A famosa hipótese dos mercados eficientes, proposta pelo ganhador do prêmio Nobel Eugene Fama, sustenta que o preço de um ativo reflete todas as informações sobre ele.
Como hipótese – já que não se trata de teoria – tal entendimento se difundiu mesmo sem a devida comprovação empírica e diante de críticas que procuraram refutar a hipótese por diferentes motivos, incluindo as evidências de que os mercados podem demorar semanas ou meses para absorver completamente as informações.
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Recentemente a hipótese dos mercados eficientes foi colocada em xeque em artigo de Clifford Asness (“The Less-Efficient-Market Hypothesis”)[1] , por meio do qual o autor pretende compartilhar seus conhecimentos e a sua experiência prática junto à AQR, sua gestora de fundos.
O autor parte da premissa de que a eficiência do mercado de capitais é algo importante para a sociedade, na medida em que é capaz de oferecer os corretos incentivos para a alocação de recursos, sendo uma questão central para a precificação de ativos e gerenciamento de investimentos. Afinal, se os preços não refletem a realidade, há reais consequências para a produtividade e o crescimento de longo prazo.
Entretanto, Asness sustenta que, ao longo dos últimos 30 anos, os mercados se tornaram menos eficientes do ponto de vista informacional, com graves impactos para a precificação de valores mobiliários, especialmente no horizonte de médio prazo.
Para chegar a tal conclusão, o autor não nega que, ao longo das últimas décadas, notadamente nos últimos 20 a 40 anos, a velocidade de acesso a informações disponíveis cresceu continuamente enquanto os custos para a obtenção das informações caíram. A questão é que velocidade não implica acurácia da informação.
Daí por que, apesar de toda a velocidade e facilidade de acesso à informação, o autor procura demonstrar empiricamente que os mercados se tornaram mais ineficientes e desconectados da realidade ao longo tempo, sendo necessário pensar em hipóteses que possam explicar as razoes de tal diagnóstico.
A primeira hipótese sugerida por Asness é a de que a indexação arruinou o mercado enquanto a segunda hipótese é a de que as taxas de juros baixas por um longo período geraram um excesso de liquidez que incentiva tomadas de risco exageradas, o que pode resultar em valorações artificiais e atrasos nas correções de mercado.
Entretanto, para o autor, é a terceira hipótese a verdadeira razão da menor eficiência dos mercados: as transformações tecnológicas, com destaque para as redes sociais e para a gamificação das negociações.
Para Asness, o atual contexto gera disfunções informacionais que reduzem a arbitragem ativa dos agentes do mercado sobre os preços, o que acaba resultando em distorções persistentes. Dentre tais disfunções, destaca-se o excesso de informações (information overload), o que compromete a capacidade dos agentes de processar tudo corretamente e de distinguir o que é ruído de informações úteis.
Mas não é só. Diante do excesso de informações, as redes sociais acabam sendo amplificadoras muito mais de ruídos do que de informações fidedignas, o que deflagra ou cria incentivos para reações excessivamente emocionais, irracionais, euforias e comportamentos de manada, facilitando a criação de bolhas e outros problemas que desestabilizam os mercados de capitais.
Dentre as razões que justificam o fato de as redes sociais funcionarem como veículos de diminuição – e não de aumento – de eficiência informacional estão o fato de que as bolhas informacionais se autoalimentam, especialmente quando determinadas informações são viralizadas, o que possibilita a alteração do preço dos ativos mesmo na ausência de fundamentos econômicos.
Sob várias perspectivas, a verdade efêmera das redes sociais acaba inibindo a ação dos arbitradores racionais, dando margem à persistência de narrativas que, mesmo descoladas da realidade, podem fazer com que os preços permaneçam equivocados por muito tempo.
Outros agravantes são os fenômenos da gamificação e da tribalização, pois, a partir do momento em que o ato de investir se transforma em algo próximo a um jogo ou a uma guerra cultural, cria-se mais espaço para juízos irracionais ou que priorizam abordagens excessivamente emocionais ou fundamentalistas.
O resultado de todas essas transformações, segundo Asness, é que as redes sociais são realmente as maiores responsáveis por estarem tornando o mercado mais irracional, mais volátil e menos eficiente. Na medida em que viram veículos de ruídos persistentes, são previsíveis e esperados os efeitos de distorção de preços e criação de desvios sistemáticos das análises econômicas tradicionais.
Para o autor, tal cenário pode inclusive trazer novas oportunidades para os agentes econômicos que entendam o que está acontecendo e adotem, em suas decisões de investimento, uma abordagem mais sistemática.
Daí por que chega a propor uma série de recomendações, dentre as quais estudar história e cultivar uma disciplina psicológica diferenciada, a fim de desenvolver a capacidade de resistir aos consensos efêmeros das redes sociais. Por meio da combinação de conhecimento, disciplina, paciência e ferramentas de inteligência artificial, seria possível que investidores tirassem vantagem das distorções.
Não obstante, o foco principal do artigo é mostrar que, a partir do momento em que aceitamos que os mercados não são eficientes ou pelo menos estão muito distantes do que se entendeu por mercados eficientes, há que se questionar ao menos sobre os níveis necessários de eficiência sem o que o mercado não consegue funcionar adequadamente.
Isso traz um alerta sobre a importância da qualidade do fluxo informacional para o adequado funcionamento dos mercados. E veja-se que o autor nem mesmo aprofundou preocupações com a coordenação ilícita de agentes econômicos e com o fato de que muitas das disfunções informacionais da realidade presente são intencionais, pois decorrentes da indústria da desinformação e das diversas alternativas para implementar novas formas de manipulação de mercado.
Nesse contexto, a assimetria informacional, muito mais do que uma falha de mercado, pode ser vista como uma característica estrutural de uma sociedade que concentra nas redes sociais o seu fluxo informacional. Além disso, há que se considerar o fato de que o maior problema da atualidade não é nem propriamente a assimetria informacional, mas sim a manipulação dolosa da informação por diversos expedientes.
Por essa razão, o provocativo texto de Asness faz muito mais do que questionar a hipótese dos mercados eficientes de Fama: ao mostrar que o atual estado de coisas está levando a uma menor eficiência dos mercados, abre um importante caminho para refletirmos sobre a regulação do fluxo informacional nas redes sociais, como uma necessidade para se manter o próprio mercado de capitais.
[1] https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=4942046