As manchetes e a prescrição das multas por infrações ambientais: o que isso tem a ver com ‘Adolescência’?

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Nas últimas semanas se multiplicaram as reações à minissérie Adolescência da Netflix. A obra ocupou o topo dos assuntos com mais engajamento nas redes e seu enredo são os desdobramentos decorrentes de um homicídio em que acusado e vítima são adolescentes e colegas de escola.

Nela se narra como as famílias, a comunidade escolar e o aparato de Justiça lidam com esse drama. Há um ponto de inflexão quando o filho do investigador, que estuda na mesma escola, explica ao pai o significado de emojis publicados pela vítima nas postagens do acusado, onde se revela uma espécie de código velado, que dá um novo sentido aos rumos da investigação. No decorrer da trama, outras crises de comunicação vão se evidenciando.

Na ficção a compreensão imprecisa de símbolos pode gerar impasses e nesse caso a arte imita a vida. Por exemplo, a imprensa não tem se expressado adequadamente em suas manchetes ao utilizar a palavra multa, num contexto de reparação civil, quando se refere à recente decisão do STF no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1.352.872.

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Explico: nesse julgamento, o STF fixou o Tema 1194, com a tese de que “é imprescritível a pretensão executória e inaplicável a prescrição intercorrente na execução de reparação de dano ambiental, ainda que posteriormente convertida em indenização por perdas e danos”.

Da Agência Brasil[1], até a Folha de S. Paulo[2], passando pela Carta Capital[3] e GloboNews[4], todos se referiram ao tema como uma decisão do STF que considera a multa ambiental imprescritível, quando na verdade, o Supremo tão somente reafirmou seu entendimento de que o dever de reparação, ainda que convertido em pecúnia, não é atingido pela prescrição.

O STF foi coerente em relação a julgados anteriores, especialmente ao do RE 654.833, entendendo pela imprescritibilidade da responsabilidade civil. Não se referiu em momento algum à responsabilidade administrativa: a multa, expressa através de ato administrativo (auto de infração), espécie do gênero “infrações administrativas”, prevista na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998[5]).

Já pudemos fazer um alerta em artigo sobre a imprecisão semântica quando se fala em meio ambiente e vale apena fazê-lo novamente.

Multa, no senso comum, é eminentemente um ato da Administração Pública[6] e, no caso de infrações à legislação ambiental, é imposta por órgãos que compõem os Sistema Nacional de Meio Ambiente, a teor da Lei 6.938/1981[7].

Tais multas prescrevem, é pacífico, inclusive por decisões dos próprios órgãos de controle ambiental. E mais, no caso do Ibama, ele mesmo reconhece a prescrição intercorrente de três anos. Alguns órgãos de outras esferas da administração entendem que suas multas prescrevem em cinco anos, na falta de uma legislação estadual ou municipal, respectivamente, que tratem do assunto.

Nesse particular, a não aplicação da norma federal (que prevê a prescrição intercorrente de três anos) por estados ou municípios, quando os respectivos ordenamentos jurídicos são omissos, é um entendimento questionável pois, considerando a característica sistêmica da gestão ambiental, o fato de infrações em âmbito federal serem tratadas de formas distintas à da escala estadual/municipal, acarreta insegurança jurídica que afeta a harmonia ontológica do SISNAMA, e ofende o direito fundamental da duração razoável do processo, afinal, a prescrição é uma conquista civilizatória, uma vez que o administrado não pode estar sujeito eternamente à penalização estatal.

Isso em nada tem a ver com reparação civil, pois é a própria Constituição Federal que separa as responsabilidades em matéria ambiental em três, quando diz, no §3º do artigo 225, que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

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Por sinal, no final de 2024 o STJ[8], através do REsp 2091242 / RS (2022/0230998-1), entendeu que um outro tipo de multa não prescreveria, mas não as aplicadas por atos administrativos de órgãos de controle ambiental do SISNAMA, mas aquelas fixadas em termos de ajustamento de conduta, com conteúdo de legislação ambiental, mas decorrente de uma transação de natureza contratual. Entretanto, na data de hoje, 3 de abril de 2025, o acórdão respectivo ainda não foi publicado para se fazer um juízo crítico.

Portanto, até por conta da polissemia do termo “multa”, mas principalmente pela tripartição das responsabilidades em matéria ambiental, os meios de comunicação devem esmerar-se nas redações, sob pena de gerar um impacto informativo pernicioso quando escolhem mal as palavras de suas manchetes, talvez no afã de encurtá-las.


[1] “Maioria do STF define que multa por crime ambiental é imprescritível”, em https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2025-03/maioria-do-stf-define-que-multa-por-crime-ambiental-e-imprescritivel 

[2] https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/03/maioria-no-stf-decide-que-multa-por-crime-ambiental-e-imprescritivel.shtml 

[3] Multa por crime ambiental é imprescritível, decide STF, em https://www.cartacapital.com.br/justica/multa-por-crime-ambiental-e-imprescritivel-decide-stf 

[4] “STF: multa por crime ambiental é imprescritível”, era o que se lia do banner do programa “Globo News em pauta”, no dia 27 de abril de 2025, às 21:22h, enquanto o jornalista especializado André Trigueiro desenvolvia o assunto.

[5] Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:

I – advertência;

II – multa simples;

III – multa diária;

[…]

[6] Naturalmente há multas contratuais, por inadimplemento, e mesmo as advindas de uma condenação penal, mas, no senso comum, o termo remete automaticamente à ação de um “guarda” de trânsito, a gente da Administração,

[7] Art. 6º Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado:

[8] Eis a proclamação do resultado provisório: https://www.youtube.com/watch?v=XKOpJKCmQkQ .