Bem-vindos à Holanda (ou seria à gestão?)

  • Categoria do post:JOTA

Recentemente, li um livro[1] em que a autora, uma terapeuta, debatia, dentre outras coisas, como lidar com a frustração de uma expectativa não confirmada. Por isso citava uma passagem, quase uma parábola, que intitulava o capítulo “Bem-vindo à Holanda”. Nessa passagem, ela contava a frustração de alguém que após planejar por longo tempo uma primeira viagem à Itália, sonhando com cada cidade especial que iria conhecer, com todas as suas particularidades, quando pousava de seu voo, ouve o seguinte anúncio do comandante do avião: “Bem-vindos à Holanda!”.

O primeiro momento foi de um mix de desespero, após verificar que além de pousar em lugar não planejado, não teria como se redirecionar à Itália, com a frustração de ver que tudo aquilo com que sonhara não era a realidade que teria de enfrentar. Teria de permanecer, metaforicamente, pelo mesmo período, na Holanda. Este conjunto de sentimentos trouxe uma perspectiva quase que obviamente negativa para a permanência na Holanda. O desenvolvimento da estória é, também, fácil de imaginar. Embora completamente diferente, a Holanda tem muitos encantos. Não existe definição, pois é uma questão pessoal, se melhor ou pior do que a experiência na Itália. Mas potencialmente tão encantadora quanto.

Deste ponto em diante busco traçar um paralelo ao (novo, principalmente) gestor de Tax. Aliás, ressaltando que nos tempos de reforma tributária, automatização e inteligência artificial, todos seremos novos gestores, à despeito do “tempo de estrada” que cada um já contabiliza. A reinvenção do cenário tributário no Brasil é o maior desafio (e a maior oportunidade) que visualizo em meus mais de 30 anos de carreira no campo financeiro e tributário especificamente. Uma brincadeira recente que circula entre tantos grupos de debates é a criação de um projeto: Abrace um tributarista! Se você tem um amigo tributarista e encontrar ele na rua, abrace-o sem perguntar nada. Ele vai estar precisando! Tempos difíceis, mas muito, muito promissores.

De uma forma geral, dizem que a gestão é um lugar solitário. Principalmente a gestão do Middle Management. Até um determinado dia somos parte do staff. A responsabilidade técnica e de execução é grande, na maioria das vezes, principalmente para os denominados “especialistas”, cada empresa com sua nomenclatura. O último step antes da cadeira de gestão. Porém, normalmente, o escopo é focado e determinado, mesmo nas áreas onde a prevalência não é de rotina operacional – consultoria interna, por exemplo.

A partir do dia em que o gestor recebe a carta de promoção, viramos “eles”. Eles que são os que “por vezes não entendem bem como é a dura tarefa das execuções”; Eles que “não conseguem reconhecer tão bem o trabalho de cada um”; No lugar deles, que o staff “faria diferente e a coisa toda funcionaria muito melhor”. Mas caramba, eu estava querendo tanto essa viagem para o “reino da Gestão (Itália)!”. Como vim parar neste mundo de questionamentos e de pressões da alta administração que eu sequer sabia que existia (Holanda)?”

Calma… a Holanda também tem muitos encantos. Nessa “Holanda” é que podemos ter a visão mais completa do planejamento da companhia. Podemos ter um desenvolvimento exponencial, dedicando tempo ao exercício que deve ser diário de ouvir nossos clientes internos, entendendo suas operações e, principalmente, suas dores. Neste “país” é que vamos descobrir, e aqui pretendo dar o foco deste texto, a complexidade e a beleza da individualidade do ser humano. Como cada colaborador de nosso time é único e potencialmente especial em vários sentidos. E conhecendo essa especialidade é que podemos fazer a sua melhor alocação e extrair o melhor resultado de sua performance, ao mesmo tempo em que mantemos o seu brilho no olho por um trabalho motivador, mas desafiador na medida certa ao mesmo tempo.

Um balanço dos mais difíceis de realizar é o do limite de autonomia à equipe. Para cada item aqui mencionado, existe uma bibliografia muito extensa e que tem tantos títulos envolvidos: Liderar sem sufocar; Liderança participativa; Líder e não “Chefe”. Porém, a demanda por resultados é real. E o planejamento, por melhor que seja feito, se baseia em pessoas. Esse ponto, sim, fundamental, inquestionável e inegociável.

Livros sobre gestão são infinitos e eu não ousaria aqui elencar teorias inovadoras à tudo o que já existe. Porém, um dia um colaborador de meu time, que gentilmente me perguntou, por me citar como exemplo, qual seria a qualidade mais importante do gestor me deixou pensativo na resposta. Pedi algum tempo para responder. E após refletir um pouco, buscando o que seria a resposta mais “simples” para a pergunta, normalmente as melhores e mais assertivas, concluí: o mais importante é termos interesse genuíno no trabalho que desenvolvemos e, principalmente, nas pessoas que lideramos e com as quais convivemos profissionalmente.

O termo “interesse” sempre me chamou atenção. Regularmente utilizado de forma corrompida, o termo derivou para “interesseiro”, como aquela pessoa que tem objetivos secundários, porque não dizer escusos, em relação a outrem. Que se aproxima sem o objetivo de agregar, mas para subtrair algo ou, no mínimo, se aproveitar de alguma situação. Porém, eu prefiro, no exercício de olhar o “copo meio cheio” derivar para o termo “interessante”. Para mim, sinônimo de cativante, atraente, admirável.

E o interesse genuíno por pessoas faz com que a doação se dê, não somente na gestão profissional de pessoas, mas em qualquer forma de relacionamento, na maneira mais suave e verdadeira de se criar laços. Laços profissionais e, indiretamente, afetivos. Muitos falam que “Trabalho não é lugar para se ter amigos, basta ter respeito pelas pessoas e ponto”. Para mim, com a máximo respeito pela discordância pois sei que nem todos tem o mesmo sentimento ou reciprocidade, podemos ter bons companheiros de trabalho que, eventualmente, se transformarão em amigos de verdade. E isso não pede esforço. Pede interesse genuíno nas pessoas – empatia. No bem-estar do próximo, do coletivo. Do seu colega de trabalho, do par de outra área, de seu liderado e mesmo de seu líder – como citado, a gestão é solitária e vai se tornando mais solitária conforme vamos subindo os degraus da hierarquia.

Voltando à Holanda, gerir pessoas é um dos principais desafios nessa assustadora terra da nova gestão. Como conseguir acessar a motivação, o melhor desempenho, os melhores skills de cada um? Conhecendo, ouvindo, se interessando. Sendo interessante como pessoa e como exemplo. Sendo parte de um grupo como alguém que agrega, que dá prazer ao grupo quando está presente.

O prazer que temos quando recebemos um agradecimento sincero, a melhor recompensa por um interesse genuíno, é enorme. Quando vemos que as nossas ações de liderança, que quando são genuínas não se traduzem em esforço, auxiliam alguém ou a um grupo. Quando auxiliamos as pessoas à crescer, se desenvolver, e a se tornarem profissionais cada vez mais completos e, principalmente, pessoas felizes, atingimos o nirvana da doação.

Mas e a pressão? E a responsabilidade? Não sabíamos que era tão difícil ser gestores – bons gestores são excelentes peneiras de tanta coisa!  Resultados, metas, desafios constantes. Podem, sim, se tornar um tormento. Muitos não se adaptam, e não existe mal algum nessa escolha, e preferem uma carreira para o outro lado do Y.

As áreas de negócios, via de regra, goleiam as áreas de suporte na comemoração dos resultados. Pode ser através da badalada de um sino por um negócio concretizado ou mesmo com uma mera fita colorida ou uma foto para o “funcionário do mês”. Áreas de suporte, principalmente, deveriam celebrar mais.   Esta parte da Holanda também traz muitas recompensas. E não vou falar aqui de recompensas financeiras. Cada indivíduo tem sua necessidade e cada um o seu gatilho para o atingimento da satisfação financeira. Porém, o reconhecimento e a celebração são fundamentais e, mais uma vez, o gestor tem papel fundamental neste quesito. E se for um excelente “festeiro” dará ainda mais brilho à esta parte da “Holanda”.

Ao fim: é claro que por mais que possa ser um paraíso, a Holanda tem também algumas dificuldades. Mas qual lugar não tem? A Itália? Belíssima, cativante, tão desejada. Mas tem um trânsito em algumas cidades… nada é perfeito (ok, a Itália é quase perfeita…). Mas tem um ponto que é importante: temos de aprender a curtir o nosso destino. A conviver com o que existe de difícil e a celebrar o que existe de bom. E no mundo da gestão, principalmente dos novos, temos tantas oportunidades.

Oportunidades de fazer diferente, de inovar, de simplesmente ser. Alguns nascem com o dom da liderança mais arraigado que outros; alguns nascem com o dom do relacionamento mais desenvolvido. Porém, qualquer um de nós pode exercitar, dia a dia, o interesse pelo próximo. Será recompensador e fará de cada gestor uma parte especial, para suas empresas, para seus times e, para si mesmo. Novos ou mais experientes, seja de que área for. Se interesse e seja, praticamente automaticamente, interessante!

[1] Talvez você deva conversar com alguém: uma terapeuta, o terapeuta dela e a vida de todos nós. Lori Gottlieb. São Paulo: Vestígio, 2020.