Brasil pode ser competitivo na relação nuclear com a França

  • Categoria do post:JOTA

O Brasil, que constantemente entra em atritos com a França na área do agronegócio por conta dos embates protecionistas que brecam o acordo União Europeia-Mercosul, e que sofre ao enfrentar Les Bleus (os azuis) em Copas do Mundo, pode começar 2024 firmando uma parceria com a terra de Victor Hugo e Moliére em um campo até pouco tempo atrás inimaginável: a energia nuclear.

Os franceses elevaram de 6 para 14 o total de novas usinas nucleares que planejam construir nos próximos anos, em uma projeção de investimentos na ordem de € 80 bilhões. A informação foi dada pela ministra francesa da Transição Energética, Agnès Pannier-Runacher. Outrora demonizada, a energia nuclear começa a ser vista como uma boa alternativa na linha da busca por fontes mais limpas e sustentáveis, já que tem capacidade de gerar mais energia com menor produção de resíduos do que as energias solar e eólica, por exemplo.

No caso francês, a energia nuclear funcionaria como alternativa às usinas a carvão. Paris quer reduzir o peso dos combustíveis fósseis no consumo de energia, hoje em mais de 60%, para 40% até 2035.

Para alimentar os reatores nucleares, é essencial o processamento e enriquecimento de urânio. O suprimento francês vinha, essencialmente, do Níger, localizado na África Ocidental e que abrange parte do sul do deserto do Saara e da faixa do Sahel. Mas o país entrou em convulsão política após o golpe de Estado que depôs o presidente Mohamed Bazoum em agosto passado.

E onde o Brasil entra nisso? Simples. Temos a quinta maior reserva de urânio do mundo e nenhuma restrição para exploração. Algo que, inclusive, poderá gerar muitos recursos para o país. Apresentei um projeto de reativação da indústria nuclear nacional em um roadshow que foi desde o presidente Lula ao presidente Emmanuel Macron, passando pela ministra Pannier-Runacher e encontros bilaterais durante o World Nuclear Exhibition e a COP 28.

Conversei também com o presidente do Banco Central e propusemos uma estratégia de securitização do urânio, que pode gerar US$ 7 bilhões para o país ao longo da próxima década. Quando estive com o presidente Roberto Campos Neto, o quilo do urânio era comercializado a US$ 170. Hoje, esse valor já aumentou para US$ 195.

Mas o Brasil pelo qual lutamos precisa ser competitivo não apenas na indústria extrativa e na exportação de commodities pura e simplesmente. Precisamos ser fortes na indústria de transformação. Estamos no seleto grupo dos dez países com tecnologia para enriquecer o urânio a 20%, o que pode ajudar na indústria nuclear nacional – a partir da conclusão das obras da Usina de Angra 3 –, além de abrir um potencial para virarmos grandes exportadores mundiais, suprindo as carências, por exemplo, decorrentes do golpe no Níger e da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Além disso, estamos diante de um mercado que gera empregos de alta qualidade, com bons salários. Temos sete universidades que conseguem formar engenheiros nucleares, mas que fornecem apenas 200 formandos por ano. Para se ter uma ideia, a Rússia forma 12 mil novos engenheiros todo ano, e a França forma 2.200. Ou seja, temos condições de empregar toda a mão de obra qualificada que sair dos bancos universitários nacionais.

Por fim, mas não menos importante, a indústria nuclear é essencial na área médica e na agricultura. Nossa medicina nuclear tem um quinto do potencial do Chile e um terço da capacidade argentina, nações com uma população muito menor do que a nossa. E no caso do agronegócio, abre-se o horizonte da irradiação de alimentos que permite o aumento em até três vezes do tempo de conservação para o arroz, trigo e feijão, por exemplo, o que gera um ganho de escala para o país.

Temos diante de nós uma avenida de possibilidades para aumentar nossa competitividade. Precisamos agir com responsabilidade, segurança e ousadia para aproveitar as chances que surgem nesse momento. Porque elas podem não surgir novamente.