O Brasil voltou a ocupar a segunda posição no ranking global de arbitragem internacional, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. O dado foi divulgado durante o ICC Brazilian Arbitration Day 2025, evento realizado em São Paulo que reuniu especialistas, advogados e representantes da Câmara de Comércio Internacional (ICC) nesta quinta-feira (13/3).
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“Em 2023, tivemos que reportar uma queda, mas estou muito feliz em anunciar que houve uma importante recuperação em 2024. Tivemos 156 partes brasileiras, apenas 10 a menos do que os Estados Unidos, que histórica e consistentemente lideram esse ranking”, afirmou Ana Serra de Mourão, secretária-geral adjunta da ICC.
O Brasil ocupou, em 2023, a sexta posição no ranking global, a primeira vez que saiu do top 5 nos últimos quinze anos. Esse não foi um movimento esperado, diz Mourão, e os motivos para a retração ainda não são completamente claros, mas há algumas pistas. “O que vimos no Brasil em 2023 foi algo que já havia acontecido em escala global em 2022. Houve uma queda momentânea no número de partes e casos, e levamos algum tempo para entender se era um fenômeno isolado ou parte de uma tendência mais ampla”, afirma.
A instabilidade econômica também pode ter resultado na redução do uso da arbitragem. Empresas podem ter postergado disputas devido a incertezas no ambiente de negócios, buscando soluções alternativas antes de recorrer à arbitragem, segundo os painelistas. Além disso, a alta volatilidade cambial e a elevação das taxas de juros podem ter levado algumas companhias a evitar os custos envolvidos no procedimento arbitral, especialmente para disputas de menor porte.
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O envolvimento da administração pública na arbitragem também sofreu ajustes em 2023. O Tribunal de Contas da União (TCU) e outros órgãos passaram a examinar com mais rigor as cláusulas arbitrais em contratos públicos, o que pode ter impactado temporariamente o volume de novas arbitragens envolvendo estatais e entidades governamentais.
No entanto, essa questão vem sendo resolvida, segundo a procuradora-geral federal da AGU, Adriana Venturini. “O setor público é hoje um dos principais players na arbitragem brasileira. Em 2024, tivemos um aumento expressivo na participação da administração pública, mostrando que a confiança no sistema arbitral foi restaurada.”
A retomada brasileira é explicada pela consolidação do mercado de arbitragem no país, pelo engajamento da administração pública e pela confiança cada vez maior na eficiência dos procedimentos arbitrais. Segundo Mourão, a crescente diversidade geográfica das arbitragens no Brasil, com casos registrados em Curitiba, Belo Horizonte e outras capitais, além dos tradicionais centros de São Paulo e Rio de Janeiro, também contribuiu para a consolidação no ranking.
Futuro
Durante o evento, a ICC também anunciou um investimento em US$ 1 milhão em pesquisa para explorar o uso da IA na gestão de casos, seleção de árbitros e otimização de procedimentos. “Já sabemos que os árbitros começaram a usar ferramentas tecnológicas para enriquecer suas capacidades, e precisamos estabelecer diretrizes claras sobre o uso dessas tecnologias”, disse Alexander Fessas, secretário-geral da Corte Internacional de Arbitragem.
Além disso, a ICC estuda formas de utilizar IA para mapear perfis de árbitros e aprimorar o sistema de prevenção de conflitos de interesse. “Queremos explorar o potencial da IA para oferecer maior transparência e previsibilidade na nomeação de árbitros. No entanto, essa transição deve ser feita com cautela e dentro de um marco regulatório bem definido”, disse Fessas.
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Ele também afirmou que a experiência do Brasil tem sido estudada como modelo para expansão da arbitragem em outras regiões, como África e Ásia. “A ICC já implementou escritórios locais em Hong Kong, Singapura e Abu Dhabi, e estamos agora avaliando novos mercados para ampliar essa presença. O Brasil se tornou um caso de sucesso que pode ser replicado em outras jurisdições”, explicou. A ICC também anunciou a possibilidade de revisão de seus regulamentos, com estudos para aumentar o limite da regra de procedimento expeditivo, atualmente fixado em US$ 3 milhões, para um valor entre US$ 5 milhões e US$ 10 milhões.
Outro tema abordado foi o impacto das mudanças do cenário político internacional na arbitragem. A incerteza em relação à nova administração dos Estados Unidos, o recrudescimento da unilateralidade e a ascensão da Ásia como centro econômico global foram apontadas como fatores que podem redefinir o futuro da arbitragem internacional nos próximos anos. O novo panorama pode significar novos aspectos na escolha de cortes e línguas na arbitragem.
“As disputas comerciais tendem a se intensificar, e a arbitragem seguirá desempenhando um papel essencial na resolução desses conflitos. Nosso desafio é garantir que as instituições arbitrais estejam preparadas para essa nova realidade”, segundo Mourão.
Disputas societárias
A arbitragem tem se consolidado como o mecanismo preferido para a resolução de disputas societárias no Brasil, e esse uso foi tema de um dos painéis do evento. Segundo levantamento da professora Selma Lemes, os litígios envolvendo questões societárias são os mais recorrentes nas câmaras arbitrais brasileiras. Além disso, a legislação já consolidou a arbitragem como regra nos estatutos das companhias abertas, especialmente naquelas listadas nos níveis mais altos de governança corporativa da B3.
Nesse âmbito, a arbitragem coletiva aumentou sua relevância nos últimos 15 anos, segundo Nelson Eizirik, Founding Partner, Eizirik Advogados. No entanto, para ele, o Brasil enfrenta dificuldades na aplicação da teoria da “fraud on the market”, amplamente utilizada nos Estados Unidos para ações de classe. Segundo ele, essa doutrina presume que os preços das ações refletem todas as informações públicas da companhia, o que permite responsabilizar empresas por variações no valor dos papéis. “Mas isso não funciona no Brasil da mesma maneira que nos Estados Unidos”, diz.
Outro ponto de debate foi a responsabilidade de controladores e administradores por danos à companhia. Guilherme Nitschke, sócio do TozziniFreire, defendeu que muitas disputas societárias poderiam ser resolvidas com uma melhor aplicação das normas do Código Civil. “O estatuto social é um contrato plurilateral, e como qualquer contrato, deve ser interpretado à luz das regras de interpretação negocial do Código Civil. Muitas arbitragens e decisões judiciais falham ao ignorar essa base. Não se pode interpretar um estatuto social sem aplicar os artigos 112, 113 e 114 do Código Civil, que regulam a interpretação dos negócios jurídicos”, afirma.
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Como exemplo, há as ações movidas contra a União por acionistas da Petrobras, que foram alvo de debate no Superior Tribunal de Justiça (STJ) entre 2019 e 2021. Segundo ele, as decisões do STJ falharam ao interpretar de forma atomística as cláusulas compromissórias presentes no estatuto da empresa, ignorando princípios de interpretação negocial.
A questão da confidencialidade das arbitragens também foi um ponto sensível levantado em disputas societárias, e, para Marina Palma Copola, diretora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o mercado de capitais opera sob o princípio da transparência, o que pode entrar em conflito com a natureza sigilosa da arbitragem. Por exemplo, a Resolução CVM 80/2022, que obriga as empresas a divulgarem informações sobre litígios arbitrais que possam afetar a coletividade de acionistas. “O investidor precisa saber quais riscos está correndo. O sigilo absoluto das arbitragens pode prejudicar a eficiência do mercado”, afirmou Copola.
Entre os desafios para aplicação do instrumento nas disputas societárias, está o debate sobre a legitimidade de associações de investidores para representar acionistas em ações coletivas. Decisões recentes indicam que apenas a CVM e o Ministério Público teriam competência para propor ações coletivas no mercado de capitais, o que pode limitar o acesso dos investidores à arbitragem. Segundo Copola, a CVM ainda não possui estrutura para atuar de forma mais ativa em litígios coletivos, mas essa é uma discussão inevitável para o futuro do mercado brasileiro.