O controle de preços de medicamentos é uma realidade no Brasil que se consolidou em 2003 com a promulgação da Lei 10.742/2003. O objetivo da lei foi promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que incentivam a oferta de medicamentos e a competitividade do setor. Também instituiu a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), do Conselho de Governo, conferindo‐lhe poderes para fixar, ajustar e monitorar o preço de medicamentos em todo o território nacional.
Desde então, a CMED regula o setor, tendo a Resolução CMED 2/2004 como o ordenamento central. A norma estabelece os critérios para a precificação de medicamentos dentro do modelo de preço fábrica: um preço teto determinado a partir de variáveis como o menor preço internacional (dentre uma cesta de nove países de referência, além do país de origem do produto), o custo de tratamento comparador e a média de preços locais.
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Os reajustes anuais dos preços dos medicamentos também são regulados pela CMED e são calculados com base em uma fórmula que leva em consideração a da inflação, os custos de produção e os ganhos de produtividade do setor farmacêutico.
Os medicamentos foram subdivididos pela Resolução CMED 2/2004 em seis categorias, sendo que, para cada uma delas, foram atribuídas regras específicas de precificação. Por exemplo, no caso de produto novo com molécula patenteada no Brasil e ganho terapêutico comprovado (Categoria 1, nos termos da Resolução CMED 2/2004), o preço máximo de venda, ou seja, o preço fábrica, é definido com base no menor preço internacional praticado pela empresa nos países que compõem a cesta de referência da CMED, além do país de origem do produto.
No caso de produto novo que não atende aos requisitos da Categoria 1 (Categoria 2), o preço fábrica é definido com base no custo de tratamento com os medicamentos utilizados para a mesma indicação terapêutica (comparador), não podendo ser superior ao menor preço praticado dentre os países mencionados na cesta de países de referência da CMED. A regra de precificação dos genéricos (Categoria 6), por sua vez, é objetiva: o preço fábrica não pode ser superior a 65% do preço do medicamento de referência correspondente.
Ainda, nos termos da Resolução CMED 2/2004, os medicamentos que não se enquadram nas categorias existentes devem ser tratados como “caso omisso”, sendo os critérios de precificação determinados pela CMED.
Ocorre que, com o avanço de novas tecnologias de tratamento, como medicamentos biológicos e terapias avançadas, a CMED tem classificado um número crescente de pedidos de precificação de medicamentos como casos omissos, impondo, em alguns casos, preços provisórios sob a justificativa de defasagem legislativa. Esse cenário gera insegurança jurídica no mercado de produtos inovadores.
Diante desse contexto, desde 2021, o Ministério da Economia vem atuando na revisão do marco regulatório de precificação de medicamentos, o que resultou na recente publicação da Consulta Pública no último dia 12 de maio, aberta para contribuições do público em geral até o próximo dia 10 de julho
A proposta de novo texto normativo não altera as bases do modelo existente, sobretudo o modelo de preço máximo de comercialização (preço fábrica). Entretanto, altera e amplia a cesta dos países de referência, excluindo a Nova Zelândia e incluindo Alemanha, Noruega, Japão, México, África do Sul e Reino Unido à Austrália, Canadá, Espanha, Estados Unidos da América, França, Grécia, Itália e Portugal e o país de origem. Inclui regras específicas para precificação de inovação incremental, bem como para biossimilar/biológico não novo e transferência de titularidade.
Ademais, admite que seja estabelecido preço fixo entre apresentações com diferentes concentrações quando o preço internacional for fixo ou quando, no cálculo do custo de tratamento, ficar demonstrado que diferentes concentrações do mesmo medicamento resultam no mesmo efeito terapêutico.
Por fim, a proposta elenca um rol de hipóteses em que o preço fábrica pode ser determinado com base no racional da empresa, por exemplo, quando houver manufatura básica do processo produtivo internalizada no País ou atividade inovadora realizada no país.
Algumas mudanças importantes trazidas na proposta de texto normativo, contudo, demandam uma avaliação cautelosa, sobretudo as hipóteses que permitem à CMED fixar preço provisório, bem como a possibilidade de a CMED rever suas próprias decisões em sede de autotutela se detectar erro na análise documental em qualquer instância decisória.
Especificamente em relação ao preço provisório, o regime vigente admite que seja fixado apenas para medicamentos enquadrados na Categoria 1 sem referência de preço em pelo menos três países da cesta.
Na proposta de nova resolução, a CMED terá poderes para estabelecer preços provisórios: (i) quando da ausência de comercialização do produto em no mínimo cinco países da cesta; (ii) no caso de medicamentos novos cujo pedido de patente ainda esteja sob exame no INPI; (iii) no caso de produtos cujo registro sanitário exija complementação pós-registro (caso típico de terapias avançadas e medicamentos para doenças raras); e (iv) de ofício diante da inércia do interessado em requerer o preço para o medicamento no prazo de 60 dias contados da concessão do registro sanitário.
Como exceção à regra geral, a proposta de resolução excetua da provisoriedade o preço os produtos novos desenvolvidos e fabricados no país, mesmo quando os requisitos supra estiverem caracterizados.
Por outro lado, questões relevantes não foram enfrentadas, como a vinculação do enquadramento de produto novo à existência de patente de molécula no Brasil e os critérios atualmente utilizados na precificação de biológicos não novos/biossimilares.
A proposta de atualização da CMED representa um passo importante para modernizar o sistema de precificação de medicamentos. É fundamental, contudo, que as regras sejam claras, objetivas e proporcionem segurança jurídica tanto para o setor produtivo quanto para a administração.
A versão final da norma deve considerar os comentários do setor e buscar o equilíbrio entre acesso, inovação e sustentabilidade do sistema de saúde, promovendo um ambiente regulatório moderno, transparente e flexível, capaz de acompanhar a evolução do mercado farmacêutico e atender às necessidades da população brasileira.