Carf, 100 anos de história

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Avizinha-se o momento de comemorar os 100 anos de criação do Carf, enaltecendo esse órgão de julgamentos pelo quanto tem contribuído com a qualidade de suas decisões na solução dos litígios entre fisco e contribuintes.

Desde que foi instalado o primeiro Conselho de Contribuintes, em 14 de setembro de 1925, do Imposto de Renda, muitas transformações ocorreram até que, em 2009, foi instituído o Carf, com a reunião do 1º, do 2º e do 3º Conselhos de Contribuintes em um único órgão, composto por 3 Seções e pela Câmara Superior de Recursos Fiscais. Desde então, muitos episódios, mais ou menos impactantes, moldaram a significativa importância desse órgão para a sociedade brasileira e a comunidade jurídica.

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É mais do que justo reconhecer o quanto o Carf tem concorrido para estabelecer, em nossa sociedade, a legítima confiança em seus julgamentos sobre as controvérsias em matéria tributária, tanto mais necessária diante das inúmeras distorções do atual sistema. Suas decisões, sem margem para dúvidas, balizam e aprimoram a interpretação da legislação.

Mesmo que alterado e com os seus dias contados, é com o sistema inaugurado pela Constituição de 1988 que o Carf ainda irá exercer o seu mister, com ele lidando até 2027, quando serão extintas as contribuições para o PIS/Cofins e, a partir de 2033, quando for suprimido o IPI e definitivamente implementada a reforma constitucional recentemente aprovada pela Emenda 132, de 2023.

Entendo que o Carf atravessa um momento singular, que exige adaptação e reorganização, para atender aos anseios da sociedade que os novos tempos demandam e lidar com os desafios que surgirão com a extinção do PIS/Cofins e do IPI e a instituição da nova contribuição sobre bens e serviços (CBS).

Refiro-me ao fato de que permanecerá sob sua competência o julgamento de matérias atinentes ao IR, à CSLL e aos demais tributos federais, sendo-lhe agora acrescentada a competência para julgar questões referentes à CBS.

Reputo ser imprescindível que o Carf mantenha e fortaleça a sua autonomia como órgão julgador administrativo, ainda que deva interagir com os órgãos de administração do IBS e da CBS, sobretudo para que a harmonização das interpretações considere sua jurisprudência, valorizando-a em prol da segurança jurídica, previsibilidade dos negócios e da simplificação tão alardeada como sendo uma das singularidades que nortearam a reforma tributária.

Considere-se, neste sentido, que a apreciação das questões atinentes ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) será de competência de 27 tribunais administrativos estaduais e de 5.571 da esfera dos municípios, incluindo o Distrito Federal.

Como IBS e CBS guardam estrutura equivalente, umbilicalmente conexas, a infinidade de decisões a serem proferidas pelos tribunais estaduais e municipais certamente acarretará impactos imprevisíveis nas operações onerosas ou não, de bens e serviços sobre as quais incidirão. Parece evidente essa constatação, porquanto, ambos os tributos são como se fossem os braços e as pernas de um mesmo tronco que, a prevalecer a previsível disparidade de interpretações sobre as mesmas normas, não terá direção segura e presumível.

Por isso, entendo como primordial o diálogo institucional e formal do Carf com o Comitê Gestor do IBS. A própria legislação prevê a atuação conjunta do Comitê Gestor e a Receita Federal (arts. 58 e 122, LC 214/2025), a aprovação conjunta das disposições comuns a ambos os tributos (arts. 317 e 480), por fim, a harmonização de normas, das interpretações, das obrigações acessórias e dos procedimentos (art. 318).

Esse diálogo deve ser perseguido pelo Carf exatamente porque CBS e IBS compartilham hipóteses de incidência, fato gerador, local da operação, base de cálculo, sujeitos passivos, mas divergem em seus sujeitos ativos, impactados por diferentes contextos regionais — o que gerará uma profusão de interpretações díspares.

A variedade de posições influenciará diretamente a CBS e, de forma ainda mais expressiva, o IBS, com seus reflexos nos entes estaduais e municipais e a segurança jurídica. A legislação complementar já autoriza o uso, pela Receita Federal, dos fundamentos e provas utilizados por outros entes da federação em lançamentos de ofício, além do compartilhamento de informações sobre fiscalizações (art. 324).

A interação entre as autoridades fiscais das administrações tributárias da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios é essencial para garantir a mínima coerência e uniformidade na aplicação das regras, evitando a diversidade de interpretações conflitantes.

Não se propõe que haja uma única interpretação da legislação, tolhendo a competência dos entes federados, mas sim que se evite o excesso de posicionamentos diversos que leve ao caos e à ineficiência do novo sistema tributário. Daí a necessidade da articulação preconizada.

A legislação já prevê que o Comitê Gestor, a Receita Federal e a PGFN poderão implementar soluções integradas para a futura administração e a cobrança do IBS e da CBS (art.480, § 3º).

A articulação aqui sustentada deveria ser missão institucional do Carf com os órgãos gestores e com o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias, no sentido de fazer com que a sua jurisprudência contribua para a uniformidade das interpretações, compatibilizando condutas administrativas e de julgamento tanto da CBS quanto do IBS.