Arbitragem tributária e precedentes: o que esperar?

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O cenário atual de futuras mudanças legislativas no contencioso fiscal traz à tona o debate sobre o PL 2486/2022, recentemente aprovado pelo Senado, e, quanto a ele, a análise específica da necessária observância dos precedentes judiciais no ambiente da arbitragem tributária e aduaneira.

O tema não é novo, e a doutrina se divide entre aqueles que entendem possível essa vinculação, pois o sistema de precedentes deve ser observado onde houver conflito pendente entre fisco e contribuinte; e outros, que insistem na total liberdade do juízo arbitral, já que a função do árbitro é solucionar o conflito que lhe foi apresentado com autonomia, sem a necessidade de ser coerente com o ordenamento jurídico.

De fato, a arbitragem se submete aos princípios constitucionais, dos quais também decorre o sistema de precedentes. Além disso, como imposto pelo art. 5º, inciso II, do PL 2486, o procedimento arbitral sujeita-se, também, à legislação brasileira e, por conseguinte, à observância dos precedentes se torna imediata.

Isso porque, com a evolução do conceito de norma jurídica, tem-se que os precedentes judiciais incorporados em nosso ordenamento pelo CPC/2015 a elas (normas jurídicas) se assemelham. E, pela própria redação dos arts. 926 e 927 do CPC, os precedentes adquirem força normativa, o que expressamente impõe sua observância na resolução de casos pendentes.

Mas, ainda que se permitam discussões sobre tal obrigatoriedade, esta se faz mais relevante quando do recorte específico na seara tributária, já que os precedentes judiciais são a forma adotada para pacificação final dos conflitos nesse ambiente.

Primeiro porque, quando um caso é decidido sob o regime da repercussão geral ou repetitividade, alcança grande número de contribuintes que discutem o tema, o que afeta a igualdade e a segurança jurídica. Por outro lado, porque os precedentes tendem a simplificar o sistema tributário. E, por fim, envolvem matéria de interpretação da Constituição ou da legislação federal, devendo ser aplicados aos demais casos pendentes.

Segundo, porque o principal objetivo da opção pela arbitragem é o acesso a um meio de solução de conflito mais célere que, consequentemente, auxilie na diminuição do elevado contencioso fiscal. E é justamente em relação a este aspecto que reside a importância da adoção do sistema de precedentes.

Caso não fossem obedecidos pelo juízo arbitral, não seria possível uniformizar entendimentos, criar previsibilidade e confiança no direito e primar pela igualdade e isonomia, atingindo a tão estimada pacificação dos conflitos.

Feitas as considerações sobre a necessária vinculação do juízo arbitral aos precedentes, é necessário pontuar que o PL 2486 traz, em seu art. 5º, inciso II[1], a expressa previsão de que os precedentes judiciais são norma jurídica para fins de julgamento arbitral, impondo ao árbitro o dever de sua vinculação, nos termos do art. 927, do CPC, sob pena de se considerar nula a sentença arbitral (art. 29, X); o que é um avanço e apazigua as controvérsias sobre o tema, trazendo maior segurança.

Ademais, o art. 31[2] do mesmo PL prevê expressamente a aplicação do que restou decidido nos Temas de repercussão geral 881 e 885, enfatizando a observância aos precedentes constitucionais nas relações de trato continuado, impondo a interrupção dos efeitos da sentença arbitral que contrariar tais entendimentos

Desta forma, fica evidente que a arbitragem tributária deve se submeter aos precedentes judiciais, e é essa a mensagem do referido Projeto de Lei, aprovado pelo Senado e enviado para a análise da Câmara dos Deputados.

Por outro lado, questiona-se quais situações são interessantes de se submeter à arbitragem tributária. Isso porque, se os precedentes devem ser seguidos independentemente da via adotada, o resultado da solução do conflito na arbitragem ou pelo Judiciário deve(ria) ser o mesmo. A opção se afigura interessante, então, em razão do rito, supostamente mais célere quando não há intervenção do Judiciário? Mas e se a controvérsia está apenas afetada perante os Tribunais Superiores, mas ainda não julgada?

Tais provocações poderiam ser objeto de debate em outro artigo, mas desde já nos parece que a arbitragem tributária se restringirá a casos específicos, envolvendo matéria de prova técnica de alta complexidade e de elevado valor para as partes, que assim podem contar com todos os seus benefícios.

[1] Art. 4º A arbitragem de que trata esta Lei observará as seguintes condições:  I – é vedada a arbitragem por equidade; II – as normas de direito material para fundamentar a decisão arbitral serão as do ordenamento jurídico brasileiro, inclusive aquelas objeto de precedente qualificado de que trata o art. 927 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil); (…)

[2] Art. 21. A sentença arbitral submete-se ao mesmo regime jurídico de cessação de eficácia da coisa julgada aplicável à sentença judicial em virtude da superveniência do trânsito de julgado de precedente firmado sob o rito da repercussão geral ou de controle concentrado de constitucionalidade em sentido contrário ao definido na sentença.