Autonomia das empresas estatais e Conselhos Estaduais

  • Categoria do post:JOTA

A Lei 13.303/2016 foi promulgada com o intuito de fortalecer a estrutura societária das estatais, sua governança e a profissionalização de seus dirigentes, sujeitos a requisitos de formação específica, experiência no setor em que a estatal atua, bem como evitar conflitos de interesses.

Além disso, finalmente cumprindo o art. 173, §1º, III da Constituição de 1988, buscou separar seu regime de licitações e contratos daquele aplicável à Administração Direta, previsto no art. 37, §1º.

Apesar dessa apartação e das lógicas diferentes, certas normas insistem em confundir as diferenças das estatais com a Administração Direta, num fenômeno que por vezes leva ao que parte da doutrina chama de “autarquização” das empresas estatais[1]: ao invés de empresas, atuando no mercado, sujeitas à concorrência e às normas das demais empresas privadas, tornam-se uma autarquia, com um grau apenas um pouco maior de liberdade.

No estado de São Paulo, três exemplos nesse sentido vêm dos Comitês e Conselhos Estaduais aos quais as estatais devem submeter suas contratações.

Primeiro, o Comitê Gestor do Gasto Público. De acordo com o Decreto Estadual 64.065/2019, o comitê deve se manifestar previamente à contratação de serviços técnicos profissionais especializados, nos termos do art. 13, incisos I a IV e VI, da Lei Federal 8.666/1993 – excetuadas as estatais não dependentes de capital aberto. Apesar de o art. 13 citado lembrar o art. 30 da Lei 13.303/16, fato é que as estatais não contratam pela Lei 8.666/93, nem pela Lei 14.133/21 que a revogou.

Segundo, o Conselho Estadual de Tecnologia da Informação e Comunicação (COETIC). Previsto no Decreto Estadual 64.601/2019, o art. 11 define que o COETIC deve se manifestar sobre as contratações de serviços ou bens de tecnologia da informação e comunicação, avaliando sua conformidade com as políticas do estado.

Terceiro, o Conselho do Patrimônio Imobiliário. Segundo o art. 27 do Decreto Estadual 61.163/2015, autarquias, fundações e empresas de participação majoritária do estado devem informar tal conselho sua intenção de alienar qualquer imóvel do seu patrimônio, com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias da data da publicação do edital de venda.

Embora seja possível pensar em razões para essas manifestações, como controle de gastos e uniformização das políticas de compras do estado, questionável sua aplicação para empresas que são dotadas de autonomia financeira e patrimonial.

Esse debate também é dificultado pela falta de transparência ativa desses Conselhos: quais contratações são aprovadas, sob quais fundamentos e qual sua jurisprudência?

Por tudo isso, andou melhor o Decreto Estadual 68.538/2024 que, ao criar o Plano São Paulo na Direção Certa e seu Conselho Gestor, com o intuito de melhorar a eficiência do gasto público, foi claro ao restringi-lo à Administração Pública Direta e às estatais dependentes. Isso não significa, por óbvio, que as demais entidades estejam desobrigadas de atuar com eficiência, mas deverão fazê-lo dentro de suas próprias estruturas.

[1] PINTO, Henrique Motta. A autarquização das empresas estatais na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: um obstáculo para as reformas na administração pública. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v. 15, p. 215-233, 2010.