Na última semana, o Senado Federal aprovou a PEC 8/2021, proposta pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que prevê alterações em determinados procedimentos de tribunais. Resumidamente, o texto da proposta aprovada estabelece:
um prazo de seis meses para julgamento de ações que peçam declaração de inconstitucionalidade de lei, após o deferimento de medidas cautelares;
a possibilidade de decisões monocráticas pela suspensão de eficácia de lei durante o recesso do Judiciário, em casos de grave urgência ou risco de dano irreparável — com prazo de 30 dias para o julgamento colegiado após o fim do recesso, sob pena de perda da eficácia da decisão;
e a incidência de regras similares em caso de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de ações que requeiram a suspensão da tramitação de propostas legislativas ou que afetem políticas públicas ou criem despesas para qualquer Poder.
No momento da propositura da emenda, o texto tinha como objeto central a regulamentação do formato e do prazo de pedidos de vista. Entretanto, a medida foi retirada do relatório apresentado para votação no Senado.
Referências a decisões com efeito erga omnes e a “atos normativos”, de forma mais ampla, também foram retiradas do texto por emendas. Por fim, uma emenda da presidência da Casa acrescentou o requerimento de citação às Advocacias do Senado e da Câmara dos Deputados, em julgamentos sobre inconstitucionalidade de leis.
Por um lado, é possível afirmar que a Emenda Constitucional propunha medidas consideradas necessárias — de forma praticamente consensual — ao aperfeiçoamento institucional das cortes brasileiras. Por outro lado, a aprovação da proposta pelo Senado pode ser considerada uma represália do parlamento ao STF, contando com aspectos controversos em suas justificativas, desde a data de sua propositura em 2021:
“No Brasil, são enormes os riscos à separação de Poderes e ao Estado de Direito provocados pelo ativismo irrefletido, pela postura errática, desconhecedora de limites e, sobretudo, pela atuação atentatória ao princípio da colegialidade verificado no Supremo Tribunal Federal”.
O necessário e consensual aperfeiçoamento institucional
Atualmente, as reformas que constam no texto aprovado da PEC 8/2021 são praticamente consensuais, inclusive no Judiciário. Alterações no regimento interno do STF já haviam restringido decisões individuais e limitado o prazo para análise de decisões monocráticas pelo colegiado e devolução de pedidos de vista a 90 dias — prazo menor do que o da previsão excluída antes da votação do Senado.
Além de serem praticamente consensuais entre a academia e a prática, é possível afirmar que medidas visando o aperfeiçoamento institucional do Judiciário já surtiram efeito positivo. Em reportagem publicada após a aprovação da PEC, Carolina Brígido apontou que a alteração do regimento interno já havia reduzido em “65% a quantidade de decisões liminares monocráticas” na corte.
Medidas que aumentam a eficiência, transparência e, de forma mais ampla, o acesso à justiça no Brasil são tanto necessárias quanto efetivas. Discutir e implementar tais medidas, portanto, é imperativo.
Entretanto, também é necessário atentar para as razões pelas quais esse tipo de medida vem sendo debatida — se há um real interesse no aperfeiçoamento do sistema de justiça ou se são ações de cunho retaliatório ou com intuito meramente eleitoreiro.
O Supremo e seus detratores
Como apontado anteriormente, nos últimos anos, foi possível observar um grande avanço de declarações e pautas contrárias ao Supremo Tribunal Federal, seus ministros e suas decisões, liderado por movimentos e políticos de extrema direita, publicamente encabeçado pelo Congresso mais conservador da história recente do país.
À medida que a corte ampliava sua influência, se tornava, de forma cada vez maior, alvo de críticas ilegítimas e retaliações. De fato, há uma série de ponderações legítimas e necessárias sobre diversos aspectos da atuação do STF (ilustradas inclusive pela atuação da corte na citada reforma de seu regimento interno). Entretanto, é inegável que o tribunal tenha desempenhado um papel fundamental em defesa da democracia — atuação tida como necessária já há algum tempo.
Assim, é previsível que tanto aqueles que tenham pouca estima pela democracia quanto os que vejam benefícios de cunho autopromocional-eleitoreiro se apresentem como críticos legítimos do tribunal — o que evidentemente não são.
Como exposto, esse foi o caso da PEC 8/2021 desde sua propositura. Não se tratava de uma emenda que visava exclusivamente o aperfeiçoamento da instituição, mas de uma represália ao Supremo, em meio a um contexto de erosão constitucional. Reagir a iniciativas com esse intuito é necessário; porém, é fundamental compreender esse contexto mais amplo no qual elas estão inseridas.
A reação do STF
De tal forma, é possível afirmar que a reação do STF talvez não tenha sido a mais estratégica possível. Em um primeiro momento, os discursos dos ministros Barroso, Gilmar Mendes e Moraes, apontando para a falta de necessidade da PEC e denunciando seu caráter político, como novo capítulo da ofensiva bolsonarista contra o tribunal, podem ser considerados parte do jogo. Entretanto, até em razão da redundância da PEC, a reação poderia ter se limitado a isso, se restringindo a apontar o evidente teor retaliatório da proposta — desde a sua concepção.
Menos habilidosos, porém, foram os movimentos do dia seguinte, quando ministros passaram a abastecer comentaristas e jornalistas com passagens “em off” nas quais, entre outras coisas, proclamavam um fim de “lua de mel” entre o governo e o tribunal, sugerindo que poderiam agora decidir ações de maneira desfavorável ao executivo. Analistas recordaram, com especial preocupação, que algumas das ações que aguardam julgamento pelo STF possuem alto impacto fiscal e poderiam destruir os esforços do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em equilibrar as contas públicas.
Por um lado, os comentários dos ministros deram munição pesada às mesmas forças bolsonaristas que apoiaram a PEC, contra os quais eles haviam se insurgido no dia anterior. Assim, a continuação da reação alimentou, nesses círculos, o devaneio de que haveria um conluio entre o tribunal, o atual governo e a própria imprensa, conluio este que estava por trás da fictícia “fraude eleitoral” que vitimou Bolsonaro em 2022.
Por outro lado, uma retaliação do tribunal ao governo, em razão da aprovação da PEC, serviria de fato aos interesses dos bolsonaristas, já que nada pode ser mais conducente ao retorno desses segmentos ao poder do que uma relação agonística entre os Poderes e um governo que fracasse na correção dos rumos econômicos do país e na entrega de bons resultados de políticas públicas, para o que a disponibilidade de recursos financeiros é condição indispensável.
Em conclusão, é possível afirmar, com base na nossa história recente, que desde os discursos e medidas com pretensões eleitoreiras às reações da corte a esses podem ter consequências trágicas para a nossa democracia. Nesse sentido, vale recordar a nota “em Defesa da Democracia” assinada pelos presidentes dos Três Poderes da República, após os atos de 8 de janeiro, que afirmava:
“Conclamamos a sociedade a manter a serenidade, em defesa da paz e da democracia em nossa pátria.
O país precisa de normalidade, respeito e trabalho para o progresso e justiça social da nação”.