Às vésperas de completar três anos de criação, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) vê no projeto de lei 2.338/2023, que regulamenta a inteligência artificial (IA), a oportunidade para alçar novos voos. Em entrevista ao JOTA, o diretor-presidente Waldemar Ortunho defende a ANPD como a “autoridade natural e apropriada” para atuar como órgão fiscalizador da IA no país. “A Inteligência Artificial usa megainformações, megabancos de dados e, quando tiver dados pessoais, é da nossa atribuição. Então, vemos a ANPD como aquela autoridade natural e mais apropriada a assumir esse valor [da regulamentação]”, afirma. “Nos candidatamos e mostramos que haveria necessidade de adequar a autoridade para a essa nova missão”, pondera.
Ele avalia que a experiência de montar um órgão do zero pode contar a favor da autarquia na disputa pela indicação do relator do projeto, o senador Eduardo Gomes (PL-TO), como órgão que fiscalizará a implementação e o uso da inteligência artificial. “Estamos sentindo na pele o que é formar e fazer do nada uma autoridade. O aproveitamento dessa expertise, especialmente em dados pessoais, acho que tem de ser considerado. Essa é a posição da ANPD e aceitaremos, claro, a decisão do Congresso Nacional”, afirma.
O tema da IA já está sendo tratado pela ANPD, que prorrogou até 1º de dezembro uma consulta pública sobre Sandbox Regulatório de Inteligência Artificial. A iniciativa já despertou interesse de órgãos de proteção de dados de outros países. “O sandbox regulatório é um artifício que nós podemos utilizar muito bem quando há algum tipo de risco [para inovação] e algum desconhecimento, inclusive, por haver um ambiente controlado. É isso que nós vamos fazer para aplicar uma nova uma nova alternativa, uma nova lei e autoridade ficar emitindo relatórios”, explica.
A iniciativa é desenvolvida em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe (CAF). O órgão de proteção da Alemanha e a ANPD iniciaram tratativas para uma parceria na área — além de diálogo com Moçambique, Reino Unido e Singapura. “O sandbox é uma ferramenta que vai colocar a ANPD num patamar diferenciado a nível internacional”, confia.
Os três anos de criação da ANPD serão comemorados, na próxima segunda-feira (6), em solenidade no Tribunal de Contas da União (TCU), em Brasília. O TCU é onde a autoridade costuma fazer eventos maiores por falta de espaço no prédio onde está instalada. O órgão surgiu, em 2020, a partir da aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (13.709/2018) e consolidou uma unidade técnica com 120 profissionais, contingente pequeno para o tamanho do desafio.
O pleito pela realização de concurso para uma carreira na área de proteção de dados para 215 pessoas é o que, agora, Ortunho espera ter atendido com a ANPD respondendo definitivamente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), como definiu nesta semana o decreto presidencial decreto n⁰ 11.758/2023.
A Casa Civil perdeu, entre outras funções, a prerrogativa de balizar indicados para o conselho diretor serem aprovados pelo presidente da República e, depois, avaliados pelo Senado. “O que a Casa Civil representava no decreto anterior (10.474/2020), passa para o Ministério da Justiça”, explica. O primeiro teste sob a gestão do ministro Flávio Dino será a recondução de Nairane Farias Rabelo Leitão, diretora cujo mandato termina no próximo domingo (5). “A gente tem interesse na reconstrução dela. Mas não é uma decisão nossa, depende do Ministério da Justiça e da Presidência da República”, afirma Ortunho.
O decreto substituiu os entes do Poder Executivo no Conselho Nacional de Proteção de Dados e da Privacidade (CNPD), órgão consultivo formado por 23 integrantes — sendo 10 do Estado e 13 da sociedade civil. O conselho será presidido pela representante do MJSP, a titular da recém-criada Secretaria Direito Digital, Estela Aranha. O extinto Ministério da Economia foi substituído no CNPD pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) cedeu lugar para a Secretaria de Comunicação (Secom). O MCTI perdeu espaço para o da Saúde.
Ortunho espera ampliar o diálogo com Estela e com a Secom, que pode indicar o secretário de Políticas Digitais, João Brant, ou alguém indicado por ele. O presidente da ANPD espera que a chegada de MJSP e Secom acelere a elaboração de uma política pública de proteção de dados. “Acho que o próximo grande feito do conselho vai ser aquelas diretrizes da Política Nacional de Proteção de Dados. O CNPD deve fazer um grande estudo para a ANPD tratar do tema”, indica Ortunho, ressaltando que o poder de decisão segue como atribuição do conselho diretor.