A decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que definiu de forma favorável aos contribuintes a discussão sobre a tributação das stock options pode demorar a surtir efeitos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Apesar de o tribunal ser obrigado a seguir precedentes tomados sob o rito dos recursos repetitivos, alguns conselheiros discordam da aplicação imediata desse entendimento, já que ainda cabem recursos no STJ. Há dúvidas também sobre como o julgamento influenciará processos relacionados à contribuição previdenciária no conselho administrativo.
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O Carf prevê a obrigatoriedade de vinculação à decisão apenas após o trânsito em julgado, nos tribunais superiores, do recurso julgado em repetitivo ou em repercussão geral. No contexto das stock options, uma manifestação elaborada pela assessoria jurídica do conselho recomendou a suspensão dos casos até que isso aconteça.
O documento, que não vincula os conselheiros, aponta para o artigo 100 do Regimento Interno do conselho, que determina o sobrestamento dos processos quando há acórdão de mérito ainda não transitado em julgado. A manifestação trata apenas do Imposto de Renda, tributo analisado pelo STJ no repetitivo, não se estendendo à contribuição previdenciária.
Em relação à contribuição, a discussão é mais ampla pelo fato de o tributo não estar contemplado na decisão do STJ. Isso, segundo especialistas, confere à sua aplicação caráter interpretativo.
O STJ decidiu que os planos de opção de compra de ações oferecidos a funcionários pelas empresas têm natureza mercantil, ou seja, não configuram remuneração. Dessa forma, a tributação das pessoas físicas ocorre no momento de venda das ações, aplicando-se as alíquotas do Imposto de Renda sobre ganho de capital, que variam de 15% a 22,5%.
No Carf, um dos debates se dá sobre a possível extensão do precedente às contribuições previdenciárias. A 1ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção, ao analisar alguns processos da empresa Localiza, negou por maioria de votos os recursos do contribuinte, mantendo a incidência da contribuição. Venceu o posicionamento de que o repetitivo do STJ não tratou do tema em análise e, por isso, não seria o caso de aplicar o artigo 100 do regimento interno. O julgamento aconteceu em outubro e abarcou os processos 13136.720375/2021-39, 13136.720376/2021-83, 15504.722890/2018-48, 15504.724714/2018-41.
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No mesmo mês, a 1ª Turma da 1ª Câmara da 2ª Seção suspendeu, após pedido de vista, processos também relacionados à contribuição previdenciária sobre stock options. Tratava-se de dois recursos da MRV Engenharia (15504.720794/2019-46 e 15504.721572/2019-41). O relator e presidente do colegiado, conselheiro Antonio Savio Nastureles, apontou que o Regimento Interno do Carf prevê a obrigação de reproduzir as decisões de mérito proferidas pelo STJ só quando essas já tiverem transitado em julgado (artigo 99). Assim, ele indicou que os processos deveriam retornar à discussão apenas quando houver a pacificação na Corte superior ou uma sinalização da administração do conselho. Estes processos estão pautados para terem as discussões retomadas nesta semana.
A expectativa entre os advogados é de que esses julgamentos sejam suspensos temporariamente até que haja o trânsito em julgado no STJ, ou mesmo que algum julgado seja colocado em pauta na Corte superior para tratar da matéria. Procuradores da Fazenda Nacional defendem que os processos sobre contribuição previdenciária sejam apreciados por tratar de matéria distinta da decidida pela Corte.
Jurisprudência desfavorável aos contribuintes
Ao longo dos anos, a jurisprudência do Carf foi consolidada de forma desfavorável aos contribuintes, tanto no que diz respeito às contribuições previdenciárias sobre os planos de stock options quanto ao Imposto de Renda.
Um levantamento dos tributaristas Júlia Dias e Thiago de Morais, do escritório Candido Martins Advogados, aponta para 27 acórdãos nos últimos cinco anos (janeiro de 2020 a setembro de 2024) relacionados à discussão. No que se refere ao Imposto de Renda, das oito decisões encontradas na pesquisa, a única favorável aos contribuintes foi proferida no contexto do desempate pró-contribuinte (art. 19-E da Lei 10.522/2002). Uma outra ainda chegou a considerar que o plano seria mercantil e que o contribuinte só teria um acréscimo patrimonial quando (e se) alienasse as ações com ganho de capital.
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Em relação à contribuição previdenciária, foram encontradas 19 decisões. Dessas, apenas duas foram favoráveis aos contribuintes, envolvendo a Gerdau e o Itaú. O entendimento foi de que o plano de stock options estaria configurado, pois havia onerosidade, uma vez que ocorreu efetivo pagamento na compra das ações. Assim, o pagamento teria sido feito de forma liberal e sujeita ao risco, já que o rendimento não decorre de uma “remuneração” paga pela empresa, mas do mercado acionário, o que significa que poderia haver ganho ou não quando da venda dessas ações.
De acordo com a análise do escritório, o Carf pode adotar, após a decisão do STJ, o entendimento de que, nos casos em que não há custo ou risco real para o beneficiário, não se configura um verdadeiro plano de opção de compra de ações. Dessa forma, pode-se argumentar pela inaplicabilidade do precedente do STJ em situações que envolvem, principalmente, contribuições previdenciárias.
Expectativas
Apesar de envolver o Imposto de Renda pago pela pessoa física, o julgamento do STJ é relevante para as empresas, pois são elas as responsáveis pelo Imposto de Renda Retido na Fonte. Assim, quando há uma autuação pela não tributação ou pela tributação à menor da parcela, as companhias podem estar sujeitas a multas.
Advogados especialistas na área entendem que apesar de a tese não discorrer de forma específica sobre a contribuição previdenciária, ela pode ser aplicada por extensão a esse tributo. Leandro Cabral, do Velloza Advogados, explica que sendo as stock options caracterizadas como de natureza mercantil, o programa fica isento de contribuição previdenciária, já que o tributo só incide sobre rendimentos com caráter remuneratório.
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O advogado Marcello Pedroso Pereira, sócio da área de Previdência Social do Demarest, destaca que a aplicação da natureza mercantil às stock options deve ser avaliada caso a caso, pois muito se confunde quanto ao conceito desses planos com relação a outras formas de bonificação. Ele explica que, no verdadeiro modelo de stock options, o empregado adquire o direito de comprar ações no futuro pelo valor atual, desde que cumpra certos requisitos de permanência e pague pelo preço acordado. Assim, para ele, não caracteriza remuneração, pois há risco para o empregado.
“Stock option nunca é dada pela empresa, por isso não é remuneração. Ela dá o direito de comprar a ação lá na frente com deságio, mas é uma possibilidade, não uma garantia, pois a ação pode estar valendo menos no futuro e, nesse caso, a pessoa não compraria. Isso é diferente de uma remuneração, que traz a certeza de ganho”, explica.
Divergências no Carf
Um dos casos com placar unânime desfavorável ao contribuinte foi julgado pela 2ª Turma da Câmara Superior em março de 2023. Nele, o colegiado entendeu que “havendo a caracterização de plano de compra de ações como remuneração indireta, deve-se considerar ocorrido o fato gerador das contribuições previdenciárias na data do exercício das opções pelo beneficiário, ou seja, quando o mesmo exerce o direito de compra em relação às ações que lhe foram outorgadas” (acórdão 9202-010.634).
Em outro processo, de novembro de 2018, a 2ª Turma entendeu que os planos de stock options da Natura Cosméticos S.A. demonstravam uma relação entre o benefício oferecido e a prestação de serviço pelo beneficiário. Venceu, por voto de qualidade, o posicionamento da conselheira Elaine Cristina Monteiro e Silva Vieira, que apontou que não havia risco e onerosidade para o prestador de serviço nas opções de compra de ações.
“Por um lado, a empresa oferece uma vantagem ao trabalhador; de outro, o beneficiário deve continuar vinculado à contratante, prestando serviços pelo lapso de tempo mínimo estabelecido, denominado de período de carência ou ‘vesting’, até adquirir o direito ao exercício das opções de compra das ações”, destaca o acórdão 9202-007.378.
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Já entre as decisões favoráveis ao contribuinte na mesma turma, estão dois recursos da Gerdau Aços Longos S.A. Por unanimidade, a turma concluiu que, nos planos de stock options da empresa, o rendimento não é oferecido e nem pago ou creditado pela empresa, mas sim pelo mercado acionário, em decorrência do aumento do valor da ação em razão de fatores mercantis, inclusive de fatores macro e microeconômicos que fogem completamente ao controle da companhia. O julgamento de ambos os processos ocorreu em novembro de 2022 (acórdãos 9202-010.510 e 9202-010.506 ).
O levantamento do Candido Martins Advogados destaca ainda uma decisão favorável ao contribuinte no contexto de desempate previsto no art.19-E da Lei 10.522/2002 – dispositivo revogado em 2023 e que estabelecia como critério de desempate o voto a favor do contribuinte. No caso em questão, de relatoria do conselheiro Gregório Rechmann Junior na 2ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção, tratava-se de IRPF em 2021. Prevaleceu o entendimento de que “para que se verificasse alguma desvirtuação na sua concepção original, a acusação fiscal teria que ter apresentado elementos contundentes de desvirtuamento do plano que afastassem a natureza mercantil do negócio firmado pelos participantes” (acórdão 2402-010.654).
Entre as decisões favoráveis ao contribuinte, o levantamento destaca ainda acórdãos que resultaram no cancelamento do auto de infração por erro do fisco com relação ao momento do fato gerador. São casos em que a Receita Federal entendeu que o ganho de capital ocorre na data do vencimento da carência (“vesting”), enquanto o Carf considera que o ganho só se concretiza quando o contribuinte exerce o direito de adquirir as ações. Ao todo, o escritório identificou 15 acórdãos finalizados dessa maneira, nos quais não chegou a ser analisado o mérito da discussão envolvendo planos de stock options.