Câmara Superior aceita prova extemporânea com fundamento no contraditório

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A nulidade de decisões, sem sombra de dúvidas, é uma temática que gera inúmeras discussões no TIT e não é pacífica entre os julgadores.

O que confirma esse fato é o impecável estudo feito pelo grupo de pesquisa que faz parte do Repertório Analítico de Jurisprudência desse Tribunal, projeto de trabalho do Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (NEF/FGV), que analisou centenas de acórdãos que trataram desse tema, todos proferidos no âmbito do TIT e publicados em 2022.

A respeito da nulidade envolvendo a apresentação de prova extemporânea, o JOTA, na coluna Observatório do TIT, publicou um artigo abordando a possibilidade ou não de juntada de prova extemporânea na época em que o Brasil estava enfrentando a pandemia causada pelo coronavírus.

O presente artigo também abordará a apresentação de prova extemporânea, mas dentro do contexto do contraditório e da ampla defesa.

Pois bem. Em uma autuação envolvendo essa temática (AIIM 4074533-8), o contribuinte foi acusado de, dentre outras acusações, ter deixado de pagar o ICMS decorrente de operações de saída tributadas da mercadoria “álcool hidratado outros fins”, que foram omitidas ao Fisco Paulista (Item IV), e ter recebido mercadorias desacompanhadas de documentação fiscal (Item V).

Somente quando da interposição de Recurso Ordinário, o contribuinte demonstrou que adquire para revenda o “álcool hidratado outros fins” e o “álcool hidratado combustível”, os quais, na realidade, são a mesma mercadoria.

Também esclareceu que o que muda é a classificação contábil, pois o primeiro (“álcool hidratado outros fins”) se destina à venda para industrialização de algum produto (cosméticos ou produtos de limpeza, por exemplo) e o segundo (“álcool hidratado combustível”) se destina à venda direta para as distribuidoras de combustível para o abastecimento de veículos automotores.

Pontuou, ainda, que o que aconteceu, em verdade, foi que o produto “álcool hidratado outros fins” foi reclassificado para “álcool hidratado combustível” em função do destino dado a essa mercadoria e isso induziu a fiscalização a concluir que o estoque daquela mercadoria era igual a zero.

Ao julgar o Recurso Ordinário, a 6ª Câmara Julgadora o proveu.

O voto que prevaleceu foi o do ilustre juiz Rubens de Oliveira Neves (voto de vista), que foi acompanhado por três julgadores e considerou que é razoável que as demandas específicas do mercado, em determinados momentos, exijam a reclassificação de mercadorias.

No seu entendimento, é possível que uma demanda de “álcool hidratado combustível” seja superior ao que consta do estoque do contribuinte e é compreensível que esse remeta a referida mercadoria em quantidade que estava originalmente classificada como “álcool hidratado outros fins”.

Ou seja, o nobre julgador compreendeu que, ainda que se trate de uma irregularidade formal (reclassificação de mercadorias), o fisco pode averiguar a veracidade do que o contribuinte alega com a simples conferência dos estoques iniciais, entradas, saídas das mercadorias álcool hidratado “combustível” e “outros fins” para confirmar que não se trata de falta de pagamento do imposto ou recebimento de mercadorias sem notas fiscais.

A Fazenda Estadual recorreu à Câmara Superior buscando a nulidade da decisão supramencionada.

Para ela, a Câmara Julgadora não poderia ter aceitado argumentos e laudo técnico que somente foram apresentados com o Recurso Ordinário, já que a legislação que disciplina o contencioso administrativo no âmbito do Estado de São Paulo somente permite a aceitação de prova extemporânea se for comprovada a existência de força maior ou fato superveniente (artigo 19 da Lei 13.457/2009), o que não ocorreu no caso concreto.

Com a chegada do caso à Câmara Superior em razão de o Recurso Especial fazendário ter sido conhecido, o relator, ilustre juiz Paulo Schmidt Pimentel, entendeu que não há nulidade.

O nobre relator fundamentou que, como foi dada a oportunidade às autoridades fazendárias para se manifestarem sobre o laudo técnico após a conversão do julgamento em diligência especificadamente para esse fim, não houve prejuízo à Fazenda em razão de os princípios do contraditório e ampla defesa terem sido respeitados.

Também entendeu que a alegação de nulidade não procede porque, ao aceitar a prova extemporânea que comprova o que foi defendido pelo contribuinte, a decisão recorrida privilegiou os princípios da verdade material e eficiência ao aceitar prova extemporânea que comprova o que foi defendido pelo contribuinte.

Para o relator, apesar de o contribuinte não ter sido tão específico quanto à classificação contábil do produto álcool hidratado “outros fins” e “combustível” na ocasião da defesa administrativa, questionou o levantamento fiscal como um todo no momento que interpôs o Recurso Ordinário e trouxe provas que afastaram a presunção de legitimidade do ato administrativo.

Vale ressaltar que a ilustre juíza Maria Augusta Sanches, após ter pedido vista dos autos para analisar essa questão acerca da aceitação de prova extemporânea pela Câmara Julgadora Ordinária, acompanhou o relator. Ela enfatizou que a própria autoridade fazendária, após a juntada dos documentos pelo contribuinte, converteu o julgamento em diligência, ocasião em que teve a oportunidade de também se manifestar sobre tal documentação.

O ilustre juiz Edison Aurélio Corazza, que também pediu vista para analisar melhor a temática, votou no sentido de concordar com o posicionamento do relator.

Merece atenção o voto de preferência, proferido pelo ilustre juiz Carlos Americo Domeneghetti Badia, que abriu divergência ao acolher o pedido de nulidade da decisão recorrida, suscitado pela Fazenda Estadual.

A linha de raciocínio adotada pelo nobre julgador foi a de que a decisão recorrida aceitou a prova extemporânea, sem, contudo, abordar a exigência sobre a comprovação de força maior ou demonstração de ocorrência de fato superveniente.

O nobre julgador não negou que a legislação que disciplina o contencioso administrativo no âmbito do TIT (Lei 13.457/2009) assegura o contraditório (artigo 2º), mas ressaltou que é expressa no sentido de que as provas devem ser apresentadas no momento da defesa e a juntada posterior somente pode ocorrer em decorrência de força maior ou fato superveniente (artigo 19, caput e §1º).

No seu entendimento, o princípio do contraditório deve ser sopesado nas situações que envolvem a apresentação tardia de prova e a verdade material deve ser observada desde que seja respeitado o devido processo legal, o que não ocorreu no caso concreto em razão de o contribuinte ter apresentado prova extemporânea sem qualquer justificativa, o que implica a nulidade da decisão recorrida.

O placar foi de 9 a 7 a favor do contribuinte e o acórdão foi publicado em 29/11/2023.

Esse julgamento, que foi bastante acirrado em razão de seu resultado, confirma que a “nulidade de decisões por aceitarem provas extemporâneas” se trata de temática que não está pacificada no âmbito do TIT, em especial porque a composição dos julgadores desse Tribunal muda com o passar dos anos.

Autoria:

Danilo Andrade Bertagnoli de Figueiredo – Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT (NET FGV-SP). Graduado em Direito (Mackenzie). Especialista em Direito Tributário (FGV). Cursando MBA em Gestão Tributária (Fipecafi). Pesquisador do IBDT. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP, subseção de Pinheiros. Advogado.

Coordenação:

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