Após aprovação do PL do Carf, governo apostará em novas transações

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Aprovada a lei que promove alterações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a Fazenda deve apostar suas fichas na abertura de novos editais de transação tributária. O foco, porém, não deve ser a transação voltada a casos resolvidos por voto de qualidade, conforme possibilitado pela Lei 14.689/23, mas sim a transação do contencioso, por meio da qual é eleito um tema sem jurisprudência consolidada na Justiça, e os contribuintes podem optar por encerrar cobranças com condições privilegiadas.

Ainda em 2023 devem ser lançados até dois novos editais, com o primeiro sendo disponibilizado aos contribuintes até o final de outubro. O foco, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), será o PIS e a Cofins. A previsão do governo é de arrecadação de R$ 12 bilhões com a medida.

Com uma legislação complexa e uma base de cálculo ampla, o PIS e a Cofins estão entre os tributos mais polêmicos do nosso sistema tributário, com debates frequentes no Judiciário e na esfera administrativa. Só no Supremo Tribunal Federal (STF), as contribuições são alvo de disputas com impacto superior a R$ 600 bilhões, segundo o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024. Vale lembrar que essas estimativas consideram não só o fluxo, mas o pagamento retroativo de cinco anos, caso o governo perca os julgamentos.

Entre as maiores teses em debate na Corte Superior envolvendo os tributos estão a exigência de lei complementar para disciplinar o PIS/Cofins importação (RE 565.886), com impacto de R$ 325 bilhões, e algumas das chamadas “teses filhotes” da decisão por meio da qual o Supremo definiu a retirada do ICMS da base de cálculo das contribuições. Estão na corte casos sobre a inclusão do PIS/Cofins em suas próprias bases de cálculo (RE 1.233.096), com impacto de R$ 65,7 bilhões segundo o PLDO 2024, e ISS na base das contribuições (RE 592.616), com impacto de R$ 35,4 bilhões.

Já a esfera administrativa está repleta, entre outros, de casos sobre o conceito de insumos para fins de PIS/Cofins, permitindo a tomada de créditos dos tributos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou, de forma ampla, o tema em 2018 (REsp 1221170), definindo que é insumo para PIS e Cofins tudo que é essencial e relevante para as empresas. O precedente foi julgado sob o rito dos recursos repetitivos, o que significa que as demais instâncias e o Carf devem utilizá-lo em casos sobre o tema.

Apesar de favorável aos contribuintes, o posicionamento não botou um ponto final no debate. Empresas e Fazenda continuam a brigar para definir o que pode ser considerado essencial e relevante em cada ramo de atividade produtiva. Segundo advogados ouvidos pelo JOTA, esse seria um interessante tema para abertura de uma transação tributária.

O debate sobre insumos de PIS e Cofins é um dos 19 grandes temas envolvendo as contribuições elencados pela PGFN, e que são estudados para futuras transações. Os debates somam R$ 800 bilhões, conforme afirmou a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Ruas de Almeida, durante o evento Diálogos Tributários, realizado pela Casa JOTA em 20 de setembro.

A procuradora, por outro lado, descartou uma transação em torno do segundo maior tema – em termos de valor à União – em debate no STF sobre PIS e Cofins: a incidência das contribuições às instituições financeiras (REs 609.096 e 880.143), com custo de R$ 115,2 bilhões aos cofres públicos. O tema foi analisado pelo STF em junho, porém estão pendentes embargos de declaração.

“O requisito da transação no contencioso é a controvérsia, é a prognose ruim. Eu recebi uma proposta, por exemplo, de transação do Tema 372, PIS/Cofins de receitas financeiras e instituições financeiras. Não vou fazer transação porque não tem prognose ruim, a Fazenda Nacional ganhou o tema”, disse. Segundo a procuradora, seria possível até pensar em medidas ligadas à execução, mas não em relação à transação. “A gente pode pensar como vai executar essas garantias, pode fazer um negócio jurídico processual de garantia, para as empresas não serem obrigadas a executar essa garantia”, diz Almeida.

Alterações nas transações

As mudanças relacionadas às transações constam no artigo 9º da Lei 14.689/23. O dispositivo aumenta para 65% o desconto a ser concedido nos programas, e eleva para 120 meses o prazo máximo para quitação do débito. É permitida ainda a utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL para a liquidação de débitos inscritos em transações do contencioso.

Ainda em relação à transação do contencioso, a Lei 14.689 possibilita a inclusão de débitos não inscritos em dívida ativa e permite que o contribuinte abra mão apenas de parte de seus processos sobre um determinado tema para transacionar suas dívidas. Por fim, a norma retira os descontos concedidos nesta modalidade da base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.

A PGFN espera que essas alterações tornem os novos programas mais atrativos que os anteriores, voltados a casos de ágio e Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Os novos editais, porém, não devem se distanciar dos que já foram disponibilizados. “Os editais não fogem muito do que a gente já fez no ágio e na PLR, é muito parecido, mas agora com essas alterações da legislação”, afirmou Anelize.

Paralelamente, há a expectativa de arrecadação com a volta do voto de qualidade no Carf, tema que requer atenção. Isso porque os contribuintes que perdem no tribunal administrativo podem recorrer ao Judiciário. Conforme dito de forma recorrente por tributaristas, grande parte das pessoas físicas ou jurídicas que são derrotadas no Carf – por maioria ou por voto de qualidade – apenas “mudam de balcão” e passam da esfera administrativa ao Judiciário.

O diferencial, agora, é a possibilidade de parcelamento dos valores dos processos decididos por voto de qualidade, com a derrubada dos juros aplicados e a perspectiva de utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL para pagamento desses débitos. Resta saber, porém, em quais situações será benéfico ao contribuinte pagar a dívida em caso de derrota no Carf. Em casos em que a jurisprudência na Justiça é contrária à tributação, muitas pessoas físicas e jurídicas podem optar por recorrer ao Judiciário e manter o litígio.

E por falar em Fazenda, causou polêmica entre tributaristas e conselheiros dos contribuintes do Carf uma fala do ministro Fernando Haddad nesta segunda-feira (25) que foi vista como uma comparação dos julgadores do conselho a presidiários.

Em entrevista à Band News em 17 de setembro, Haddad voltou a responsabilizar o desempate pró-contribuinte, utilizado desde 2020 em casos de empate no Carf, pelo aumento do estoque do conselho. “É a mesma coisa que pegar quatro delegados e quatro detentos para julgar um habeas corpus, sendo que o empate favorece o detento”, afirmou o ministro. No Carf, a maioria das turmas possui oito julgadores, sendo quatro representantes do fisco e quatro representantes dos contribuintes.

A declaração de Haddad foi alvo de nota de repúdio de 18 entidades ligadas à advocacia e ao Direito Tributário.

Na mesma entrevista, o ministro afirmou que os R$ 54 bilhões que o governo estima arrecadar com a volta do voto de qualidade correspondem a 10% dos julgamentos previstos para 2024 no Carf. Ele destacou ainda que os depósitos em dinheiro feitos por parte dos contribuintes ao recorrerem à Justiça são receitas primárias para fins legais. Isso explica porque, do ponto de vista de arrecadação, a volta da forma de desempate mais benéfica ao fisco é vista pelo governo como favorável mesmo com a possibilidade de recurso ao Judiciário.

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