A Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC) elaborou um anteprojeto de lei para a regulamentação do filtro de relevância do recurso especial. Uma das principais novidades propostas pela associação em relação aos anteprojetos apresentados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é o fim do julgamento de recursos repetitivos tanto no STJ quanto no Supremo Tribunal Federal (STF).
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No STJ, a técnica de julgamento de recursos especiais repetitivos seria substituída pelo regime de relevância, em vez de se manter as duas sistemáticas. No STF, deixaria de existir o recurso extraordinário repetitivo. Embora essa espécie recursal esteja prevista no Código de Processo Civil (CPC), o seu julgamento na prática nunca se concretizou, e ela foi completamente absorvida pela repercussão geral.
O filtro de relevância foi instituído pela Emenda Constitucional 125/2022. O texto obriga as partes a demonstrarem a relevância das questões tratadas no processo, sob pena de não conhecimento do recurso especial no STJ. Embora o STJ tenha entregado ao Senado uma proposta para regulamentar o tema ainda em 2022, a discussão continua parada. A OAB encaminhou este ano o seu anteprojeto ao Senado. Há uma crítica por parte de advogados de que o novo filtro dificultaria muito o acesso ao STJ, o que tem contribuído para o impasse. A ABPC ainda não encaminhou seu texto formalmente ao Senado, mas dialoga com parlamentares para que seu anteprojeto também possa tramitar no Congresso.
Paulo Mendes, presidente da ABPC e procurador da Fazenda Nacional, participou da elaboração do novo anteprojeto e explica que um de seus principais objetivos é ajustar o Código de Processo Civil (CPC) ao regime da relevância e da repercussão geral, inclusive assentando-os como técnica de formação de precedentes no STJ e no Supremo Tribunal Federal (STF). Desse modo, a proposta vai além de regulamentar o filtro da relevância. A ideia do sistema de precedentes é que as decisões paradigmas do STJ e do STF sejam aplicadas pelos tribunais em casos semelhantes, de modo a uniformizar a jurisprudência e garantir a previsibilidade do direito.
Mendes explica que, hoje, embora a repercussão geral seja um critério obrigatório de admissibilidade no Supremo, há recursos extraordinários que não são julgados julgados pelo procedimento de formação de precedentes, ou seja, o regime da repercussão geral. Isso é comum nas turmas, que decidem muitos casos sem que eles se tornem um tema de repercussão geral, com uma tese de aplicação obrigatória pelos tribunais. O objetivo, explica o presidente da ABPC, é a aplicação de uma dinâmica semelhante aos recursos especiais com relevância no STJ.
“Ou seja, a relevância é obrigatória como requisito de admissibilidade de um recurso especial, mas nem todo recurso será submetido ao ‘regime da relevância’, que é a técnica de formação de precedente”, explicou Mendes.
Para o processualista, essa diferenciação afasta o temor de que o STJ não analisará mais casos concretos e que todo e qualquer recurso julgado no tribunal formará precedente.
Aline Dourado, membro da ABPC e secretária adjunta de Gestão de Precedentes do STF, participou da elaboração do anteprojeto e destaca que o seu ponto central é justamente a regulamentação da questão de relevância como técnica de formação de precedentes. “Essa definição tem importância para todo o sistema de justiça, na medida em que define as pautas de condutas a serem seguidas, a partir de precedente firmado pelo tribunal que a Constituição apontou como competente para interpretar a legislação infraconstitucional federal. Fazendo um paralelo, o STF, que tem a função precípua da guarda da Constituição, sob o regime da repercussão geral, aprecia o mérito de questões jurídicas em julgados que são de estrita observância por juízos e tribunais, trazendo segurança jurídica, pacificação social e eficiência”, disse.
Novas hipóteses de relevância presumida
O anteprojeto da ABPC também cria novas hipóteses de relevância presumida no recurso especial. A associação propõe que haja relevância sempre que o recurso especial impugnar acórdão proferido no âmbito de incidente de resolução de demandas repetitivas, de incidente de assunção de competência e de ações coletivas. A Constituição, no artigo 105, parágrafo terceiro, incluído pela EC 125/2022, já prevê a relevância presumida para as ações penais, de improbidade administrativa; cujo valor da causa ultrapasse 500 salários-mínimos; que possam gerar inelegibilidade; e para hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ.
O texto restaura ainda o cabimento da reclamação por descumprimento de precedente do STJ. O anteprojeto inclui o inciso V ao artigo 988 do CPC para definir que essa ação pode ser ajuizada para “garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de recurso extraordinário sob o regime de repercussão geral e de recurso especial sob o regime de relevância”. Hoje, o CPC autoriza a reclamação, entre outras hipóteses, para garantir a observância de súmula vinculante e de decisão do STF em controle concentrado (por exemplo, em ADI, ADC, ADO ou ADPF) e de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência. Mas não há referência ao recurso repetitivo ou à repercussão geral.
O anteprojeto prevê ainda que, caso o STJ negue relevância da questão federal por entender que a matéria é constitucional, o recurso será submetido imediatamente ao STF. A proposta também prevê a participação de terceiros – amici curiae, por exemplo – na análise da relevância e estabelece uma regra de transição. Pelo texto, a relevância só será exigida em recursos interpostos contra acórdão publicados após a entrada em vigor da emenda regimental do STF que regulamentará a lei do filtro da relevância.