reforma tributária para os produtos da cesta básica, corre-se o risco de perpetuar esses problemas, acentuando as complexidades já existentes.
Assim, o modelo híbrido proposto pela reforma, que integra cashback e isenção, introduz uma camada adicional de complexidade que pode comprometer o objetivo de simplificação. Operacionalmente, o governo enfrentará o desafio de gerir dois regimes, que se aplicam em momentos distintos (ex ante e ex post), além dos problemas já existentes em relação a isenções.
Isso não só exige uma fiscalização mais rigorosa, mas também demanda atenção para assegurar que os cálculos do cashback sejam aplicados corretamente e que as isenções sejam respeitadas. Essa dualidade pode elevar os custos administrativos e aumentar a margem para erros.
Além disso, a implementação do cashback levanta preocupações sobre as condições econômicas e sociais das classes de menor renda no país. Diante do limitado acesso às tecnologias bancárias e digitais entre os mais vulneráveis,[1] o cashback pode enfrentar desafios práticos significativos, especialmente se depender de plataformas digitais para processar as devoluções.
Para o consumidor de baixa renda, essas barreiras operacionais podem criar uma situação paradoxal: o sistema que visa aliviar sua carga tributária pode, na prática, aumentá-la através da dificultade de acesso a essa benécia.
Em última análise, o modelo de cashback pode contribuir para um sistema mais justo, mas o formato proposto pelo PLP 68, retroativo e com limitação de apenas 20%, levanta dúvidas acerca da concretização da proposta constitucional de devolução de imposto, cujo objetivo é mitigar a regressividade do sistema. Ainda, em vez de simplificar, a criação de dois regimes paralelos, isenção e cashback, parece perpetuar problemas antigos e introduzir novos desafios, podendo tornar o sistema tributário ainda mais complexo e, potencialmente, mais oneroso.
O PLP 68, ao introduzir um cashback parcial em vez de um modelo de devolução total e imediata, parece suscitar mais dúvidas do que soluções acerca da regressividade. O questionamento que fica é se a proposta do aludido projeto em paralelo às isenções atende ao ideal de simplicidade e equidade tão almejado pela reforma tributária, e se os mecanismos nele contidos realmente beneficiarão aqueles que mais precisam, diminuindo os efeitos da regressividade e atenunando a carga tributária à população de baixa renda na tributação do consumo.
[1] No Brasil 36 milhões de pessoas não têm acesso à internet segundo TIC Domicílios 2023. Acesso em: https://cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/indicadores/. Acesso: 25.10.2024.