Antissemitismo digital

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A quarta revolução industrial, em apertada síntese, é o conjunto de recursos tecnológicos que permite a fusão entre o mundo físico e o digital, impactando os mais diferentes aspectos da vida social e econômica, que vem provocando efetivo progresso dos meios de produção através de avançadas tecnologias.

Em que pese esses aspectos positivos, a internet e, concretamente, as redes sociais têm desencadeado o aumento da prática de crimes cibernéticos envolvendo discursos de ódio (hate speech) e a proliferação exponencial de notícias falsas (fake news), sem contar, neste âmbito, discursos racistas e antissemitas.

Aliás, estes últimos vêm em crescente evolução desde o atual conflito provocado pelo grupo radical – e terrorista – islâmico Hamas contra Israel no último dia 7 de outubro. A hostilidade contra judeus vem se espalhando mundo afora e reacende o temor de um novo Holocausto, o que não é nenhuma novidade.

A história do povo judeu (antes chamados de hebreus), desde a Antiguidade até a criação do Estado de Israel, é marcada por perseguições e sofrimentos, culminando na incansável luta pela liberdade e dignidade humana até hoje.

Após a diáspora que se iniciou com a expulsão do povo judeu de Israel no ano 70 da Era Cristã, quando o Império Romano destruiu Jerusalém, os hebreus se dispersaram por várias partes do mundo em busca de sobrevivência. Apesar de não possuírem um território que os abrigasse, eram vistos como um povo que conservava tradições culturais e religiosas.

Judeus foram perseguidos por gregos, babilônios, romanos, dentre outros, sendo certo afirmar que o antissemitismo é tão milenar quanto a presença do povo judeu na Terra Santa.

No século 14, os judeus foram responsabilizados pela Peste Negra, que dizimou milhões, pela única razão de terem sido menos impactados, eis que viviam em comunidades mais isoladas e por respeitarem hábitos de higiene prescritos pela Torah, o que resultou em pogroms (termo utilizado para episódios de violência em massa dirigidos a grupos étnicos, no caso, contra judeus).

Nesta onda, em 1516, as autoridades de Veneza delimitaram uma área onde funcionava uma fundição para judeus viverem: no dialeto veneziano, ghèto. Na Espanha e em Portugal, esses bairros judeus eram conhecidos como judiarias, termo pejorativo utilizado até hoje para identificar o ato de maltratar alguém (ou judiar).

Judeus foram expulsos da Inglaterra em 1290, da França em 1394, da Espanha em 1492, de Portugal em 1496, de Viena em 1421, da Sicília em 1493, de Nuremberg em 1499 e de Praga em 1541. Desde então, além de sofrerem inúmeros ataques em cidades da Europa, foram vítimas da Inquisição, sendo forçados à conversão ao catolicismo.

Nesse contexto, os estudos sobre os cristãos-novos que viveram no Brasil, realizados por Anita Waingort Novinsky, professora da USP (1922-2021), são um primor. Suas pesquisas mostram que a identidade brasileira não era formada só por influências indígenas, africanas e europeias, mas também judaicas. Em seu livro Cristãos-Novos na Bahia (Perspectiva, 1972), ela estimou que entre 10% e 20% da população de Salvador tinha ascendência judaica.

Por fim, houve o nazismo, movimento ideológico alemão liderado por Adolf Hitler, que foi uma verdadeira máquina da morte industrial direcionada a um grupo específico de seres humanos durante a Segunda Guerra Mundial. O Holocausto foi o maior massacre do século 20, quando 6 milhões de judeus foram assassinados.

Os nazistas tinham como propósito provocar gatilhos de ódio na população. Suas mensagens eram transmitidas por diversos meios de comunicação, sendo as propagandas e filmes os grandes instrumentos responsáveis pelo alastramento das ideias de Hitler. O Eterno Judeu, de Fritz Hippler (1940), por exemplo, apresentava os judeus como uma ameaça à humanidade. Foi uma tentativa de manipulação da população através de falsas narrativas que justificavam a necessidade de extermínio desse povo.

Posto isso, é indispensável falar da necessária fundação do Estado de Israel, reivindicada pelo movimento sionista, que defendia a criação de um Estado Nacional para que judeus pudessem praticar sua fé, preservar sua cultura e, finalmente, viver em segurança após tantas perseguições que os forçaram a viver espalhados ao redor do mundo.

Evento histórico, o país se autodeterminou um Estado independente em 1948, por meio de resolução da ONU. Passados os sucessivos conflitos, como as guerras dos Seis Dias e do Yom Kippur, além das Intifadas mais recentemente, judeus definitivamente começaram a ter a sensação de libertação de uma história sombria.

No entanto, após mais de 70 anos da criação de Israel, o ataque surpresa provocado pelo grupo terrorista em 7 de outubro mostrou que a aversão aos judeus ainda persiste. O ataque se deu um dia depois de Israel assinalar o 50º aniversário da Guerra do Yom Kippur, em 1973.

Aproveitando-se de um feriado religioso dos judeus, o Shabat, os terroristas invadiram o sul de Israel por terra, mar e ar. Utilizando parapentes com hélices na traseira, dispararam milhares de foguetes contra um festival de música eletrônica, além do uso de barbárie para cometer os mais diversos crimes, como estupro, sequestro de crianças e idosos, assassinatos e decapitações. A partir daí, como resposta de um país soberano, que defende – ou busca defender – os seus, declarou-se a guerra. Além das mortes, famílias perderam seus lares e precisam recomeçar suas vidas do zero. Todas as atrocidades provocadas pelo Hamas são tentativas de destruir completamente Israel, como previsto em seu estatuto.

O atual cenário deixa claro como a existência de Israel está em constante ameaça e como o antissemitismo está presente. Não é por acaso que os soldados de Israel defendem com tanto afinco a sua pátria. Caso Israel seja derrotado, deixará de existir e seu povo ficará sem seu território, que foi arduamente conquistado.

Nesse sentido, os atuais ataques evocam dolorosamente os traumas da década de 1930, o que se verifica pelo resgate dos discursos de ódio e pela violência, típicos da Alemanha nazista. Assim como Hitler, o Hamas dissemina informações falsas, bem como controla a Faixa de Gaza e as informações que dali saem.

No que tange ao antissionismo e ao antissemitismo, embora sejam denominações distintas, conversam entre si. Segundo Martin Luther King, em “carta a um amigo antissionista” de 1967, antissionismo é a negação ao povo judeu do direito fundamental que nós justamente clamamos para o povo da África e que livremente concedemos às outras nações do globo. Meu amigo, é a discriminação contra os judeus por eles serem judeus. Em suma, é o antissemitismo”.

Assim, após os ataques terroristas ocorridos em 7 de outubro, verifica-se o aumento do antissemitismo e do antissionismo no mundo, especialmente provocados pelas redes sociais. Além de pichações de estrelas de David em edifícios na Alemanha, grandes plataformas digitais possuem conteúdos e publicações extremistas contra a comunidade judaica. O preconceito contra judeus persiste na sociedade contemporânea e se expressa através de variados modos, sendo o antissemitismo digital o que levanta considerável preocupação.

Como diria Umberto Eco, as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis.