Amazônia: a fantástica fábrica de créditos de carbono de alta integridade

  • Categoria do post:JOTA

Assim como o excêntrico Willy Wonka, do clássico livro “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, saiu em busca de personagens que cumprissem com critérios fundamentais para a continuidade dos seus negócios, eliminando de imediato aquelas pessoas com algum desvio de caráter, deveria acontecer o mesmo com a geração de créditos de carbono florestal. Existem créditos que são gerados com total respeito a critérios de alta integridade; e outros nem tanto, devendo estes últimos serem excluídos das prateleiras dos mercados. 

Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!

Já é consenso que, para mantermos o aumento da temperatura média global abaixo de 1,5° grau, é necessário preservarmos as florestas tropicais existentes em todo o planeta. As empresas desempenham um papel fundamental para a manutenção dessas florestas vivas como parte de suas estratégias de mitigação climática, pois são elas quem financiam a compra de toneladas de créditos de carbono florestal. No entanto, há pouca informação disponível sobre quais créditos comprar, deixando espaço para um entendimento precário, provocando ainda mais desinformação.

O primeiro ponto de atenção é sobre a distinção entre os mercados de carbono voluntário e regulado. O mercado voluntário, como o próprio nome diz, é uma abordagem em que as ações para reduzir emissões de carbono são tomadas voluntariamente, muitas vezes por razões de responsabilidade social e sustentabilidade. Já no mercado regulado, há normas governamentais que obrigam os setores emissores a cumprirem metas específicas de reduções, com a possibilidade de compensarem quando necessário para atender a essas metas. Ambos os tipos de mercado desempenham, cada um à sua maneira, um papel importante na mitigação das mudanças climáticas. Diante disso, os créditos de carbono florestal podem ser gerados tanto via projetos privados como por programas jurisdicionais, oriundos de emissões reduzidas por desmatamento e degradação ou por remoções via, por exemplo, restauração florestal.  

O segundo ponto de atenção refere-se à caracterização de um crédito de carbono de alta integridade. A geração desses créditos passa pelo desenvolvimento e implementação de políticas públicas robustas, com a elaboração de um mecanismo transparente de medição, reporte e verificação (MRV); e o aninhamento dos projetos privados aos programas jurisdicionais de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+), evitando assim uma dupla contagem de crédito de carbono. É necessário ainda um respeito absoluto às salvaguardas socioambientais, garantindo uma participação plena e efetiva dos povos indígenas e comunidades locais, tanto na elaboração das políticas de REDD+, quanto das discussões sobre a repartição dos benefícios derivados da redução das emissões. 

O fornecimento de orientações às empresas que optarem por, voluntariamente, comprarem créditos de carbono florestal, é essencial para que possam diferenciar os créditos com base no impacto, qualidade e escala e, ao fazê-lo, elevar o nível de integridade do mercado voluntário de carbono. Entendendo a necessidade de uma melhor orientação aos compradores, foi desenvolvido o guia de integridade de créditos de Florestas Tropicais (TFCI, ou Tropical Forest Credit Integrity Guide, em inglês).

Além de elencar os principais critérios de integridade do crédito, o guia traz um pacote de orientações às empresas e as direciona a: se comprometerem publicamente com uma meta baseada na ciência para promover a transparência e garantir que os créditos de carbono comprados irão complementar, e não substituírem a descarbonização das empresas compradoras; realizarem procedimentos amplos de due dilligence para garantir que os créditos adquiridos são, de fato, de alta integridade; priorizarem a compra de créditos de redução de emissões de alta qualidade sobre créditos de remoções (plantio de árvores para a captura do dióxido de carbono), com o objetivo de preservar as florestas existentes até que as metas globais de combate ao desmatamento sejam alcançadas; adquirirem créditos advindos de áreas de alta quantidade de floresta e pouco desmatamento, garantindo assim as florestas em pé; apoiarem a promoção dos programas jurisdicionais de alta qualidade; entre outras orientações. 

O engajamento de diversos grupos de atores envolvidos na cadeia do crédito de carbono (governos nacionais e subnacionais, agências de certificação, empresas compradoras, desenvolvedores de projeto, entre outros) é o próximo passo para aumentar o compromisso de compras de créditos de carbono de alta integridade e subsidiar a tomada de decisão das empresas, criando um ambiente de mercado favorável para estimular a demanda por esses créditos. Se as recomendações do guia forem amplamente adotadas e implementadas, acredita-se que haverá um aumento na demanda por créditos de carbono de florestas tropicais de alta integridade e um grande aporte de fluxos de financiamento para a conservação das florestas tropicais e melhoria das condições de vida dos povos indígenas e comunidades tradicionais que habitam e preservam as florestas.

Nos últimos cinco anos, um grande volume de recurso foi investido na estruturação de sistemas jurisdicionais em quase todos os estados da Amazônia brasileira, tornando o REDD+ jurisdicional uma realidade. Vários estados estão se preparando para estar em conformidade com o padrão de certificação ART TREES (o ART é um programa global voluntário de carbono de alta qualidade para registrar, verificar e emitir créditos de redução de emissões de REDD+ e o TREES é um padrão de excelência ambiental de REDD+), considerado um dos mais exigentes em termos de critérios socioambientais. Em pouco tempo, espera-se a redução de milhares de toneladas de carbono para a atmosfera, tornando a Amazônia brasileira uma fantástica fábrica de créditos de carbono. 

Para que isso aconteça, é importante haver uma concertação dos problemas socioambientais entre os projetos de carbono e as comunidades locais. Além disso, os projetos de REDD+ devem estar qualificados para o aninhamento ao jurisdicional, com regulamentação técnica específica. Por fim, é fundamental que as políticas públicas de desenvolvimento econômico de baixas emissões estejam em pleno funcionamento. Assim como fez o excêntrico Willy Wonka, os créditos de carbono gerados sem respeitar esses critérios serão, de pronto, excluídos dos portfolios das empresas, sobrando apenas os créditos de alta integridade que irão contribuir para, em um futuro próximo, alcançarmos uma transição econômica sustentável na Amazônia.