Benito Di Paula deverá indenizar um médico e uma clínica por post nas redes

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O juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo, da 31ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, condenou o músico Benito Di Paula a indenizar por danos morais um médico e uma clínica oftalmológica após publicação de vídeo ofendendo-os nas redes sociais. O juiz fixou a pena em R$ 10 mil para cada uma das vítimas das ofensas de Di Paula.

Na sentença, Camargo pontuou que o músico, ao demonstrar insatisfação com o comportamento do médico, extrapolou, injustificadamente, os limites da razoabilidade e proporcionalidade da livre manifestação do pensamento e expressão. O juiz explica, ainda, que o ”injustificadamente” se dá porque a condição de idoso do artista, que tem atualmente 82 anos, não exclui a ilicitude do ato e a responsabilidade civil consequente.

Camargo destacou que, no caso dos autos, as provas coletadas, sobretudo o vídeo gravado, postado e divulgado por Benito Di Paula, retratam a gravidade das ofensas dirigidas por ele à honra do médico que o atendeu e também da clínica, o que reforça a demonstração da conduta ilícita.

Além disso, ele apontou que em tempos de popularização das redes sociais percebe-se uma supervalorização do direito à livre manifestação, como amplamente veiculado nos meios de comunicação. ”Contudo, tal direito não é absoluto e não raro colide com outros princípios constitucionais, como a inviolabilidade da honra e da imagem da pessoa”, declarou.

Entenda o caso concreto

O médico e a clínica oftalmológica em que ele trabalha ajuizaram uma ação de reparação de danos morais, alegando que Di Paula compareceu na clínica e requereu ao médico oftalmologista uma indicação para cirurgia de catarata.

Após a análise do caso, o especialista informou-o que, por se tratar de paciente com alguns problemas oculares indicados no mapeamento de retina, se fazia necessária uma avaliação prévia do setor de retina da clínica. Assim, o médico narra que após os exames de mapeamento e UTC no setor de retina, foi indicado a Di Paula um tratamento com aplicação de 3 injeções de antiangiogênico no olho esquerdo.

Porém, menciona que o músico não quis se submeter ao tratamento completo, fazendo apenas uma única aplicação. Em um retorno com o médico para verificar sobre a possibilidade de cirurgia de catarata no olho direito, que de acordo com os exames estava mais apropriado ao procedimento cirúrgico naquele momento, o especialista voltou a explicá-lo sobre os riscos e benefícios da cirurgia, assim como está previsto na Recomendação CFM 1/2016.

No entanto, ao ser informado sobre a possibilidade de complicações no olho tanto intraoperatórias como pós-operatórias, podendo ser leves (como inflamação) ou até mesmo graves (como infecção e até a perda da visão), Di Paula imediatamente passou a levantar suspeitas quanto à qualidade dos serviços prestados na clínica oftalmológica, dizendo que a única hipótese de ter uma infecção seria pela falta de assepsia do médico e/ou contaminação dos materiais de operação por falta de higiene.

O médico relatou que assim que Di Paula saiu do local e se dirigiu ao estacionamento, ele gravou um vídeo ”agressivo” e ”extremamente grosseiro”, com falsa alegações quanto à sua conduta, ofendendo a honra objetiva da clínica e também dele próprio enquanto profissional de saúde e o divulgou em suas redes sociais, que por ser figura pública (músico, cantor e compositor), contou com milhares de visualizações e centenas de comentários.

Em vista das alegações feitas por Di Paula, o profissional de saúde dirigiu-se ao 5° Distrito Policial (DP) e registrou boletim de ocorrência pelos crimes de injúria e difamação. O especialista também alegou que os efeitos da publicação do músico chegaram a níveis ainda mais alarmantes, pois, não bastando a postagem nas redes sociais, o vídeo vinha sendo divulgado em outras páginas com inúmeros seguidores e visualizações.

Di Paula apresentou contestação à ação, sustentando ser um senhor octogenário, atingido rudemente pela ”agreste passagem dos anos, corroído em sua audição em intensidade importante, afetado em sua segurança pessoal pela turbação da visão, já imperfeita e prejudicada pela catarata e ser alguém cuja tragédia pessoal da perda de um filho há pouco tempo, o tornou mais ansioso e depressivo”.

O cantor ainda pontuou que os fatos ocorreram em meio à pandemia provocada pela disseminação do Covid-19, em si mesma ocasionadora de um ”nível de insegurança pessoal e de múltiplos temores, notadamente para os idosos, então componentes do grupo de risco por excelência segundo as opiniões médicas da época, fator capaz de desestabilizar as emoções dos mais equilibrados”.

‘Liberdade de manifestação’

No vídeo gravado e publicado em suas redes sociais, Di Paula disparou as seguintes expressões: “Eu tô pagando a Amil para a Amil me mandar para essa merda aqui, para esse lixo aqui”;

“A Amil é responsável por esta merda”; “Devia ter gravado o tratamento que este médico me deu. Porra! Que Negócio é esse? Que direito é esse que ele tem de médico, que juramento é este que ele fez da medicina”; e

“Nós tamo numa merda, numa merda filha da puta, temos que aturar esses canalhas, temos que aturar esses canalhas, bando de canalha é o que eu tenho que aturar para não falar outro palavrão para vocês”.

Em razão das expressões utilizadas, o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo observou que o cantor utilizou expressões injuriosas contra o médico e a clínica e deixou de narrar com mais detalhes os fatos ocorridos, a evidenciar que buscou, tão somente, inflamar seus seguidores contra os requerentes, agindo com manifesto excesso do direito à liberdade de manifestação.

”Havia discordância sobre os riscos da realização da cirurgia de catarata e as postagens irônicas do autor, fruto da dissidência de opinião, não autorizaram o requerido a extrapolar a razoabilidade, irrogando ofensa tão depreciativa ao outro. Há evidente desproporcionalidade entre as condutas”, analisou Camargo.

Para o juiz, há nos dias de hoje muita intolerância entre aqueles que possuem opiniões contrárias, de matizes ideológicos diversos, ou até mesmo a ideia de que a livre manifestação do pensamento constitui direito constitucional ilimitado, sobretudo em tempos de amplo acesso às mídias sociais.

Segundo Camargo, cumpre salientar que a pessoa jurídica também pode sofrer dano moral quando sua honra objetiva for atingida. ”A indenização é devida como forma de compensação pelo dano causado à sua imagem, admiração, respeito e credibilidade no tráfego comercial, de forma a atenuar o abalo à sua reputação perante a terceiros”, pontuou. Assim, ressaltou que a indenização não é meio de enriquecimento, mas de reparação de danos.

Camargo frisou, ainda, que quanto ao pedido do médico e da clínica para que Di Paula se abstivesse de efetuar novas postagens ou manifestação contra os autores da ação sobre os fatos tratados, este não poderia ser acolhido, pois caracterizaria censura prévia, o que é vedado pela Constituição Federal.

O JOTA tentou, sem sucesso, entrar em contato com o músico Benito di Paula e sua defesa. O espaço permanece em aberto. O processo tramita com o número 1032872-13.2021.8.26.0100 no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).