A Associação Nacional dos Agentes de Saúde (Anasa) protocolou, nesta terça-feira (22/4), uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o Decreto 8.474/2015, que limita o repasse financeiro da União destinado à remuneração dos Agentes de Combate às Endemias (ACE). Segundo a entidade, a medida fere o preceito fundamental da dignidade da pessoa humana, os princípios federativos, o direito à saúde e, de maneira evidente, a garantia constitucional do piso salarial nacional da categoria, fixado em dois salários mínimos mensais.
Na ação, a Anasa questiona especificamente o art. 2º, §2º, assim como os demais dispositivos do ato administrativo. O dispositivo estabelece que compete ao Ministério da Saúde definir o quantitativo máximo de ACEs e agentes comunitários de saúde (ACS) por estado, Distrito Federal e município, para fins de recebimento da assistência financeira complementar da União.
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Segundo a associação, a manutenção da eficácia desses dispositivos infraconstitucionais configura afronta direta e continuada ao texto constitucional vigente. Além disso, diz que “é incontroverso que a norma impugnada subsiste no ordenamento jurídico com força vinculante”, limitando a quantidade de ACEs passíveis de repasse pela União.
Desse modo, pondera que o Decreto 8.474/2015 desconsidera os critérios epidemiológicos, demográficos e territoriais, e contraria ao disposto no novo marco constitucional da Emenda Constitucional 120/2022, a qual assegura expressamente a responsabilidade da União pela integralidade do vencimento base da categoria, sem imposição de tetos ou restrições numéricas.
De acordo com a Ansa, o art. 2º, §2º vincula o repasse a um quantitativo máximo previamente estabelecido, desconsiderando o número efetivo de agentes com vínculo direto com a administração pública e devidamente cadastrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
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“Essa limitação se mostra manifestamente inconstitucional, pois restringe a efetividade do novo texto constitucional introduzido pela EC 120/2022, frustrando o direito ao piso salarial dos agentes e impondo obrigações financeiras indevidas aos entes municipais, os quais não detêm, via de regra, condições fiscais para complementar os valores devidos”, defende a entidade na ADPF.
Conforme sustenta a Ansa, tal prática tem gerado desequilíbrios orçamentários, especialmente nos pequenos e médios municípios, que não possuem estrutura fiscal e arrecadatória suficiente para absorver tais despesas. “Muitos desses entes se veem diante da difícil escolha entre comprometer outras áreas sensíveis da administração pública ou deixar de cumprir integralmente o piso salarial dos ACEs – o que, por sua vez, acarreta violações aos direitos fundamentais dos trabalhadores e enseja passivos judiciais”, afirma.
Também argumenta que o decreto em questão é norma infralegal, e, como tal, não pode inovar ou contrariar o texto constitucional. “A permanência de seus efeitos, nos moldes atuais, configura usurpação da competência do constituinte derivado, violando frontalmente os princípios da legalidade, da hierarquia normativa, da valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana”, diz a Ansa.
Critério ‘genérico e descontextualizado’
Além do Decreto 8.474, a associação menciona na ação a Portaria 1.025/2015, do Ministério da Saúde, que impôs um limite máximo de ACEs por município para fins de repasse financeiro por parte da União. Segundo a Ansa, ao estabelecer um teto numérico nacional, a norma ignora as realidades epidemiológicas, demográficas e territoriais dos entes federados, afetando diretamente a execução da política pública em sua dimensão local.
“A imposição desses limites quantitativos representa, na prática, um critério genérico e descontextualizado, que desconsidera aspectos fundamentais para a adequada cobertura do território, como densidade populacional, extensão geográfica, condições sanitárias, índices de infestação e histórico epidemiológico de arboviroses”, sustenta a entidade.
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Por isso, defende que, do ponto de vista jurídico, a Portaria 1.025 não possui amparo legal ou constitucional para limitar o repasse com base em número máximo de agentes de combate às endemias por ente federado, sobretudo diante da nova redação do §9º do art. 198 da Constituição, inserida pela EC 120/2022.
“A Constituição é clara ao atribuir à União o dever de prestar assistência financeira complementar para garantir o piso nacional da categoria, sem qualquer condicionamento arbitrário à fixação de tetos numéricos não fundamentados em critérios técnicos amplamente discutidos no âmbito do SUS”, destaca.
Ainda segundo a Ansa, o STF, ao apreciar o Tema 1132 da repercussão geral, conferiu interpretação vinculante à matéria, fixando parâmetros jurídicos relevantes para o financiamento e a efetividade da norma constitucional.
Além disso, ressalta que no julgamento do Recurso Extraordinário 1.279.765/BA, a Corte estabeleceu que a responsabilidade pelo repasse da diferença entre o piso nacional e os valores fixados em legislação local recai sobre a União, que deve prestar assistência financeira complementar aos entes subnacionais, a fim de garantir o cumprimento do piso salarial mínimo da categoria.
“Tal entendimento não apenas reafirma a autonomia dos municípios na contratação desses profissionais por meio de regimes jurídicos próprios, como também vincula a União ao dever constitucional de financiar adequadamente a política nacional de atenção básica à saúde, garantindo a sustentabilidade das ações de vigilância e controle endêmico nos territórios”, sustentou a associação.
Por essa razão, requer que seja declarada a inconstitucionalidade e consequente inaplicabilidade do art. 2º, §2º e demais dispositivos do Decreto 8.474/2015, bem como da Portaria 1.025/2015, por violação aos preceitos constitucionais da valorização do trabalho, do direito à saúde, da moralidade administrativa e da repartição de competências federativas.
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Também solicitou que seja reconhecida a obrigação da União de arcar com o ônus financeiro integral do piso nacional dos agentes de combate às endemias, nos termos fixados pelo STF no Tema 1132 da Repercussão Geral, inclusive com o recolhimento retroativo dos valores devidos desde a promulgação da EC 120/2022, observando-se o número real de profissionais com vínculo direto e cadastro regular no CNES.
Os pedidos da entidade foram feitos na ADPF 1220.