Avaliação psicológica em concursos públicos

  • Categoria do post:JOTA

É urgente a modernização dos concursos públicos.

Hoje, com o predomínio de provas objetivas de múltipla escolha, os concursos aferem só conhecimento teórico, valorizam quem memoriza e tem tempo e recursos financeiros para se preparar. Mesmo quando a função requer a avaliação das competências e habilidades do candidato, dificilmente as provas incorporam aspectos inter-relacionais e avaliam a capacidade de o candidato resolver problemas concretos. O alto risco de judicialização e as dificuldades de planejamento e maior tempo de execução mediocrizaram o processo de seleção de pessoal no serviço público brasileiro.

A edição de uma lei nacional que regulamente o tema é o caminho para dar segurança jurídica para a União e entes subnacionais enfrentarem a “ideologia concurseira”, na expressão cunhada por Fernando Fontainha, em prol de processos seletivos desenhados para escolher os que têm aptidão e ethos público.

Neste sentido, o PL 2258/2022, já aprovado pela Câmara dos Deputados e atualmente parado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, é boa proposta.

A ideia é aproximar o Brasil daquilo que tem sido praticado em outros países. Em Portugal, por exemplo, especificamente quanto ao modo de avaliação, a norma prevê que podem ser usados os seguintes métodos de seleção em concursos para seleção de pessoas no serviço público: provas de conhecimento, avaliação psicológica, avaliação curricular e entrevista. A avaliação psicológica, por sua vez, “visa avaliar aptidões, características de personalidade e ou competências comportamentais dos candidatos, tendo como referência o perfil de competências previamente definido, podendo comportar uma ou mais fases”.[1]

No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CPF) já editou instrumento que “Regulamenta a Avaliação Psicológica em Concurso Público” (Resolução 2, de 2016).

Segundo a norma, “a avaliação psicológica para fins de seleção de candidatos(as) é um processo sistemático, de levantamento e síntese de informações, com base em procedimentos científicos que permitem identificar aspectos psicológicos do(a) candidato(a) compatíveis com o desempenho das atividades e profissiografia do cargo” (art. 1º).

Apesar da experiência nacional e internacional com o tema, ainda há resistências à adoção mais consistente de avaliações psicológicas em concursos públicos no Brasil. Seria essa uma resistência proveniente do Direito? Para responder a essa pergunta, propomos, no presente artigo, uma reflexão acerca da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O STF já pacificou, há pelo menos três décadas, o entendimento pela constitucionalidade do uso de avaliações psicológicas em concursos públicos. Em 1989, logo após a edição da atual Constituição, já havia acórdão reconhecendo, por votação unânime, a constitucionalidade da “exigência de avaliação psicológica ou teste psicotécnico como requisito ou condição necessária ao acesso a determina dos cargos …, se houver lei que expressamente o tenha previsto” (MS 20973/DF).

Em 2015, o Supremo consolidou tal entendimento por meio da Súmula Vinculante 44, a qual confirma a constitucionalidade da “exigência de avaliação psicológica ou teste psicotécnico como requisito ou condição necessária ao acesso a determinados cargos públicos”, desde que previsto em “lei em sentido material” e “no edital do certame”, e assegurado “um grau mínimo de objetividade e de publicidade dos atos em que se procede”.

Nessa mesma linha, em 2018, o STF decidiu, em repercussão geral, que “no caso de declaração de nulidade de exame psicotécnico previsto em lei e em edital, é indispensável a realização de nova avaliação, com critérios objetivos, para prosseguimento no certame” (Tema 1009). O Supremo reforçou, assim, a constitucionalidade do uso de avaliações psicológicas em concursos públicos.

Para além das decisões colegiadas sobre o tema (que não são muito numerosas), os ministros do STF têm lidado com a questão das avaliações psicológicas em concursos públicos a partir de decisões monocráticas. Para um olhar panorâmico sobre esse universo de decisões, trazemos uma breve pesquisa acerca das decisões monocráticas proferidas no STF sobre o tema ao longo de 12 meses, entre outubro de 2022 e setembro de 2023.[2] Os achados são reveladores.

A primeira constatação relevante é que o STF tem apreciado com alguma frequência casos envolvendo avaliações psicológicas em concursos públicos: no período analisado o tribunal proferiu 94 decisões monocráticas sobre o tema – uma média de uma decisão monocrática a cada 5 dias a respeito do tema. Somente em 23 de fevereiro deste ano, foram proferidas 16 decisões monocráticas quanto ao questionamento de candidatos a esta etapa de seleção.

Mais interessante é que, nesse universo de decisões, em apenas cerca de 9% dos casos o Judiciário reconheceu algum vício na avaliação psicológica, seja esse reconhecimento por parte do próprio STF ou de outros tribunais que tenham proferido decisões antes que o caso chegasse ao Supremo.

Outro achado relevante diz respeito à natureza das carreiras objeto dos concursos públicos apreciados pelo STF. Aproximadamente 77% dos casos envolveram o uso de avaliações psicológicas em concursos para as carreiras policiais (civil, militar e rodoviária). Esse número sugere, por um lado, que as avaliações psicológicas têm sido usadas sobretudo para o preenchimento de postos militares, e, por outro, que há grande judicialização dos certames nessas carreiras sensíveis.

Por fim, nos únicos 3 casos em que o próprio STF reconheceu vício em avaliações psicológicas, o fez não por questionamento ao uso em si desse tipo de avaliação, mas sim por conta de problemas na estruturação das avaliações, que não contaram com critérios mínimos de objetividade (Rcl 62168/BA, Rcl 61481/BA e Rcl 59630/BA). Nesses casos os ministros determinaram justamente a realização de novo exame psicológico.

A jurisprudência do STF mostra que o tribunal, no passado e no presente, tem validado o uso de avaliações psicológicas nos concursos públicos. Ao que tudo indica, o Direito, em si, não é um óbice à adoção desse tipo de avaliação para a seleção de servidores. Mas a ausência de uma lei geral sobre o tema inibe e dificulta sua aplicação.

[1] Lei 35/2014, art. 36 e Portaria 233/2022, art. 17, 1.

[2] A pesquisa foi realizada no portal do STF, através do link <www.jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search>, e com a utilização das palavras-chave “avaliação psicológica” E “concurso público”. Foram analisadas as decisões monocráticas proferidas no período compreendido entre 1⁰ de outubro de 2022 e 1⁰ de outubro de 2023.