O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para que o artigo 19 do Marco Civil da Internet continue vigente no Brasil. Na avaliação do magistrado, as plataformas digitais só devem ser responsabilizadas civilmente, ou seja, elas só devem pagar qualquer tipo de indenização, se descumprirem ordens judiciais de remoção de conteúdo.
Dessa forma, Mendonça diverge dos relatores dos recursos, ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, que votaram para que as big techs sejam responsabilizadas caso não retirem as publicações já na notificação, seja por conteúdo falso ou violento – como pedofilia e fake news – seja pelo usuário lesado, sem necessidade de ordem judicial.
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Por mais que o voto tenha algumas similaridades com a posição do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, Mendonça trouxe novos elementos. O voto de Mendonça coloca a liberdade de expressão e o livre mercado como pontos cruciais. Por isso, aposta na autorregulação pelas plataformas, com menos interferência estatal. Na ótica do magistrado, as empresas atuam como corresponsáveis pelas postagens e devem focar mais na atuação dos usuários e menos dos conteúdos.
Um ponto inédito trazido por Mendonça é que o ministro proíbe a remoção ou suspensão de perfis de usuários, à exceção dos “comprovadamente” falsos – perfis “robôs” ou contas de pessoas verdadeiras, mas manipulados por terceiros. O próprio STF já suspendeu vários perfis de bolsonaristas, como o da deputada Carla Zambelli (PL-SP), do blogueiro Allan dos Santos, entre outros.
Para Mendonça, “os direitos offline devem ser igualmente assegurados online”. Portanto, prossegue o ministro, “a possibilidade de suspensão definitiva ou temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais – sem previsão em qualquer diploma normativo editado pelo Poder Legislativo –, afigura-se de todo inconstitucional. Isso porque os denominados direitos digitais dependem, como condição sine qua non, da preservação de uma ‘existência online’”.
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A atenção dos usuários é parte importante no voto de Mendonça. O ministro diz haver quem defenda “o aprimoramento dos critérios de identificação de desinformação, por meio do comportamento de contas e não necessariamente de conteúdo”. Mendonça cita que as plataformas podem traçar um perfil do usuário – não para fins meramente comerciais, mas – com a intenção de classificá-lo como mais ou menos propício a veicular fake news. “Dito de modo direto: como mais ou menos inclinados à prática de ilícitos”, afirmou.
Por isso, no voto, Mendonça sugere que as plataformas em geral, inclusive marketplaces, têm o dever de promover a identificação do usuário violador de direito de terceiro. Contudo, o particular diretamente responsável pela conduta ofensiva é quem deve ser responsabilizado via ação judicial contra si promovida, não a plataforma.
Mendonça separa a atuação dos serviços de mensageria privada – tipo WhatsApp –, de redes sociais, comércio eletrônico, entre outros. Em sua avaliação, nas mensagens privadas prevalece a proteção à intimidade, vida privada, sigilo das comunicações e proteção de dados. “Portanto, não há que se falar em dever de monitoramento ou autorregulação na espécie”.
Para a autorregulação ocorrer, Mendonça reforça a importância de que as empresas tenham obrigações procedimentais para manter o ambiente virtual com menos desinformação e violência. Com intuito de proteger a liberdade de expressão, Mendonça ponderou que, nos casos em que for admitida a remoção de conteúdo sem ordem judicial, seja por lei ou conforme o previsto nos Termos e Condições de uso da plataforma, o usuário deve ser submetido a um procedimento com regras claras, motivações expressas e pode ter o direito de recorrer.
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Na visão de Mendonça, as plataformas podem ser responsabilizadas por conduta omissiva, ou seja, por descumprimento dos deveres impostos pela legislação brasileira como o tratamento igual entre todos os usuários e adoção de mecanismos de segurança digital aptos a evitar que as plataformas sejam utilizadas para a prática de condutas ilícitas.
Por fim, assim como os outros ministros, Mendonça faz apelo aos Poderes Legislativo e Executivo. Ele determina aos demais Poderes que adotem estratégias centradas no modelo da autorregulação regulada, quando forem atualizar a regulação ou elaborar políticas públicas.
“Ninguém melhor do que os diretamente investidos da legitimidade democrática para estabelecer as regras de utilização da “ágora” do nosso tempo, dispondo sobre os limites de uso do único instrumento verdadeiramente essencial a qualquer regime democrático: a garantia, em favor de todos, de se expressar livremente, pouco importando se o fazem ‘online’ ou ‘offline’”.
No fim da sessão, o ministro Cristiano Zanin, perguntou a Mendonça se ele pretende comparar plataformas e redes sociais aos meios de comunicação tradicionais, inclusive no tocante à responsabilização pelas publicações de terceiros. “Nesse caso específico, não. Nós não temos legislação específica”, respondeu Mendonça.
Não há ainda previsão para o retorno do julgamento.
Tese proposta por André Mendonça no julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet
i. Serviços de mensageria privada não podem ser equiparados à mídia social. Em relação a tais aplicações de internet, prevalece a proteção à intimidade, vida privada, sigilo das comunicações e proteção de dados. Portanto, não há que se falar em dever de monitoramento ou autorregulação na espécie.
ii. É inconstitucional a remoção ou a suspensão de perfis de usuários, exceto quando [a] comprovadamente falsos – seja porque (i) relacionados a pessoa que efetivamente existe, mas denuncia, com a devida comprovação, que não o utiliza ou criou; ou (ii) relacionados a pessoa que sequer existe fora do universo digital (“perfil robô”); ou [b] cujo objeto do perfil seja a prática de atividade em si criminosa.
iii. As plataformas em geral, tais como mecanismos de busca, marketplaces etc., tem o dever de promover a identificação do usuário violador de direito de terceiro (art. 15 c/c art. 22 do MCI). Observado o cumprimento da referida exigência, o particular diretamente responsável pela conduta ofensiva é quem deve ser efetivamente responsabilizado via ação judicial contra si promovida.
iv. Nos casos em que admitida a remoção de conteúdo sem ordem judicial (por expressa determinação legal ou conforme previsto nos Termos e Condições de Uso das plataformas), é preciso assegurar a observância de protocolos que assegurem um procedimento devido, capaz de garantir a possibilidade do usuário [a] ter acesso às motivações da decisão que ensejou a exclusão, [b] que essa exclusão seja feita preferencialmente por humano [uso excepcional de robôs e inteligência artificial no comando de exclusão]; [c] possa recorrer da decisão de moderação, [d] obtenha resposta tempestiva e adequada da plataforma, dentre outros aspectos inerentes aos princípios processuais fundamentais.
v. Excetuados os casos expressamente autorizados em lei, as plataformas digitais não podem ser responsabilizadas pela ausência de remoção de conteúdo veiculado por terceiro, ainda que posteriormente qualificado como ofensivo pelo Poder Judiciário, aí incluídos os ilícitos relacionados à manifestação de opinião ou do pensamento.
vi. Há possibilidade de responsabilização, por conduta omissiva ou comissiva própria, pelo descumprimento dos deveres procedimentais que lhe são impostos pela legislação, aí incluída [a] a obrigação de aplicação isonômica, em relação a todos os seus usuários, das regras de conduta estabelecidas pelos seus Termos e Condições de Uso, os quais devem guardar conformidade com as disposições do Código de Defesa do Consumidor e com a legislação em geral; e [b] a adoção de mecanismos de segurança digital aptos a evitar que as plataformas sejam utilizadas para a prática de condutas ilícitas.
vii. Em observância ao devido processo legal, a decisão judicial que determinar a remoção de conteúdo [a] deve apresentar fundamentação específica, e, [b] ainda que proferida em processo judicial sigiloso, deve ser acessível à plataforma responsável pelo seu cumprimento, facultada a possibilidade de impugnação.”