Sem surpresas, a decisão do Comitê de Política Monetária de cortar a taxa Selic em 0,5 ponto percentual veio acoplada a uma sinalização de que esse ritmo continuará por mais reuniões. O recado do Copom ganha maior importância nesta semana em que o governo já ensaiou um aumento de pressão por queda mais acelerada da Selic, agora em 11,75% ao ano e ainda o segundo maior nível em termos reais (descontada a inflação) do mundo.
E ajuda a dar corpo a um debate que promete crescer nos próximos meses: qual o orçamento total de redução dos juros. Sem dizer isso, o ritmo atual de cortes e a sinalização de que vai continuar assim parece mostrar uma preferência pela tese de “devagar se chega mais longe”. Ressalte-se, a diretoria colegiada do BC tem votado unanimemente nas últimas reuniões, incluindo os integrantes já nomeados pelo governo Lula, Gabriel Galípolo e Ailton Aquino.
O comunicado divulgado nesta quarta-feira (13), assim como o anterior, condiciona o orçamento total de cortes a uma série de fatores. “O Comitê enfatiza que a magnitude total do ciclo de flexibilização ao longo do tempo dependerá da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular daquelas de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”, diz o texto.
Estudo especial do BNDES divulgado nesta semana, antes da reunião encerrada nesta quarta-feira, ajuda a pensar sobre o assunto. O texto lembra que o ciclo de alta da Selic promovido pelo time de Roberto Campos Neto foi o mais forte da história do regime de metas (a Selic pulou de 2% na pandemia para 13,75% ao ano em 2022) e tenta apontar os diferentes cenários para a taxa terminal dos juros nesse ciclo de afrouxamento.
Em um cenário de referência no qual as expectativas de inflação quatro trimestres à frente estivessem alinhadas à meta de 3%, estabelecida para os próximos anos, a Selic deveria chegar a 8% ao ano, no fim desse ciclo. Essa seria, segundo o documento, “a taxa de juros nominal de equilíbrio – dada pela soma entre a taxa de juros real de equilíbrio (4,5%) e a expectativa de inflação de longo prazo (3,5%)”.
Mas esse não é o cenário que tem sido visto nas expectativas coletadas no setor financeiro. O mercado projeta inflação acima da meta no horizonte relevante da política monetária. Nesse caso, é natural supor que a Selic fique acima do nível de equilíbrio.
“A distância entre a Selic e seu valor de equilíbrio (o hiato de juros) é proporcional ao desvio da inflação da meta e será maior para valores mais elevados do parâmetro de reação da autoridade monetária. Ou seja, para determinado desvio da expectativa de inflação da meta, o hiato de juros praticado pelo Banco Central será maior conforme a autoridade monetária for mais avessa à inflação – o que é capturado por valores mais elevados do parâmetro de reação da autoridade monetária à expectativa de inflação”, diz o texto do BNDES.
Em outras palavras, os juros finais serão maiores quanto maior a distância das projeções em relação à meta e quanto o BC vai tolerar tais desvios. Considerando expectativas de inflação de 3,9% como teto e 3,5% como piso e usando o modelo do BC como referência de trabalho, o estudo traz alguns cenários.
“O exercício mostra que valores de referência para a Selic terminal se situam próximos ao intervalo de 8,75% a 10%. Esse intervalo racionaliza as percepções ‘otimistas’ e ‘pessimistas’ em relação à Selic terminal do ciclo atual de afrouxamento monetário e ao ‘orçamento para a redução de juros’, que observamos atualmente no debate público e nas projeções de mercado”, diz o texto, explicando que nos casos em que se está mais otimista com a convergência da inflação e para as metas a taxa de juros terminal é menor e vice-versa.
“Agentes que consideram o espaço para a redução das expectativas de inflação como limitado (e que, nesse contexto, a autoridade monetária tenderia a apresentar um parâmetro de reação mais elevado) se localizam na ponta ‘pessimista’, vislumbrando uma redução nos juros para aproximadamente 10%”, explica o estudo especial, apontando ainda que a leitura “pessimista” também comporta a possibilidade de uma taxa de juros de equilíbrio mais elevada que os 4,5% utilizados pelo BC.
O exercício feito pelo banco estatal de fomento mostra como é difícil prever qual vai ser o final da taxa Selic. A mediana do mercado financeiro, capturada na pesquisa Focus, do Banco Central, aponta a Selic em 9,25% ao fim do ano que vem, mas também considera nova rodada de reduções em 2025, para 8,5% no fim daquele ano. Isso em um cenário no qual a inflação não chega no centro da meta, 3%, em nenhum dos anos do atual governo e se consolida em torno de 3,5%.
Ansioso por crescer mais para viabilizar tanto sua estratégia fiscal de ajuste pelo lado da receita como mirando as eleições municipais, o governo tende a elevar a pressão para cortes mais intensos nas próximas reuniões. Especialmente se a inflação continuar tendo taxas menores do que o mercado e o BC têm projetado. Esta semana provavelmente foi só aperitivo.
A cautela do BC atual, porém, tem justificativa. Depois do exagero com o juro em 2% (junto com um polêmico “forward guidance”) na pandemia e do exagero na direção contrária no ciclo de alta, criticado até pelos liberais do Ministério da Economia no governo passado, a autoridade monetária tem dado indícios de uma opção por um caminho que consolide os inegáveis ganhos de queda da inflação em curso. Uma das consequências pode ser a redução da volatilidade da taxa básica de juros, após o fim desse ciclo.
É sempre bom lembrar que a inflação está acima da meta e há muita incerteza pela frente, ainda que os sinais do exterior comecem a ter alguma melhora – o que se espelhou em uma postura mais branda do Federal Reserve (Fed), o BC americano. Se o Fed começar a cortar os juros mais cedo, a taxa de câmbio no Brasil tende a se valorizar, o que ajudará Roberto Campos Neto e equipe a completar o serviço de desinflacionar a economia.
A partir de janeiro, outros dois diretores começam a atuar no Copom: Paulo Picchetti e Rodrigo Teixeira. Com eles, o atual governo, tão desejoso de uma Selic mais baixa rapidamente, terá indicado 4 dos 9 membros. Nesse contexto, a unanimidade em torno do atual ritmo será mantida com esse novo quadro?
Difícil saber, ainda que no início da gestão deles esse pareça ser o caminho mais provável, se o comportamento de Galípolo e Aquino puder ser lido como um bom preditor. De qualquer forma, a relação entre os quatro diretores novos e os cinco mais antigos, entre eles o presidente Roberto Campos Neto, será decisiva para o destino da Selic ao fim do ciclo atual. A ver se o devagar se vai mais longe será mantido.