Aumento da isenção do IR deveria ser escalonado, diz economista-chefe do Banco Inter

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A elevação da faixa de isenção da tabela do imposto de renda da pessoa física (IRPF) para R$ 5 mil, se feita de uma só vez, será um problema para o ajuste fiscal. A avaliação é da economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória. Ela também pontuou que, em uma economia aquecida, com inflação acima da meta, isso geraria um impulso fiscal pode estimular o consumo e pressionar a inflação. Por isso, defende que esse aumento da isenção seja feito de forma escalonada e junto a um debate mais amplo sobre a reforma da renda.

Sobre a política fiscal, a economista-chefe do Inter reconhece que o governo teve sucesso em aumentar a arrecadação e corrigir isenções tributárias. Por outro lado, destaca, houve um crescimento forte nos gastos, algo atípico para começo de mandato, o que explica parte das críticas do mercado. O ajuste fiscal, defende, precisa ser pelos dois lados, receita e despesa, e o governo deveria encarar o debate das vinculações de gastos.

Rafaela Vitória é a nona economista entrevistada da série “Cenários Macroeconômicos” do JOTA. Confira abaixo os principais pontos:

Isenção do IR até R$ 5 mil

É importante lembrar que a não correção da tabela do IR ao longo do tempo significa que o trabalhador vem pagando mais imposto de renda. Então a alíquota, na verdade, não mexe, mas se você não corrige a tabela, parte do crescimento da arrecadação de imposto de renda da pessoa física vem às custas de um aumento de tributação pela não correção da tabela.

Nesse sentido, a correção da tabela pela inflação é justa, ao meu ver. Porém, como não fazemos essa correção há muito tempo, fazer ela inteira de uma só vez gera outro problema – o tamanho dessa perda de arrecadação. Ao represar essa correção durante muito tempo, você criou um volume [potencial] muito grande de perda de receita, que pode ser um problema para o ajuste fiscal.

Além disso, se você faz toda essa correção de uma vez, também significa um novo impulso fiscal para as famílias. Você acaba liberando de uma só vez essa renda num momento em que a gente espera uma queda da inflação. O próprio Banco Central já sinalizou uma nova alta de juros para fazer uma restrição monetária porque a demanda está aquecida. Então, o momento de se fazer isso talvez não seja o mais adequado, e mesmo para 2026.

O melhor cenário é o governo fazer isso de uma maneira mais escalonada para aliviar um pouco desse impacto no consumo, em um momento em que a inflação ainda está acima da meta. Se a gente tivesse um cenário de recessão, de capacidade ociosa da economia, faria sentido.

Esta entrevista faz parte da segunda temporada da série Cenários Macroeconômicos do JOTA sobre as expectativas para a economia brasileira. Baixe o e-book completo.

Reforma da renda

O governo precisa encontrar a contrapartida para essa perda de arrecadação [isenção dos R$ 5 mil do IR] e o ideal seria termos um debate mais amplo sobre a reforma do imposto de renda. Em uma reforma mais ampla, em que você possa discutir a taxação de dividendos, que pega, principalmente hoje, uma isenção tributária relevante no Brasil — a remuneração de PJs. Esse CLT versus remuneração de PJs gera uma distorção importante.

Não basta você corrigir também a tabela, ou até mesmo criar alíquotas, como já se foi discutido, deixando ainda esse instrumento hoje, que é a pejotização, de fora dessa reforma. Então o ideal é discutir a correção da tabela junto com uma reforma mais ampla do imposto de renda para amenizar essa perda.

[Sobre a taxação de milionários] Não acho que seja uma boa saída, você vai acabar criando incentivos para que tenha novas distorções. A gente vê esse exemplo em vários países, quando você cria outros impostos.

Talvez tenha espaço no Brasil para uma nova alíquota, além dos 27,5%, mas não muito. O que falta no Brasil é a taxação de dividendos que a gente vê em outro país e que corrigiria essa distorção PJ versus CLT.

Eu acho que ela [reforma da renda] pode ter um efeito positivo, toda melhora de tributação que a gente tem no Brasil eventualmente traz algum ganho de produtividade e uma melhora de distribuição de renda. Então, mesmo que a reforma do imposto de renda seja neutra do ponto de vista fiscal, essa redistribuição é positiva para a economia. E quando você diminui também as distorções, você gera mais incentivos para uma boa alocação de capital, que é o caso da reforma do IVA.

Política fiscal

O governo teve algum sucesso em aumentar a arrecadação e em fazer uma recomposição de isenções que foram deixadas pelo último governo, como o PIS-Cofins de combustível. Quando a gente olha o que tinha de déficit fiscal, mesmo o último ano do governo anterior tendo apresentado um superávit, a gente sabia que existia ainda um déficit estrutural. Então o ajuste fiscal, para chegar a um superávit hoje, precisa ser dos dois lados, receita e despesa.

Porém, [o governo] deixou muito a desejar no lado da despesa. Ao mesmo tempo que cresceu a arrecadação, a despesa cresceu ainda mais. É aí que estão boa parte das críticas do mercado — que mesmo crescendo a arrecadação, não conseguimos zerar o déficit.

O governo chega nesse momento de metade do mandato com esse desgaste. Hoje a gente vê pouquíssimo espaço para mais aumento da arrecadação, porque tudo que foi feito até agora não resultou num déficit menor.

“Subterfúgios” e crise fiscal

Nesse sentido [dos subterfúgios], eu não acho que haja exagero [por parte do mercado]. Já na questão da crise fiscal, acho que tem exagero. Estou mais alinhada com a Moody’s nesse ponto. Quando você olha o Brasil em relação aos pares, nosso déficit fiscal não é tão preocupante e é corrigível, considerando essas medidas [de revisão de gastos].

Agora, do ponto de vista da transparência, esse talvez seja o maior desconforto [do mercado]. Como economista e analista de contas públicas, a gente sente na pele que o trabalho aumentou porque não só temos que analisar as contas públicas, mas também analisar o “extracontábil”. Tem uma dificuldade maior de fazer esse entendimento do que é o impulso fiscal. Para isso, precisa ir um pouco além do que o governo mostra, porque a gente tem toda essa contabilidade fora da meta de primário, por exemplo.

Além disso, o governo é muito focado na meta e acaba pensando em como entregá-la e isso tira um pouco do foco em como fazer o ajuste. Porque a partir do momento que o governo quer mostrar que atingiu a meta, ele deixa passar que existe um problema de vinculação grave que precisa ser tratado.

Os exemplos são vários, não só as despesas fora, mas as receitas que não são receitas, que estão no uso de recursos que estavam em fundos. Acho que isso tira essa visão mais transparente do tamanho do problema que a gente tem hoje. E acho que esse é um ponto que deixa todo mundo muito incomodado, como o governo acha que está tudo bem.

O último ponto é que o governo deveria fazer o planejamento com base no centro da meta e deixar a banda para absorver alguma frustração de receita ou de despesa. Ele está fazendo no limite e isso também gera desconforto por parte de quem faz todo esse trabalho de análise. Isso também atrapalha no planejamento porque esses relatórios são muito importantes para a sequência do planejamento das contas públicas. Por exemplo, o relatório bimestral de julho é usado para fazer o PLOA. Então, se ele contas com despesas subestimadas na Previdência, o planejamento de 2025 nasce subestimado.

Sobrevivência do arcabouço fiscal

Para 2025 está nos parecendo que sim [o arcabouço sobrevive]. Na prática, a gente vai ter um crescimento de despesas um pouco acima de 2,5%, mas dentro do arcabouço. Se o governo fizer esse pente fino, controlar as discricionárias, acho que para 2025 sobrevive.

Mas para 2026 o espaço é menor, principalmente quando você vai ter nova alta de salário mínimo com mais 3% [acima da inflação]. O espaço que você vai ter de discricionária para 2026 vai ser ainda menor, considerando que é um ano de eleição. Então o governo vai ter uma grande dificuldade em manter o arcabouço.

Mas se vier em 2026 sem [cumprir] a meta [de primário], sem uma melhora de primário e com mais despesas, além do limite, realmente é um cenário um pouco pior do que a gente tem no mercado hoje.

Revisão de gastos

A gente viu um primeiro ano de governo expandindo gastos como nunca se viu na história. Não é comum, primeiro ano é [normalmente] de ajuste porque o governo tem capital político para capitalizar em reformas mais duras e ele acabou fazendo uma expansão muito atípica. Então hoje a gente vê a dificuldade de controlar gastos depois da expansão dos últimos dois anos, mas tem espaço.

Politicamente é um governo que não se mostra muito disposto a controlar gastos. Por outro lado, quando a gente abre o balanço das despesas, é possível notar claramente irregularidades em algumas linhas, o crescimento muito acelerado de benefícios como o BPC, os auxílios do INSS, afastamentos, e até mesmo o Cadastro Único do Bolsa Família. Há vários indícios de irregularidades que poderiam ser corrigidos e já resultaria em maior controle do crescimento de gastos.

O pente fino é básico. Acho que agora, passadas as eleições, parece mais viável [a revisão], o próprio governo vem falando mais abertamente, então a gente espera que alguma coisa seja feita no curto prazo.

O ideal é um debate um pouco mais amplo sobre a vinculação, não exatamente para 2025, mas para os anos seguintes. O crescimento de despesa em longo prazo é insustentável, ele vai ocupar todo o espaço das discricionárias e voltaremos a ter o mesmo problema do teto, mas com uma carga tributária mais alta e uma dívida mais alta, então não tem nenhum escape para esse crescimento.
A política do salário mínimo, é mais difícil hoje [de alterar], mas é uma política que não cabe no orçamento. Esse aumento real de salário atrelado ao crescimento do PIB e não da produtividade é inflacionário e pressiona o déficit total.

Um debate que às vezes a gente pode se aproximar é desvincular os benefícios sociais do salário mínimo. A política de salário mínimo de ganho real pode existir, mas desvinculando os benefícios sociais, seria um debate intermediário.

Economicamente, faz pouco sentido oferecer ganho real de benefício social, como previdência, para trabalhadores aposentados que não estão na ativa, e do ponto de vista fiscal não temos espaço.

Elevação do grau de investimento da Moody’s

A visão da Moody’s é uma visão relativa. Ela olha o Brasil em relação aos pares. E, por essa ótica, o Brasil hoje está melhor. A gente ainda tem um problema fiscal, mas hoje ele não é tão mais grave do que dos nossos vizinhos e outros emergentes.

Acho que o upgrade faz sentido, mas foi um voto de confiança maior do que eu daria no ajuste fiscal, considerando a disposição política que vejo por parte do governo.

Se ajuda mais do que atrapalha, acho que vai depender do comprometimento do governo com relação ao ajuste fiscal. Se o governo realmente quiser entregar um ajuste fiscal, essa melhora na nota de crédito vai ser um incentivo para o governo caminhar para o ajuste. Até porque, das poucas avaliações positivas que ele recebeu recentemente, se tiver uma reversão próxima de 2025 ou 2026, pode ser prejudicial para o próprio governo perder esse voto de confiança.

De novo, acho que existe um discurso de ajuste fiscal que, a meu ver, é importante. As pessoas falam que o arcabouço lançado ano passado enganou muita gente, eu acho que não. Se a gente olhar o histórico do governo PT, o fato do governo [atual] ter uma narrativa na direção do ajuste é um fato novo e positivo.

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Próximo Banco Central

O BC quer retomar a confiança na política monetária que foi perdida ao longo de todo esse debate desde o ano passado da meta e o próprio debate sobre a troca de presidência nesses dois anos acabou pesando pelo lado negativo. A gente vê as expectativas desancoradas. Galípolo tem isso claro, que ele precisa retomar, mas vai ser com atitude, mostrando comprometimento.

Acho que ele até exagera para o lado mais hawkish, infelizmente para ele retomar a credibilidade, ele acaba tendo que subir mais os juros do que precisaria em um cenário mais neutro, mas não espero nenhuma mudança no comportamento do Copom nas próximas reuniões. Ainda temos indicados com uma visão mais hawkish, qualquer nova divergência traria mal estar no mercado. Então o Copom vai buscar essa unanimidade, que vai pesar mais para um lado mais hawkish.

Ciclo de alta de juros

Nossa opinião é que não deveria ter havido alta [da Selic]. O Copom adicionou uma volatilidade na política monetária e isso acabou gerando mais incerteza e o mercado precifica mais e mais altas depois de iniciar esse debate.

Quando a gente olha a dinâmica de inflação, mesmo ela não estando no centro da meta, ficando dentro da banda, ainda tinha um espaço para uma política monetária mais estável. O Copom trouxe mais volatilidade no cenário e isso acabou sendo prejudicial. A gente não vê um cenário de inflação desviando tanto da meta que justificasse esse aumento dos juros.

Agora, considerando que ele já iniciou essa alta, e dizendo que será gradual, nós temos um aumento de 50 [pontos-base] em novembro, mas com alguma chance de desacelerar rapidamente e ser um ciclo mais curto, uma vez que a gente não tem visto a inflação mais alta do que o esperado. Se o Copom terminar o ano com uma Selic em 11,5% é suficiente para essa convergência de inflação e temos a banda justamente para acomodar esse tipo de choque.

Crescimento econômico e potencial do Brasil

Estou menos otimista com o crescimento. Acho que boa parte da surpresa com o crescimento [nos últimos anos] foi impulso fiscal. Quando a gente olha os dados de aumento de gasto, transferência de renda, aumento da previdência, benefícios, precatórios, tudo isso impacta bastante o crescimento do consumo que vimos.

Na ausência de novas variações positivas na despesa pública, ela tende a perder força, o que não significa uma recessão ou crescimento mais ameno. Este ano o crescimento fica mais próximo de 2,9%, a gente tem um crescimento de 0,5% nesses últimos dois trimestres, mas ainda assim um crescimento compatível com um PIB entre 1,8% e 2%, que é o que a gente acha que deve ser o crescimento de 2025, menos robusto sem o impulso fiscal, com uma taxa de juros mais restritiva.

A gente não vê uma expansão de crédito beneficiando como a gente veria com uma Selic próxima de 9%. Não vamos ter essa expansão por ora e para 2026 ela [expansão de crédito] poderia vir se a gente tivesse um fiscal, com uma Selic menor.