Aumenta a discussão sobre patentes de medicamentos

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O recente embate na Justiça em torno da patente da liraglutida biológica (princípio ativo dos medicamentos Victoza e Saxenda) deixa claro que o movimento iniciado depois da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5529 está longe de ser resolvido. Desde que o Supremo Tribunal Federal classificou, em abril de 2021, a extensão da patente de medicamentos como inconstitucional, as farmacêuticas passaram a usar outro argumento para reivindicar a compensação pela demora no reconhecimento do direito de monopólio: o ajuste de prazo de patente (PTA, na sigla em inglês).

A discussão se aquece com a proximidade do fim da patente da semaglutida (princípio ativo do Ozempic e Rybelsus). A empresa Novo Nordisk recentemente sofreu a quinta derrota relacionada à extensão de patentes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Estudos sobre Concorrência e Propriedade Intelectual (IBConPI). Em 14 de agosto, o pedido de ampliação do prazo da patente do Rybelsus, comprimido de semaglutida usado para emagrecimento e diabetes, foi negado pela 1ª Vara Federal.

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Adotado em outros países, como Estados Unidos e Chile, o PTA permite ampliar o prazo de 20 anos de patente quando é comprovada a demora na análise e concessão do direito. De forma geral, em outros países, o instrumento pressupõe que o laboratório demonstre que não contribuiu para a demora na avaliação. A estratégia, contudo, divide opiniões.

Sem previsão

“O PTA não está previsto na lei brasileira. Este instrumento foi apenas citado pelo relator da ADI, Dias Toffoli, em sua argumentação durante a ADI. Mas em nenhum momento foi apontado pela corte que este seria um caminho alternativo”, afirmou ao JOTA o presidente do IBConPI, Guilherme Takeishi.

A Interfarma tem avaliação distinta. “O PTA é adotado por todas as grandes nações, portanto ter este instituto no ordenamento brasileiro facilitará as relações com outros países”, informou, em nota, o presidente da associação, Renato Porto.  Ainda de acordo com ele, a introdução do mecanismo de PTA não contraria o racional da decisão do STF da ADI 5529.

Levantamento feito pelo IBConPI mostra que 67 ações foram propostas solicitando a aplicação do PTA no Brasil, desde 2021. Pelos cálculos da instituição, 35 foram consideradas improcedentes e 29 aguardam julgamento. Além disso, o autor de uma ação desistiu do pedido e duas ações foram consideradas procedentes – uma delas, a que foi suspensa liminarmente pelo desembargador Jaime de Moraes Jardim, da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 6 de setembro. 

A decisão de Jardim acolheu o pedido da farmacêutica EMS, que pretendia, em caráter de urgência, ser admitida na ação, ao lado do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual. O juiz de primeira instância havia concedido 8 anos, 5 meses e um dia a mais de direito de monopólio para a Novo Nordisk, farmacêutica que desenvolveu o medicamento. 

Estratégia

Assessor regional para as Américas da associação Médicos Sem Fronteiras, o advogado Francisco Viegas acompanha de perto as discussões. No caso dos medicamentos análogos de GLP1, classe em que estão incluídas a liraglutida e a semaglutida (princípio ativo do Ozempic, Wegovy e Rybelsus). “Notamos que a estratégia para se questionar na Justiça e tentar ampliar o prazo de patente não ocorre apenas no Brasil. Algo semelhante vem ocorrendo na Índia”, disse Viegas ao JOTA.

A MSF não concorda com a tese de compensação por um eventual atraso na concessão de patentes. Viegas explica o porquê. “A lei brasileira garante ao depositante do pedido de patente o direito de reparação. Há, desde que o pedido é formulado, uma expectativa de direito para a fabricante de medicamentos.” 

No entender de Viegas, mesmo que tacitamente, a patente começa a valer assim que o pedido é feito. Por causa das regras existentes e do risco de punição, dificilmente uma empresa se aventura a lançar uma versão genérica de um produto cujo pedido de patente está sob análise. Isso não ocorre em outros países. “A Argentina, por exemplo, somente reconhece o direito com a análise formal dos documentos.”

O assessor vai além. Para ele, instrumentos que estendem o prazo de 20 anos de monopólio para medicamentos provocam prejuízos aos cofres públicos e representam uma barreira de acesso a terapias.

Quando a patente termina, versões genéricas, que por lei devem custar, no mínimo, 35% a menos do que medicamento de referência, entram no mercado, ampliando a concorrência. “Durante a discussão da ADI, foram inúmeros os cálculos mostrando a pressão destes preços”, afirmou. 

A discussão em torno de medicamentos para diabetes e emagrecimento também traz reflexos para o acesso, avalia o assessor da MSF. Ele observa que recentemente, tanto a semaglutida quanto a liraglutida tiveram negados os pedidos de incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS). A recusa foi justificada pelos altos preços. “A chegada de genéricos pode fazer com que esta situação se altere”, completa.

Viegas observa que, embora existam Varas Especializadas em Patentes no Rio de Janeiro, há ainda uma tendência de se ingressar com ações na Justiça Federal de Brasília. “No caso de juízes e desembargadores mais familiarizados com o tema, com o fato de o PTA não fazer parte do direito brasileiro, pedidos de extensão são recusados de forma mais célere. O que não ocorre com magistrados com pouca experiência nesta discussão.” 

Mudanças

Recursos podem ser apresentados aos Tribunais Regionais e, em caso de afronta à lei federal, levar discussão ao Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, ao STF, no caso de discussões relacionadas à Constituição. “Mas o fato é que, enquanto a discussão não se consolidar, haverá atraso na entrada de genéricos mais acessíveis.”

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O presidente da IBConPI tem uma avaliação distinta. Para ele, as decisões na Justiça vêm aos poucos se consolidando para não acolher o pedido de PTA. Como exemplo, Takeishi citou quatro reclamações constitucionais sobre o tema. Entre elas, a 53.181/DF.

“O ministro deixou claro que normas do direito comparado não autorizam extensões de vigência de patentes  no Brasil”, disse. A reclamação 56.378, analisada pela 1ª Turma, foi no mesmo sentido. “Há ainda as decisões 59.711/DF e 59.091/SP”, complementou.  Esta situação, na avaliação do presidente do IbConPI, traz uma perspectiva positiva. “É questão de tempo.”