Art. 942 do CPC: nova sustentação oral e o in dubio pro contraditório

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Desde a edição do CPC/15, a aplicação da técnica de julgamento do art. 942 já suscitou muitas discussões, algumas delas já enfrentadas e sedimentadas pelo STJ.[1]

Porém, existe uma questão relacionada à possibilidade de sustentação oral para os “novos julgadores” – que serão convocados na hipótese de divergência –, que ainda precisa ser harmonizada em prol da isonomia e da segurança jurídica (art. 926 do CPC).

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De acordo com o caput do art. 942 do CPC, quando o resultado da apelação não for unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, “assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores”. O dispositivo é claro quanto ao direito de nova sustentação oral.

Já o § 1º do art. 942 estabelece que, “sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado”. Nessa hipótese, também não há dúvidas de que, se os novos julgadores não estavam presentes no início do julgamento, mas foram convocados para participar daquele feito, deve haver nova sustentação oral naquela mesma sessão.[2]

Na prática, CPC/15 estabeleceu dois caminhos possíveis em caso de divergência: a) prosseguimento do julgamento em nova sessão com a convocação de outros julgadores; e b) “sendo possível”, o prosseguimento do julgamento na mesma sessão, “colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado” (art. 942, § 1º). Essas diferentes dinâmicas se justificam porque há Tribunais em que as turmas/câmaras são compostas por apenas três desembargadores, por cinco desembargadores e até mais.

Portanto, a partir da moldura normativa delineada pelo legislador, ou se designa nova sessão, com a convocação de outros julgadores, franqueando-se nova sustentação oral, ou se julga tudo na mesma sessão (inclusive podendo haver nova sustentação oral), se houver quórum suficiente e se for possível.

A expressão “sendo possível”[3] revela que, mesmo com a presença de cinco ou mais julgadores na sessão originária, o julgamento pode não continuar naquela mesma sessão. Pode ocorrer, por exemplo, de algum julgador que não compunha, inicialmente, o quórum originário se ausentar da sala no momento do julgamento ou perceber que não tem condições de votar sem examinar os autos com mais vagar e atenção.

Assentadas tais premissas, vale registrar que o CPC não estabelece o que deve acontecer se, na primeira sessão – em que só três julgadores compunham o quórum originário, mas cinco ou mais julgadores estavam “presentes” – o julgamento for adiado em razão de pedido de vista, instalando-se a divergência apenas em sessão futura. Nessa hipótese específica, deve haver ou não nova sustentação oral para os “outros” julgadores que não compunham o quórum originário?

A prática revela que alguns tribunais admitem automaticamente nova sustentação oral, inclusive para evitar eventual nulidade. Porém, outros tribunais entendem que não haveria necessidade de nova sustentação oral, se os dois julgadores que deverão ser convocados para ampliar o quórum já estavam “presentes” na sessão originária[4].

Não há realmente uma uniformidade procedimental, o que se reflete, inclusive, nos regimentos internos dos tribunais. Por exemplo, alguns tribunais preveem a hipótese de nova sustentação oral “sempre que o feito tenha prosseguimento em outra sessão, como no caso do art. 942 do CPC[5], sem fazer qualquer ressalva quanto à presença (ou não) dos julgadores adicionais na sessão originária.

Outros tribunais dispõem que, caso seja identificada a divergência a partir dos votos antecipados eletronicamente, o “Diretor da Secretaria registrará a divergência na ata da sessão e incluirá o Quarto e o Quinto Julgador na Turma Julgadora antes da sua abertura, viabilizando que se prossiga com o julgamento presencial na mesma oportunidade”.[6] Há tribunais, ainda, que entendem que, “após a composição do quórum estendido, prosseguirá o julgamento, devendo ser renovados o relatório e a sustentação oral, se os novos julgadores não os tiverem assistido anteriormente”.[7]

A questão ainda é controvertida.

Respeitadas as opiniões em contrário, entendemos que deve ser garantida nova sustentação para os “novos julgadores” que não compunham o quórum originário de três desembargadores e que só passaram a fazer parte do quórum ampliado em sessão futura após a instalação da divergência.

Explica-se.

A finalidade do art. 942 do CPC é ampliar e qualificar o debate, densificar o diálogo e viabilizar uma discussão plural.[8] O que se quer, em última análise, é incrementar e maximizar o contraditório, garantia fundamental do processo civil.

Nesse particular, a sustentação oral é instrumento de concretização dos princípios do contraditório[9] e da ampla defesa, pois visa a assegurar o direito da parte de influir[10] na construção do pronunciamento judicial.[11]

Nesse contexto, a partir da noção de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, deve-se entender que a expressão “outros julgadores” – a que alude o art. 942 do CPC – abarca tanto os julgadores que não estavam presentes na sessão originária (e que, portanto, vieram a ser convocados posteriormente para participar do julgamento estendido), como aqueles que estavam presentes na sessão originária, mas que só passaram a compor efetivamente a turma julgadora em sessão posterior, em decorrência de voto-vista inaugurando a divergência.

Para além das justificativas jurídicas (maximizar o contraditório, qualificar o debate etc.), existe uma explicação de ordem prática. Diante da grande quantidade de recursos julgados em uma sessão de julgamento, é natural que julgadores que não compõem o quórum originário não dediquem a mesma atenção às sustentações orais.

Não raro, julgadores que não integram o quórum originário se ausentam da sala por instantes[12] ou aproveitam o tempo para checar questões referentes a julgamentos de sua relatoria. Muitas vezes, ainda, esses julgadores “ouvem” a sustentação oral, mas não “escutam”, justamente por não comporem o quórum de julgamento quando o caso é chamado pelo presidente da sessão.

Recentemente, a matéria foi apreciada pela 3ª Turma do STJ, que determinou a anulação do julgamento realizado pelo TJSP, em razão de não ter sido franqueada nova sustentação oral na sessão subsequente em que se inaugurou a divergência, após voto-vista de um dos julgadores.

No referido caso, a apelação cível foi incluída na sessão do dia 12.09.2023, oportunidade em que o advogado da recorrente fez sua sustentação oral na presença de 5 (cinco) julgadores. Após o voto da relatora, pediu vista o 1º Vogal, tendo sido o julgamento retomado na sessão do dia 07.11.2023, na qual se inaugurou a divergência. O TJ/SP não autorizou a realização de nova sustentação oral nessa última sessão, sob o argumento de que os cinco julgadores estavam presentes na sessão originária.

De acordo com o acordão do STJ, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, “o prejuízo reside na própria ausência de oportunidade do patrono da parte embargada em convencer os julgadores que não participaram do primeiro julgamento, independentemente da existência ou não de novos argumentos. Pelas certidões de e-STJ Fls. 560 e 566, extrai-se dos autos que houve a necessidade de ampliação do colegiado para julgamento não unânime da apelação, sem que na segunda ocasião fosse oportunizada a sustentação oral ao patrono da parte contrária, conforme dispõe literalmente o art. 942 do CPC”.

Extrai-se da decisão do STJ a compreensão de que, independentemente da presença de cinco ou mais julgadores na sessão originária, deve ser franqueada nova sustentação oral para os “outros julgadores”, caso o julgamento seja adiado em razão de pedido de vista, aplicando-se a técnica do art. 942 do CPC em sessão futura, diante da divergência instaurada.

Ainda que não se trate de precedente vinculante, o posicionamento da 3ª Turma do STJ é uma sinalização importante a ser observada pelos tribunais, evitando-se futuras nulidades.[13]

No processo civil contemporâneo, a interpretação deve prestigiar, sempre que possível, a ideia do in dubio pro contraditorio. A propósito, o CPC estabelece, em seu artigo inaugural, que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, dentre eles o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV), o que é repisado pelo art. 7º do código (“zelar pelo efetivo contraditório”). E, sem dúvida, a sustentação oral é mecanismo que objetiva assegurar o contraditório.


[1] O STJ já reconheceu, por exemplo, que a) na dinâmica do art. 942 os novos julgadores podem se manifestar sobre qualquer questão, não ficando limitados ao ponto da divergência (REsp 1.798.705/SC e REsp 1.934.178/DF); b) o artigo 942 se aplica no julgamento da apelação em mandado de segurança (REsp 1.868.072/RS); c) os embargos de declaração opostos contra o acórdão de julgamento proferido em julgamento ampliado deve observar o mesmo quórum estendido (REsp 2.024.874/RS); a mudança de entendimento de algum dos julgadores depois de iniciado o julgamento ampliado não afasta a aplicação do art. 942 (REsp 1.771.815/SP); d) em recuperação judicial, aplica-se o art. 942 no agravo interposto contra decisão que, por maioria, reforma a decisão de primeiro grau em impugnação de crédito (REsp 1.797.866/SP).

[2] No limite, pode-se entender que, se todos os julgadores estavam presentes e escutaram a sustentação oral realizada, sentindo-se aptos a votar, o julgamento poderia prosseguir (sem nova sustentação) e ser encerrado naquela mesma sessão. Mas, mesmo assim, poder-se-ia compreender que há um déficit de contraditório porque seria vedado ao advogado se manifestar sobre os pontos de divergência.

[3] “Tenho que o legislador em 2015 não estava preocupado, apenas, com a celeridade do julgamento ao estabelecer a possibilidade de a técnica de extensão ocorrer na mesma sessão em que verificada a não unanimidade. O móvel da previsão legislativa não era, ainda, a realização da sessão na mesma data ‘em sendo’ possível localizar, de imediato, julgadores outros disponíveis para dele participar. Entendo que o legislador estava, sim, imbuído do espírito que se fez evidenciar em multifárias passagens no CPC de 2015 no sentido do primado do devido processo legal, e centrado, notadamente, no constitucional direito ao contraditório e à ampla defesa (…)”. STJ, REsp 1733136/RO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 24/09/2021.

[4] TJ/RJ, AC nº 0093903-04.2011.8.19.0001, Des. Murilo André Kieling Cardona Pereira, Vigésima Segunda Câmara de Direito Privado, Julgamento: 25/07/2023; TJ/SP, EDcl 1060966-61.2022.8.26.0576, Rel. Des. Claudio Augusto Pedrassi; 2ª Câmara de Direito Público; Julgamento: 14/11/2023; TJPR, EDcl nº 0000000-01.7279.9.5-.3/01, Rel. Des. Luciano Carrasco Falavinha Souza, 12ª Câmara Cível, Julgamento: 05.06.2019.

[5] Art. 150 do RITJSP.

[6] Art. 196 do RITJBA.

[7] Art. 227 do RITJPR.  No mesmo sentido o artigo 168 do RITJAL.

[8] “A técnica do julgamento tem como intenção privilegiar, sobretudo, o debate ampliado de ideias, com o reforço do ‘contraditório, assegurando às partes o direito de influência para que possam ter a chance de participar do convencimento dos julgadores que ainda não conhecem o caso’.” STJ, REsp 1.890.473/MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 20/8/2021.

[9] CABRAL, Antonio do Passo. O contraditório como dever e a boa-fé processual objetiva. Revista de Processo. Vol. 126/2005. Ago./2005, p. 59 – 81.

[10] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 281/282.

[11] Sobre a importância da sustentação oral no julgamento estendido, vale conferir o Enunciado nº 682 do FPPC: “É assegurado o direito à sustentação oral para o colegiado ampliado pela aplicação da técnica do art. 942, ainda que não tenha sido realizada perante o órgão originário.” O STJ já consignou que, “ainda que a aplicação da técnica de julgamento ampliado venha a ocorrer na mesma sessão, deve ser garantida a possibilidade de sustentação oral perante os julgadores convocados para completar o quórum de julgamento”. REsp 1.770.204/MT, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 24/9/2021.

[12] Nesse ponto, pensamos que não é cível imputar aos advogados o ônus de comprovar que os julgadores adicionais se ausentaram da sessão de julgamento originária e, portanto, não escutaram integralmente as sustentações orais. Vale lembrar que, de acordo com o art. 162, § 4º, do Regimento Interno do STJ – que pode ser aplicado por analogia aos tribunais –, “não participará do julgamento o Ministro que não tiver assistido à sustentação oral”.

[13] Entendemos que a nulidade não deverá ser decretada, caso seja possível julgar o mérito em favor da parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nesse sentido (arts. 282, § 2º, e 488 do CPC).