O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem maioria de votos para não homologar um despacho do presidente da própria autarquia, Gustavo Augusto Freitas de Lima, para que a instituição tome medidas para a “defesa institucional das competências” em relação à liminar do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu todos os processos sobre a Moratória da Soja.
No início do mês (5/11), o ministro Flávio Dino determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a legalidade da Moratória da Soja, incluindo processos administrativos analisados pelo Cade. A Moratória da Soja é um acordo privado entre empresas do setor para não comprar soja de fazendas de áreas desmatadas após 2008 na Amazônia, com o objetivo de eliminar o desmatamento na cadeia de produção de soja.
A decisão cautelar vale até o julgamento definitivo sobre o tema no STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.774. A liminar de Dino será apreciada pelos colegas no plenário virtual, que terá início nesta sexta-feira (14/11) e termina em 25 de novembro.
Após a liminar de Dino, Lima fez um despacho dizendo que o Cade deveria solicitar à Procuradoria Federal a “adoção de medidas processuais adequadas para a defesa institucional das competências” da autarquia. O presidente da entidade também deu uma entrevista criticando a atuação de Dino no caso, e afirmou que a decisão do ministro do STF iria “gerar mais insegurança jurídica”.
O desejo do presidente do Cade de recorrer da suspensão dos processos, no entanto, foi frustrado pelo voto de quatro conselheiros, que negaram o pedido de solicitar à Procuradoria Federal que “tome medidas de defesa da autarquia”.
Os votos contrários ao desejo do presidente do Cade de recorrer da decisão de Dino
No voto contra o despacho de Lima, o conselheiro Victor Oliveira Fernandes, além de apontar barreiras processuais para o pedido, afirmou que o respeito às decisões do Supremo é um “pilar estruturante do Estado Democrático de Direito” e que a decisão cautelar de Dino não constitui uma interferência nas competências do Cade.
“As entidade autárquicas, mesmo quando investidas de capacidades regulatórias específicas, inserem-se numa cadeia de legitimidade que tem na interpretação constitucional seu vértice normativo”, escreveu Fernandes, que foi o primeiro a votar.
“Dessa forma, a adequação às diretrizes fixadas pelo STF não implica esvaziamento funcional dos entes administrativos, mas demonstra maturidade institucional e compromisso com a estabilidade das relações jurídicas.”
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Fernandes afirmou que, na verdade, o Cade reforça sua própria credibilidade ao “alinhar-se aos parâmetros constitucionais definidos pelo órgão de cúpula do Judiciário”. Assim, disse ele, a entidade administrativa “assegura que suas decisões técnicas permaneçam em consonância com os valores fundamentais da República”.
O conselheiro José Levi Mello do Amaral Júnior também rejeitou homologar o despacho de Lima e afirmou que não compete ao presidente do Cade “solicitar, propor ou muito menos determinar como será ou deixará de ser a atuação da Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade”.
Mello também afirmou que resguardar o Cade é, no caso, alinhá-lo à decisão do STF. “Se o Advogado-Geral da União quiser subsídios do CADE, pedirá ao CADE. Da mesma forma, a qualquer tempo, o próprio Supremo Tribunal Federal, se for o caso, também pedirá ou requisitará o que bem entender ao CADE. E, diligentemente, o CADE responderá” afirmou.
Os conselheiros Diogo Thomson de Andrade e Camila Cabral Pires Alves também votaram por não contestar o STF e seguiram o posicionamento dos colegas.
Em novembro, a superintendência-geral do Cade abriu um inquérito administrativo contra 14 executivos e um líder de associação que integram o Grupo de Trabalho da Soja (GTS), entidade responsável por executar e fiscalizar o acordo entre produtores conhecido como Moratória da Soja.
Antes disso, em 18 de agosto, a Superintendência-Geral do Cade suspendeu preventivamente a Moratória da Soja e determinou a instauração de processo administrativo para apurar eventual prática de cartelização pelas tradings e demais signatárias do programa.
A decisão da SG do Cade sobre a Moratória da Soja teve a eficácia suspensa, pela maioria dos conselheiros do Cade, em 30 de setembro. Antes disso, a juíza Adverci Rates Mendes de Abreu da 20ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu, também já havia suspendido a decisão, em um mandado de segurança impetrado pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).