O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou no Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e os principais aliados por tentativa de golpe de Estado no Brasil. Gonet concluiu que Bolsonaro planejou e atuou de forma direta e efetiva para impedir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice Geraldo Alckmin assumissem o poder em 2023. Entre os planos estava o plano de assassinar Lula, Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Leia a íntegra da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
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O grupo de 34 pessoas foi denunciado pelos crimes de organização criminosa armada tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado (art. 359-M do CP); dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art.163, parágrafo único, I, III e IV, do CP); deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998). A denúncia é baseada no relatório de mais de 880 páginas apresentado pela Polícia Federal em novembro de 2024.
“Os delitos descritos não são de ocorrência instantânea, mas se desenrolam em cadeia de acontecimentos, alguns com mais marcante visibilidade do que outros, sempre articulados ao mesmo objetivo – o de a organização, tendo à frente o então Presidente da República Jair Bolsonaro, não deixar o Poder, ou a ele retornar, pela força, ameaçada ou exercida, contrariando o resultado apurado da vontade popular nas urnas”, diz o PGR.
No núcleo de Bolsonaro, foram denunciados o general Braga Netto, candidato a vice na chapa do ex-presidente, em 2022; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier; Mauro César Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; o ex-ministro da defesa Paulo Sérgio e Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro.
Na denúncia, Gonet conclui que Bolsonaro engendrou uma tentativa de golpe de Estado e buscou apoio das Forças Armadas para isso. A apresentação da denúncia deixa ex-presidente Bolsonaro mais próximo do banco dos réus e o afasta ainda mais da possibilidade de concorrer nas eleições de 2026.
De acordo com Gonet, o episódio de 8 de janeiro de 2023 foi “fomentado e facilitado pela organização denunciada, que assim, por mais essa causa, deve ser responsabilizada por promover atos atentatórios à ordem democrática, com vistas a romper a ordem constitucional, impedir o funcionamento dos Poderes, em rebeldia contra o Estado de Direito Democrático. A violência cometida gerou prejuízos de larga monta, estimados em mais de 20 milhões de reais”.
No entanto, o entorno do ex-presidente tem dito que ele deve fazer o registro da candidatura no TSE e, após a impugnação pela Justiça eleitoral, passar para algum filho, que deve ser o vice. Esse cenário deve atrapalhar uma união da direita para 2026.
Braga Netto está preso desde dezembro de 2024, por ter alocado recursos para a tentativa do golpe de Estado e por tentar obstruir a investigação ao buscar obter informações da delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
Embora o relatório da Polícia Federal aponte para o indiciamento de 40 pessoas, o procurador-geral preferiu apresentar a denúncia por grupos, para evitar julgamentos extensos como ocorreu no caso do Mensalão. Segundo Gonet, esse primeiro grupo a ser denunciado é composto pelos líderes do movimento.
Equipe que trabalhou na denúncia
Para trabalhar nessa denúncia, o procurador-geral da República, Paulo Gonet contou com o apoio da equipe do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos (GCAA). O grupo foi criado ainda na gestão do ex-PGR Augusto Aras para cuidar dos processos envolvendo os ataques golpistas de 8 de janeiro. No entanto, desde que Gonet assumiu, o grupo passou por transformações expressivas, a começar pela liderança – o atual coordenador é Joaquim Cabral da Costa Neto, que substituiu Carlos Frederico Santos, indicado por Aras.
Costa Neto é um nome de confiança para Gonet, tanto que é o chefe de gabinete substituto de Gonet. O seu perfil é discreto e técnico, com poucas aparições públicas e declarações à imprensa. Ele imprimiu essa marca na escolha dos demais componentes do GCAA.
Desde outubro de 2025, a equipe do GCAA conta com 13 procuradores, incluindo o coordenador Costa Neto e o chefe de gabinete de Gonet, Carlos Fernando Mazzoco – homens muito próximos a Gonet. Antes eram 10 procuradores. O grupo tem origem em diversos estados brasileiros, como São Paulo, Amazonas, Goiás, Pernambuco, Pará e Mato Grosso.
Além de Costa Neto e Mazzoco, o grupo é composto por Adriana Scordamaglia Fernandes; Carime Medrado Ribeiro; Catarina Sales Mendes de Carvalho; Cecília Vieira de Melo Sá Leitão; Daniel José Mesquita Monteiro Dias; Gabriela Starling Jorge Vieira de Mello; José Guilherme de Oliveira Mendes; Lígia Cireno Teobaldo; Leandro Musa de Almeida; Pablo Luz de Beltrand e Rafael Paula Parreira Costa.
Os integrantes do grupo são considerados “tecnicamente cuidadosos”. O grupo escolhido por Gonet tem um perfil garantista, por isso, na denúncia não trouxe interpretações “elásticas” ao Direito Penal e veio sintética e sem inovações processuais.
Os próximos passos do processo de Bolsonaro
Após a apresentação da denúncia feita pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar se transforma a denúncia em ação penal.
Em um primeiro momento, o relator, ministro Alexandre de Moraes, deve enviar à 1ª Turma, composta por 5 ministros, a denúncia para apreciação do colegiado. Caberá aos ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux decidir se o ex-presidente passa de indiciado para réu. A tendência é a de que a denúncia seja aceita.
Com a ação penal aberta, o julgamento deve ser conduzido também pela 1ª Turma. Nessa fase, testemunhas e as defesas são ouvidas para que os ministros cheguem a uma decisão final. Mesmo se houver condenação, Bolsonaro não deve ser preso de imediato, visto que existem recursos a serem ajuizados. A prisão só deve ocorrer de forma imediata se ele apresentar algum risco ao cumprimento da pena, como tentativa de fuga ou coagir testemunhas, por exemplo.
O julgamento ocorrerá na 1ª Turma porque, de acordo com o atual regimento do STF, as matérias penais são de competência das turmas. O relator pode pedir para levar para plenário com os 11 ministros, no entanto, essa não é a opção de Moraes. A leitura dos interlocutores próximos ao ministro é a de que, uma vez no plenário, o julgamento poderia demorar mais por eventuais pedidos de vista, principalmente dos ministros indicados por Bolsonaro, como André Mendonça e Nunes Marques. Assim, o processo poderia chegar em 2026, ano eleitoral, sem ter sido julgado.