O mercado de hoje caminha, fala, respira e se alimenta da ideia das práticas ESG, ou seja, adequar o sistema corporativo como um todo às práticas que atentem à responsabilidade social, responsabilidade ambiental e que consolidem um sistema de governança robusto, transparente, responsável e ético.
Já de algum tempo que as empresas vêm substituindo o Estado na gestão de várias coisas, incluindo questões sociais e ambientais.
O Estado, falido estrutural e, no caso do Brasil, moralmente, há muito já não atende as necessidades de uma sociedade com população ampliada, necessidades emergentes e velozes e um meio ambiente sofrido.
Com isso as empresas passaram a assumir papéis de natureza pública, não mais e tão somente balizadas por sistemas de fiscalização e punição estatal, e, sim, por controle exercido pelo próprio mercado e por cidadãos mais informados e atentos.
As empresas passaram a ter um papel de relevância tal que suas práticas de gestão e governança não mais pertencem exclusivamente a seus controladores, os shareholders[1], mas sim a seus stakeholders[2].
Conceitos como Capitalismo Consciente[3], ou Capitalismo de Stakeholders[4] ditam que a boa empresa, aquela que detém ou deterá maior valor no mercado e, portanto, poderá gerar mais recursos aos detentores do seu capital, é aquela que, de modo equilibrado e integrado, sabe como se relacionar e também distribuir resultados a seus fornecedores, colaboradores e clientes, sem com isso afetar negativamente o meio ambiente e a comunidade onde instalada.
E na era da digitalização, em que as informações são transmitidas em frações de segundos, a conduta das empresas é espelhada instantaneamente nas redes sociais, positiva ou negativamente, afetando sua reputação.
Não por acaso Byung-Chul Han, filósofo coreano, afirma que a “transparência significa a política do se tornar visível do regime da informação. Quem só faz alusão à política pública da informação de uma instituição ou pessoa, ignora seu alcance. A transparência é a coação sistêmica do regime de informação. O imperativo da transparência é: tudo deve estar disponível na condição de informação. Transparência e informação têm o mesmo significado. A sociedade da informação é a sociedade da transparência. O imperativo da transparência faz com que as informações circulem livremente. Não são as pessoas que são realmente livres, mas as informações”.[5]
Nesse sentido, começamos a falar do elemento “relacional”. Saber se relacionar e manter equilíbrio, atender interesses e expectativas múltiplos e mútuos, colaborar, passa a ter um valor no mercado, e mais, passa a ser estratégia importante para mitigar e prevenir riscos.
Contudo, o relacionamento de uma empresa com seus stakeholders exige consciência, equilíbrio, transparência (ela novamente), flexibilidade, mas também método e métricas adequados.
Nessa toada, como é possível colocar na prática conceitos que parecem tão abstratos, retirando-os do campo aberto do discurso do politicamente correto e inserindo-os nas atividades empresariais?
Uma das opções mais palpáveis e eficazes é construir contratos relacionais, conscientes.
Em que pese todos os contratos guardarem em si, em uma certa medida, um aspecto relacional, os estudos que propuseram uma visão sociológica dos contratos surgiram nos anos 1960, através, principalmente, da Teoria Relacional dos Contratos apresentada por Ian Macneil[6].
O contrato é, em última análise, uma troca e, como tal, um dos comportamentos humanos mais recorrentes. A sociedade é a fonte primária do contrato, junto à especialização do trabalho e à troca, à livre escolha e à consciência do futuro. Logo, quando falamos do contrato relacional, devemos associá-lo à construção de uma relação, devendo o contrato ser o reflexo desta última, e não o contrário.
E quando falamos em contratos relacionais, devemos entendê-los como aqueles que projetam relações de longo prazo, cuja troca se estende para o futuro, gerando interdependência entre as partes e que deve levar em alta consideração todos os fatores que influenciam qualquer relação humana durável.
Contratos são símbolos de alguma relação. Portanto, planejar a relação antecipadamente, dando à mesma um trato consciente, transparente, equilibrado e sustentável, seguramente vai produzir contratos mais equilibrados e não unicamente transacionais, que historicamente privilegiam a cultura do capital e da punição.
Duas metodologias colaborativas inovadoras e que são eficazes na construção de suas relações são os Contratos Conscientes®[7] (usados, por exemplo, em relações societárias) e Vested®[8], metodologia concebida principalmente para relações de terceirização.
É importante a utilização de feedbacks ao concluir algum trabalho – o que não é muito comum na prática jurídica, mas que tem se revelado muito importante; obtive retornos muito interessantes dos clientes, o que resultou também em uma avaliação sobre os efeitos da aplicação das metodologias acima.
Nas palavras de alguns clientes, as relações de negócio construídas com as metodologias indicadas, geraram, entre outros efeitos, “responsabilidade direta das partes, reciprocidade, proteção, segurança, equidade, respeito, tranquilidade, inovação, otimismo, proximidade, simplicidade, compatibilidade, melhor comunicação, clareza, pertencimento, felicidade”.
A toda evidência, são efeitos que detêm natureza relacional e que, uma vez formalizados, vão agregar valor ao contrato, formando o seu capital relacional.
Logo, se o mercado privilegia hoje em dia a relação harmoniosa das empresas com os seus stakeholders – sócios, fornecedores, colaboradores, consumidores – é de relação que estamos falando. E manter e preservar estas relações, evitando impacto negativo em suas marcas, sua credibilidade social e ambiental e preservando sua participação ativa no mercado, exige investimento. E é de responsabilidade que também estamos falando.
Afinal, se a transparência é o fio condutor da sociedade digital, o capital relacional é, sem dúvida, um capital aberto, cujos cuidados adequados vão gerar impacto no patrimônio material e imaterial das empresas. Daí por que construir o capital relacional com as metodologias apropriadas, permitindo que esse impacto seja positivo.
[1] Shareholders – são aqueles que investem em uma empresa, sócios, acionistas, pessoas ou empresas que detêm parte do capital social.
[2] Stakeholders – são todos aqueles que possuem algum interesse direto ou indireto na empresa e sua continuidade enquanto organismo produtivo, por exemplo, investidores, fornecedores, colaboradores, consumidores, a sociedade, o Estado.
[3] Mackey, John & Raj Siodia, Capitalismo Consciente: como liberar o espírito heroico dos negócios, Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.
[4] Schwab, Klaus. Capitalismo stakeholder: uma economia global que trabalha para o progresso, as pessoas e o planeta (p. 323). Alta Books. Edição do Kindle.
[5] Han, Byung-Chul. Infocracia (p. 10). Editora Vozes. Edição do Kindle.
[6] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ian_Macneil
[7] https://consciouscontracts.com/user/anaetchaicloud-com/
[8] https://www.vestedway.com/