O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) ajuizou, nesta terça-feira (9/9), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7873 no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Emenda Constitucional 136/2025, derivada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023, que altera o regime fiscal dos precatórios e propõe um modelo gradual de incorporação dessas despesas à meta de resultado primário a partir de 2026.
A PEC foi promulgada pelo Congresso Nacional também nesta terça-feira (9/9) e permite que estados e municípios posterguem indefinidamente o pagamento de precatórios já reconhecidos judicialmente. O ministro Luiz Fux é o relator da ação.
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Para a OAB, o conjunto normativo afronta de forma direta o texto constitucional e a jurisprudência consolidada a respeito do tema, ao introduzir alterações “inadmissíveis” no regime de precatórios. Em nota técnica enviada ao Congresso Nacional antes da promulgação da proposta, a OAB já havia apontado violações a cláusulas pétreas da Constituição, como a coisa julgada, a separação de poderes, o direito de propriedade e a isonomia entre credores.
A petição, assinada pelo presidente da OAB, Beto Simonetti, e pelo procurador constitucional da Ordem, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, sustenta que a nova sistemática reedita mecanismos já considerados inconstitucionais pelo STF, como nos julgamentos das ADIs 4357, 7064 e 7047.
A Ordem também defende que, com a PEC 66/2023, institui-se uma nova e ainda mais gravosa moratória, pois ela não apenas posterga o pagamento devido, como também elimina qualquer perspectiva temporal de quitação efetiva e recebimento do débito, enquanto retira ainda a devida atualização monetária aplicável sobre o valor do precatório.
“Ou seja, não apenas o credor ficará sem perspectiva alguma de recebimento dessa dívida do ente subnacional, como ainda sofrerá com perdas pela diferença entre a remuneração adequada do valor no período em que aguarda”, afirma. Além disso, a OAB considera que o prejuízo aos cidadãos com a postergação do pagamento do benefício é evidente.
Segundo a Ordem, a EC 136/2025 – que altera regras para o pagamento de precatórios e possui o texto originário da PEC 66 – representa apenas mais um capítulo no “conturbado histórico do regime constitucional dos precatórios”, que beira o insustentável diante do tamanho da dívida e das sucessivas postergações que ocorrem há mais de 30 anos, a partir de um “círculo vicioso e em flagrante prejuízo aos credores públicos”.
“Mais uma vez, enfrenta-se um quadro de enorme insegurança jurídica a ensejar a atuação imediata e coerente do Poder Judiciário”, sustenta Ordem. “A adoção das restrições impugnadas na presente ação, longe de contribuir para a resolução do problema, apenas perpetuará o inadimplemento, agravando a insegurança jurídica e o desrespeito às decisões judiciais transitadas em julgado.”
A entidade afirma ainda que, desde 1989, foram criados mecanismos específicos para viabilizar o pagamento dos precatórios em atraso, com o objetivo de que, após o término dos prazos das moratórias, todos os entes públicos passassem a se submeter ao regime comum, estabelecido pelo constituinte originário para todos os entes, indistintamente.
Em relação à EC 136/2025, argumenta que ela acabou por criar um regime novo de precatórios para os entes subnacionais, incompatível com o regime geral e com o regime especial ao introduzir um teto escalonado para quitação de precatórios por estados, Distrito Federal e municípios, fixando percentuais máximos anuais decrescentes do ente devedor, a depender do volume do estoque de precatórios em atraso.
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Para a Ordem, essa limitação faz com que o montante da dívida pública proveniente de condenações judiciais jamais seja plenamente quitado, renovando indefinidamente o passivo estatal. Desse modo, aponta que a limitação, um dos pontos considerados mais graves da emenda pela OAB, viola frontalmente direitos fundamentais dos credores, pois transforma o cumprimento de decisões judiciais em algo praticamente inexequível.
Além disso, sustenta que a EC não apenas reedita a postergação do pagamento de precatórios, mas a amplia de forma irrazoável e desproporcional, a ponto de “mais uma vez converter a exceção em regra e normalizar o inadimplemento estatal sem que haja compensação do credor para tal, na medida em que o credor, que espera há anos o recebimento pelo seu direito, terá agora quase 2 anos sem aplicação de juros moratórios”.
“A segurança jurídica, pilar do Estado Democrático de Direito, é igualmente solapada por uma sistemática que institucionaliza o descumprimento de obrigações reconhecidas judicialmente e incentiva o calote público continuado”, diz a Ordem.
Parecer técnico da OAB
Na ADI 7873, a OAB reforça que solicitou elaboração de parecer técnico aos professores Rodrigo Luís Kanayama e Egon Bockmann Moreira, com o objetivo de avaliar os contornos jurídicos-constitucionais do regime de pagamento de precatórios delineado pela então PEC 66/2023.
Segundo a entidade, o estudo entregue à Comissão Nacional de Estudos Constitucionais concluiu pela inconstitucionalidade da emenda nos pontos em que inviabiliza a quitação do passivo, e identificou violações frontais às cláusulas pétreas.
De acordo com o parecer elaborado, ao instituir um teto anual diminuto e insuficiente para a quitação de débitos judiciais, a nova Emenda “perpetua um estado de inadimplemento crônico que fere de morte a garantia da coisa julgada e o direito de propriedade dos credores”, esvaziando a autoridade das decisões judiciais transitadas em julgado e subtraindo dos jurisdicionados a perspectiva de verem realizados os seus créditos.
A OAB sustenta também que a segurança jurídica é “igualmente solapada por uma sistemática que institucionaliza o descumprimento de obrigações reconhecidas judicialmente e incentiva o calote público continuado”. Reforça a entidade que o parecer indica que diversos dispositivos da EC 136/2025 restringem a atualização monetária dos débitos e subtraem a incidência plena de juros moratórios, prorrogam o período da graça constitucional e criam previsões de acordos diretos predatórios em relação aos credores.
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“O estudo conclui que as alterações promovidas não representam uma solução para o passivo de precatórios, mas sim a institucionalização de um problema ainda maior, consubstanciado em mecanismos de amortização negativa, em que os pagamentos previstos são estruturalmente inferiores aos encargos de juros e correção”, diz em trecho da ação.
Por isso, a entidade requereu ao Supremo a suspensão imediata da eficácia de dispositivos da PEC dos Precatórios, por meio de medida cautelar, até o julgamento definitivo da ação.
O que diz a PEC dos precatórios promulgada no Congresso
O texto estabelece que os precatórios da União permanecerão fora do limite de gastos até 2026, com base no ‘waiver’ reconhecido pelo STF em 2023. Ou seja, vale a regra de subteto e o que exceder isso não é considerado para aferição do cumprimento do resultado entre receitas e despesas. A partir de 2027, o valor total dessas dívidas começa a ser incorporado à meta primária de forma gradual, de 10% ao ano.
A proposta também antecipa a expedição dos precatórios de abril para fevereiro, para dar mais previsibilidade à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano seguinte. A partir de 2027, o texto estabelece que ao menos 10% do total das despesas com precatórios será incorporado na meta fiscal a cada ano, de forma gradual e cumulativa.
O texto também altera o indexador utilizado na correção dos precatórios pelo IPCA acrescido de 2% de juros ao ano. No entanto, o texto prevê uma espécie de modelo híbrido com a possibilidade de substituição pela Selic – utilizada hoje – caso o índice seja superior a ela. Além disso, também estabelece o limite de pagamento de precatórios devidos por estados e municípios conforme o estoque, podendo chegar a 5% da RCL do ano anterior.
A PEC ainda prevê a possibilidade de parcelamento das demais dívidas dos municípios com a União, por 30 anos, nos mesmos termos do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). O texto é apoiado pelas entidades municipais, Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), e sua análise contou com a presença de prefeitos.
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A PEC é de autoria do senador Jader Barbalho (MDB-PA), assinada conjuntamente com outros senadores, incluindo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Foi aprovada pelo Senado em 2024, por unanimidade, com 63 votos a favor. O texto, no entanto, não previa a abertura de espaço fiscal – um dos trechos inseridos pelo relator na Câmara, deputado Baleia Rossi (MDB-SP). A Câmara aprovou a proposta no dia 15 de julho.
Quando foi analisada pelo Senado, em 2024, o relator foi o senador Carlos Portinho (PL-RJ) – que herdaria a relatoria novamente nesta segunda passagem pela Casa. No entanto, o posto foi passado para Jaques Wagner uma vez que Portinho resistia à mudança de retirada dos precatórios da meta fiscal.