Canal de denúncias: herói ou vilão?

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Como se sabe, o compliance possui três pilares que o norteiam: prevenir, detectar e remediar. Não por acaso, o Decreto nº 11.129, de 2022, que regulamentou a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 2013), buscou enfatizar que o objetivo do programa de integridade é “prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira”, além de “fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional”.[1]

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O canal de denúncias é um requisito essencial do pilar “detectar” e tem se mostrado, na prática, um importante mecanismo de identificação de fraudes e irregularidades dentro das empresas.

Recentemente, esse mecanismo ganhou ainda mais notoriedade com a promulgação da Lei nº 14.457, de 2022, que, entre outras medidas, determinou a obrigatoriedade do canal de denúncias para organizações que possuem uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA). Apesar de voltada a situações específicas, a Lei reforça a importância do canal de denúncias, inclusive para detecção e combate ao assédio sexual e às demais formas de violência no ambiente corporativo.

Enquanto as políticas, procedimentos, controles internos e treinamentos possuem a função de prevenir eventuais desvios e irregularidades, o canal de denúncias exerce um papel importante, não apenas na prevenção de problemas — quando alguma questão é reportada antes uma irregularidade ocorra efetivamente, como também, especialmente, na detecção deles, quando a irregularidade ou desvio de conduta já aconteceu.

Tão importante quanto a prevenção, a detecção é o mecanismo que permite a identificação efetiva dos problemas e riscos a que uma empresa está sujeita. Sejam eles falhas procedimentais ou desvios éticos e comportamentais, podendo, em último caso, apontar para atos ilícitos como o assédio.

O canal de denúncias tende a apontar para as deficiências, procedimentais ou éticas, existentes em uma organização, funcionando como um importante balizador da estrutura de compliance organizacional.

A não detecção de um problema ou de um possível problema pode levar as empresas a riscos não apenas financeiros — nos termos da legislação aplicável, a depender das irregularidades cometidas, como a riscos reputacionais imensuráveis.

No entanto, a despeito de sua importância ser notória, na prática, sabe-se que é muito comum deparar-se com o esvaziamento dos canais de denúncias, em situações em que há poucas ou nenhuma denúncia recebida pelo canal das empresas.

Fato é que a simples existência de um canal de denúncias não garante a efetiva detecção de irregularidades. É muito comum em auditorias, no âmbito da avaliação das estruturas de compliance existente dentro das empresas avaliadas, deparar-se com canais de denúncias vazios ou com número baixo de denúncias[2]. Muitas vezes, o esvaziamento do canal de denúncias pode significar que a estrutura de compliance da empresa não é amplamente conhecida e difundida.

Em outras, pode significar também a falta de confiança em sua efetividade para a resolução do problema. Pior ainda, pode ser um sinal de que as pessoas não se sentem seguras em sua utilização, seja por receio em relação ao sigilo ou por medo de retaliação. Existem, portanto, diversas razões para esse tipo de situação, bem como possíveis medidas que podem ser adotadas pelas empresas para mitigar esses riscos.

De forma geral, é importante garantir a difusão e a ampla divulgação do canal de denúncias dentro da estrutura organizacional, bem como para clientes e terceiros com quem a empresa se relaciona. Para além disso, é essencial garantir o sigilo e a confidencialidade do canal, em relação ao denunciante ou ao denunciado, inclusive, durante a investigação, caso venha a ser instaurada.

Na mesma medida, o sigilo e a confidencialidade do canal devem ser amplamente divulgados, visando demonstrar a credibilidade da ferramenta para a detecção de desvios. O próprio decreto determina de forma categórica que a empresa deve adotar mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé[3].

Do mesmo modo, se faz necessário dar retorno ao denunciante sobre o andamento da investigação, desde que preservada sua identidade. Conforme mencionado, um dos fatores que fazem com que os denunciantes deixem de reportar algum evento, pode ser a ideia de que o canal de denúncias é ineficaz.

A depender da estrutura da empresa e do programa de compliance, a contratação de terceiros para recebimento e tratamento das denúncias pode ser uma medida eficaz para transmitir a imparcialidade e o sigilo no tratamento das denúncias.

Fato é que a ineficácia de um canal de denúncia demandará sempre uma análise aprofundada e holística da estrutura organizacional da empresa, bem como de seu programa de compliance, para identificação das causas e a definição da possível estratégia de remediação.

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[1] Decreto nº 11.129 de 11.7.2022: “Art. 56.  Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de I – prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira; e II – fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional”.

[2] Para a quantidade de denúncias recebida no canal ser considerada como baixa, dependerá, é claro, do tamanho da empresa e de sua estrutura, sujeita a uma avaliação caso a caso.

[3] Decreto nº 11.129 de 11/7/2022, Art. 57: Para fins do disposto no inciso VIII do caput do art. 7º da Lei nº 12.846, de 2013, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros […] X – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e mecanismos destinados ao tratamento das denúncias e à proteção de denunciantes de boa-fé”.