ANP e publicidade de contratos de comercialização de biometano

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Conforme preceitua o inciso IV do art. 22 da Constituição Federal, a comercialização de gás natural, atividade econômica que consiste na compra e venda do insumo, está sob a competência legiferante da União.

Por sua vez, a Lei  9.478/1997, ao instituir a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que tem como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do gás natural, lhe conferiu, no inciso XXVI do art. 8º, competência para autorizar e fiscalizar a prática da atividade de comercialização de gás natural.

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Por decorrência do comando legal supracitado, a ANP disciplina a atividade de comercialização por meio da Resolução ANP 52/2011, que estabelece os critérios e requisitos para obtenção da outorga para realização da atividade, bem como delineia os direitos e obrigações dos agentes envolvidos.

Dentro deste plexo de deveres, prevê o art. 10, da Resolução ANP 52/2011, o comando para que os agentes vendedores autorizados, ao celebrarem contratos de compra e venda de gás natural, registrem-nos na ANP, explicitando volumes, preço e critérios de reajuste, prazo de vigência e ponto de transferência de propriedade, de modo que a agência e o mercado possam a ter acesso a tais informações. E tais contratos são divulgados periodicamente pela Agência em seu site[1].

Observe-se que a obrigação de registro dos contratos pela ANP encontra amparo legal no comando inserto no art. 31 da Lei 14.134/2021, a chamada nova Lei do Gás: “A comercialização de gás natural dar-se-á mediante a celebração de contratos de compra e venda de gás natural, registrados na ANP ou em entidade por ela habilitada, nos termos de sua regulação, ressalvada a venda de gás natural pelas distribuidoras de gás canalizado aos respectivos consumidores cativos”.

A publicização de tais informações permite à ANP cumprir o seu papel de regulador, por meio, não apenas do monitoramento do mercado de gás natural, mas também da garantia do suprimento de gás natural e proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta, conforme preconiza o inciso I do art. 8º da Lei 9.478/1997.

Vejamos que não é uma mera liberalidade do legislador quanto à necessidade de registro e disponibilização de tais contratos. Há uma questão de interesse público envolvido, e que não se limita somente aos contratos de comercialização de gás natural, mas estende-se também à comercialização de biometano.

O biometano vem ganhando espaço e importância no portfólio dos comercializadores e das distribuidoras de gás natural, especialmente pela descarbonização que a utilização do energético promove. E isso é possível em razão da fungibilidade entre o biometano e o gás natural nos casos em que o biometano atenda aos critérios de qualidade e especificações estipulados pela ANP, conforme previsão do §2º do art. 3º da Lei 14.134/2021[2].

Em seu art. 4º, o Decreto 10.712/2021, que regulamentou a nova Lei do Gás, reforça a possibilidade legal de intercambialidade e equivalência regulatória entre os energéticos: “Conforme o disposto no § 2º do art. 3º da Lei 14.134, de 2021, para todos os fins, o biometano e outros gases intercambiáveis com o gás natural terão tratamento regulatório equivalente ao gás natural, desde que atendidas as especificações estabelecidas pela ANP”.

Ocorre que, em que pese a previsão legal para que ambos os energéticos tenham tratamento equivalente, ainda não houve disponibilização dos contratos de compra e venda de biometano pela ANP, cuja publicidade e transparência se fazem mais que necessárias.

Muito embora as disposições supracitadas, cumuladas com as previsões da Resolução ANP 52/2011, já caracterizassem, em nossa visão, o dever de registro dos contratos decorrentes da comercialização de biometano, bem como sua respectiva disponibilização pela ANP, tal qual ocorre com os contratos de comercialização de gás natural, foi editada, pela agência, a Resolução ANP 987/2025.

A referida Resolução, ao tratar dos biocombustíveis, determinou, em seu artigo 22, que o produtor de biometano deverá requerer autorização da atividade de comercialização, nos termos da Resolução ANP 52/2011, observado o art. 4º do Decreto 10.712/2021.

No entanto, em que pese a previsão legal e o reconhecimento pela própria Agência de que ambos são equivalentes, inclusive remetendo o biometano ao rito previsto para o gás natural, não é dado, pela ANP a publicidade aos contratos de biometano.

Neste contexto, é interessante notar que a recente Resolução da ANP entendeu por alterar a Resolução 52/2011, incluindo previsão expressa de que o biometano ou outros gases intercambiáveis com o gás natural, especificados conforme regulamentação editada pela ANP, serão tratados de forma análoga ao gás natural, nos termos do art. 4º do Decreto 10.712/2021[3].

A necessidade de acompanhamento e publicidade dos contratos de comercialização de biometano ganha ainda mais relevância diante das atribuições conferidas à Agência pela Lei 14.993/2024 e reforçadas pelo Decreto 12.614/2025, que tratam da regulamentação do Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano.

Tais instrumentos preveem que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) estabelecerá a meta regulatória de descarbonização observando a disponibilidade de biometano e do certificado criado pela lei, o CGOB.

Em que pese o Decreto não detalhe o procedimento para avaliação da disponibilidade, o acompanhamento dos contratos de biometano pela ANP pode se mostrar ação essencial para subsidiar o CNPE com dados reais, robustos e confiáveis sobre o volume efetivo da molécula de biometano comercializada, bem como eventual comercialização do atributo ambiental associado.

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Essas informações, devidamente tratadas, em forma agregada e não individualizada, poderiam ser compartilhadas sem expor contratos bilaterais, assegurando a confidencialidade entre agentes privados, ressalvados os contratos firmados com distribuidoras de gás canalizado que, como já consolidado, devem ter publicidade integral.

A publicação e o acompanhamento dos contratos de biometano não apenas promoveriam transparência regulatória e isonomia com o mercado de gás natural como também fortaleceriam a atuação institucional da ANP no apoio à formulação da meta regulatória do CNPE e ao desenvolvimento do programa de descarbonização do mercado de gás natural.


[1] Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/notas-e-estudos-tecnicos/notas-tecnicas/arquivos/2016/nota-tecnica-13-2016-scm.pdf.

[2] § 2º Para fins do disposto nesta Lei, o gás que não se enquadrar na definição de gás natural de que trata o inciso XXI do caput deste artigo poderá ter tratamento equivalente, desde que aderente às especificações estabelecidas pela ANP.

[3] Redação do parágrafo único do art. 1º da Resolução ANP 52/2011, dada pela Resolução ANP 987/2025