Após a adesão de conselheiros à paralisação dos auditores fiscais, as sessões desta terça-feira (21/11) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) foram suspensas. O cancelamento consta na Portaria Carf/MF 1454, assinada pelo presidente do tribunal, Carlos Higino Ribeiro de Alencar. A justificativa é a falta de quórum, após julgadores aderirem à mobilização do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais (Sindifisco).
Estavam agendadas sessões virtuais da 3ª Turma da Câmara Superior, das turmas ordinárias da 1ª Seção e das turmas extraordinárias da 3ª Seção. As pautas, no entanto, estavam esvaziadas em comparação com outubro, quando foram julgados casos bilionários, como os da Vale (16682.721173/2013-04) e da Petrobras (16682.720429/2018-62).
Os auditores reivindicam a inclusão dos recursos para o pagamento do bônus de eficiência no Orçamento de 2024 e alterações no Decreto 11545/23, que regulamentou esse bônus. Segundo o Sindifisco Nacional, o texto traz entraves para o pagamento dos valores. A greve é por tempo indeterminado, mas, segundo informações obtidas pelo JOTA, o governo espera resolver a situação até o final deste mês.
A mobilização acontece em um momento em que o governo faz uma corrida pelo aumento de arrecadação para cumprir a meta fiscal. Entre propostas no Congresso Nacional, como o PL das Offshores e o projeto de tributação das apostas esportivas, o retorno dos julgamentos no Carf após o restabelecimento do voto de qualidade faz parte dessa estratégia. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), chegou a estimar perda de R$ 50 bilhões anuais sem o voto de qualidade.
A primeira consequência da greve, mesmo antes de seu início, foi o retorno das sessões virtuais de julgamento em novembro. Já com a expectativa da mobilização, os julgamentos foram agendados como virtuais após um mês de outubro marcado pelo retorno das sessões presenciais e, com elas, os processos bilionários. Em sessões virtuais, tanto a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), quanto os contribuintes têm a prerrogativa de retirar os processos de pauta se preferirem que sejam julgados presencialmente, conforme previsto na Portaria 3364/22.
Advogados procurados pelo JOTA afirmaram que receberam com grande preocupação a notícia da paralisação. Cassio Sztokfisz, sócio do escritório Schneider Pugliese, destacou que a expectativa para o fim deste ano era ter o Carf em pleno funcionamento, após um período de greves e pandemia.
“Na pandemia e com o desempate a favor do contribuinte, as pautas foram severamente esvaziadas. No ano passado houve greve também e as pautas ficaram suspensas em grande parte do ano”, apontou. “Agora com a resolução do imbróglio do voto de qualidade, todos estavam animados com a volta dos julgamentos em ritmo normal.”
Ana Paula Lui, sócia do Mattos Filho, afirmou que já havia uma expectativa de que os julgamentos de dezembro e janeiro fossem virtuais. A novidade foi a greve. “Enquanto não resolver a greve, a minha percepção é que não voltam [as sessões]. A gente fica meio na questão de indefinição”, disse.
O presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão, disse que houve uma reunião da categoria com o ministro Fernando Haddad no dia 4 de setembro, e que o ministro havia se comprometido a apresentar uma proposta em um prazo de 2 a 3 meses. Entretanto, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) não previu o cumprimento integral do Plano de Aplicação do Fundo Especial de Desenvolvimento Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf), que também trata do bônus.
“A paralisação na Receita Federal e no Carf faz parte do esforço dos auditores fiscais de alertar à sociedade e ao governo federal sobre a necessidade de reconstrução da Receita Federal”, disse.
Já o presidente da Unafisco, Mauro Silva, disse que a greve teria implicações “significativas para as metas fiscais e a arrecadação do governo”. Em nota, a entidade informou que está à disposição para um “diálogo construtivo”, e espera que o governo reavalie a situação, “compreendendo a relevância crítica de retomar as atividades plenas do Carf e da RFB”.
A Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf) soltou uma nota pública conjunta com a vice-presidente do órgão, conselheira Semíramis de Oliveira Duro, manifestando “apoio e solidariedade” aos auditores e à Unafisco. A nota ressalta a importância do trabalho dos auditores fiscais e reconhece a “imprescindível” atuação dos auditores como conselheiros no órgão.
Também na nota, há o destaque para uma preocupação com o comprometimento da realização dos julgamentos, “em que pese a legitimidade da paralisação anunciada”. Segundo o documento, a paralisação poderá ter como consequência um “impacto econômico negativo aos objetivos fiscais do governo federal, bem como aos contribuintes que aguardam pela solução de seus litígios administrativos”.
“Em razão do exposto, visando ao pleno funcionamento da Administração Tributária Federal e, em especial, do Tribunal Administrativo, confia-se na sensibilidade do Governo Federal para, com a necessária urgência, atender aos justos pleitos dos Auditores da Receita Federal do Brasil”, diz a nota.
Próximos passos
Com o início da greve na segunda-feira (20/11), esta terça-feira foi marcada pelo início dos atos dos auditores no país. O Sindifisco Nacional ainda fez um calendário de mobilizações que conta com uma reunião sobre a greve ainda nesta terça e atos públicos ao longo da semana.
Há uma expectativa de que, apesar de a Portaria 1454 ter suspendido apenas as sessões desta terça, os julgamentos do restante da semana não acontecerem também pela falta de quórum. Adicionalmente, se a mobilização continuar na semana que vem, que as sessões também sejam canceladas. Estão previstas para o período entre 28 e 30 de novembro sessões virtuais da 2ª Turma da Câmara Superior e das turmas ordinárias da 3ª Seção.
A movimentação da categoria já acontece há alguns meses e teve seu primeiro sinal no Carf no final de outubro. No dia 25 do mês passado, os conselheiros representantes da Fazenda entregaram ao presidente do Carf, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, uma carta anunciando que iriam aderir à paralisação da categoria. A carta tinha 101 assinaturas de auditores que atuam no órgão como conselheiros e especialistas. O impacto se materializou nesta terça-feira, com a publicação da Portaria suspendendo os julgamentos.