Alterações do Regimento Interno do Carf com ênfase nas Turmas Extraordinárias

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Nos termos do art. 48 da Lei 11.941, de 27/05/2009, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é um órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, com competência para julgar recursos de ofício e voluntários de decisão de primeira instância, bem como recursos especiais, sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Receita Federal[1]. Portanto, tem como atribuição o julgamento em segunda instância administrativa, dos litígios em matéria tributária e aduaneira.

O Carf é um órgão cuja importância que se justifica pelas atividades que realiza tais como: controle de legalidade e revisão dos atos de lançamento tributário no âmbito federal, viabilização do exercício da ampla defesa e do contraditório no âmbito tributário e aduaneiro, garantidos por decisões técnicas e imparciais, contribuindo para o amadurecimento da discussão na esfera tributária.

O tribunal, inclusive, por intermédio, de sua Câmara Superior de Recursos Fiscais, é responsável pela uniformização da jurisprudência no âmbito administrativo federal mediante recurso especial das partes, quando ocorrer divergência de entendimento entre os colegiados de julgamento. Ressalta-se: a jurisprudência do órgão tem peso relevante na redução dos litígios e aperfeiçoamento da legislação tributária e é utilizada como fundamento de decisões proferidas pelos Tribunais Superiores Judiciais.

Sobre a estrutura e funcionamento desse conselho, no final do ano passado, foi publicada a Portaria MF 1.634 (D.O.U. de 22/12/2023, com vigência a partir do dia 05/01/2024), reformulando seu Regimento Interno com diversas alterações significativas e impactando o processo tributário administrativo na esfera federal, com objetivo de dar mais celeridade e previsibilidade aos julgamentos do contencioso administrativo[2].

Dentre as várias mudanças introduzidas, destaco a reestruturação das Turmas Ordinárias e Extraordinárias de Julgamento, anteriormente compostas por oito e seis conselheiros, respectivamente, de forma paritária. Com o novo RICARF (art. 64), padronizou-se o número de conselheiros para seis, em ambas as categorias (três representantes da Fazenda Nacional e três representantes dos contribuintes[3]).

Salienta-se, ainda, as seguintes alterações:

novo prazo de 15 dias (antes o prazo era de 30 dias) para os conselheiros formalizarem os acórdãos sob sua relatoria (artigo 85, V);
indicação de processo para a pauta mediante a disponibilização pelo relator de ementa, relatório e voto completos do processo, no sistema informatizado institucional (art. 90, §1º);
obrigatoriedade de apresentação de declaração de voto quando o conselheiro acompanhar voto apenas pelas conclusões (art. 114, §8º);
eliminação da distinção entre Conselheiro Suplente e Titular. Adicionalmente, uma das vantagens da unificação dessas funções para todos, é que não há mais necessidade de lista tríplice para os conselheiros antes intitulados “suplentes”, mudarem de função, além do que, um conselheiro poder substituir o outro dentro da mesma Seção de Julgamento, desburocratizando mencionada suplência e proporcionando maior celeridade processual visando à redução do estoque de processos que aguardam um desfecho.

Ademais, o novo RICARF trouxe a previsão de duas modalidades de sessões de julgamento: síncronas e assíncronas, nos termos do art. 92 da Portaria MF 1.634/2023. As primeiras são aquelas em que os conselheiros do CARF podem participar de maneira presencial (todos no mesmo espaço físico); não presencial (todos participam por meio de videoconferência) ou híbrida (tanto de forma presencial como não presencial dos integrantes do colegiado ou dos patronos).

A priori, serão julgados de forma síncrona os processos que tenham pedido de tramitação prioritária pela RFB ou PGFN, apresentem “circunstâncias indicativas de crime” (representação pra fins penais) e discutam valores [4] superiores a patamar a ser definido pelo presidente do Carf.

Já quanto a segunda modalidade, segundo o art. 65 do novo RICARF, serão julgados em reunião assíncrona[5], preferencialmente, os processos de Turmas Extraordinárias, que apreciam, em regra, os processos de até dois mil salários-mínimos e, por óbvio, aqueles não classificados nas hipóteses anteriormente para as reuniões síncronas.

Vale rememorar que as TEx foram instaladas pela Portaria 75, de 26 de novembro de 2017 e compostas, então pelos conselheiros suplentes para julgamento de lides administrativas de baixa complexidade (valor em litígio de até sessenta salários-mínimos, com competência temática de cada seção), objetivando a redução da quantidade do acervo de processos. Tal limite de alçada foi elevado em 2022[6] para processos até 120 salários-mínimos.

Ocorre que o citado art. 65[7] do novo regimento, conforme já dito, dispôs que as Turmas Extraordinárias passarão a  julgar, preferencialmente, recursos voluntários relativos à exigência de crédito tributário ou de reconhecimento de direito creditório, até o valor em litígio de dois mil salários mínimos, assim considerado o valor do principal mais multas ou, no caso de reconhecimento de direito creditório, o valor do crédito pleiteado, na data do sorteio para as Turmas, possibilitando, destarte, que um estoque maior de processos sejam apreciados pelas TEx.

Ademais, de acordo com art. 65, § 1º, do RICARF,  ato do presidente do Carf poderá definir outras hipóteses para julgamento pelas Turmas Extraordinárias, com a finalidade de adequar a distribuição do acervo entre as seções, câmaras e turmas e garantir a celeridade da tramitação dos processos, ter em vista o equilíbrio na distribuição dos processos entre as seções.

Assim sendo, considerando que a competência das Turmas Extraordinárias poderá ser ampliada (lembramos da locução “preferencialmente” que denota certa incerteza), acarretando até mesmo a coincidência entre a competência das Turmas Ordinárias, a padronização dos dois tipos de turmas de julgamento e, ainda, que a supressão da distinção entre conselheiros suplentes e titulares.

Portanto, não há, em meu sentir, qualquer razão para a manutenção da vedação de utilização de acórdãos das Turmas Extraordinárias como paradigmas para a interposição de Recurso Especial.

Contudo, o art. 118, § 12, I[8] do RICARF manteve referida proibição, em que pese a inexistência de distinção entre turmas ordinárias e extraordinárias (mesmo número de julgadores e ambas poderem julgar quaisquer processos).

Entendo que o novo regimento perdeu a oportunidade de corrigir essa excrescência e viabilizar o efetivo exercício da ampla defesa com a ampliação do acesso de todos os contribuintes à Câmara Superior de Recursos Fiscais e, por conseguinte, eventual alteração de decisão que lhe tenha sido desfavorável.

Por fim, enfatizo que as reuniões de julgamento das Turmas Extraordinárias ocorrerão, preferencialmente, de forma assíncrona[9] mediante o depósito, em sistema eletrônico, do relatório e voto pelo relator e posterior inclusão dos votos dos demais conselheiros.

Nesse contexto, a preocupação é que, com a possibilidade de ampliação da competência das TEx, casos de maior complexidade na análise de provas, de elevada controvérsia jurídica ou de valor superior a dois mil salários mínimos, sejam julgados seguindo rito sumário e simplificado, ainda que o art. 104 de RICARF preveja hipóteses de requerimento para exclusão de recurso da sessão assíncrona, cuja decisão ficará a cargo do presidente da Turma.

Tal situação demandará acuidade dos contribuintes ou de seus patronos, no acompanhamento dos processos em trâmite no Carf, ante a vagueza e subjetividade, especialmente, da expressão “controvérsia jurídica relevante e disseminada”, nos termos do § 3º do art. 16 da Lei 13.988, de 14 de abril de 2020.

Contudo, com algumas ressalvas, não restam dúvidas de que a edição do novo regimento do Carf exterioriza a legítima preocupação da Administração Pública com um processo administrativo tributário mais eficiente, célere e transparente, imprimindo maior celeridade da apreciação dos processos e, concomitante, preservar o alto nível de debates de temas tributários, caraterística inerente às sessões de julgamento do órgão.

Por fim, para além das alterações veiculadas pela Portaria MF 1.634/2023, friso que o momento pode ser decisivo para fortalecimento ou enfraquecimento do Carf, sem olvidar que, inevitavelmente, continuará sendo esse órgão o responsável pelo julgamento de todas as autuações da Imposto de Renda de Pessoas Físicas e Jurídicas e dos demais tributos federais no transcurso do longo período de transição previsto pela reforma tributária sobre o consumo.

Oxalá seja a primeira opção a prevalecer, dado o papel relevantíssimo que o Carf vem desempenhando ao longo de sua centenária[10] história, garantindo ao contribuinte o exercício do contraditório e ampla defesa no âmbito administrativo, conforme já consignado nessas brevíssimas linhas.

[1] Portaria MF nº 1634, de dezembro de 2023 (art. 1º)

[2] O projeto do novo RICARF teve quatro pilares principais: a diminuição da temporalidade dos processos aguardando julgamento; celeridade na publicação dos acórdãos; maior produtividade e especialização dos conselheiros e ampliação do direito de defesa do contribuinte e maior transparência nos julgamentos.

[3] O entendimento é de que turmas menores levam à maior eficiência e objetividade nos debates, possibilitando o julgamento de maior quantidade de processos por reunião de julgamento.

[4] Portaria CARF/MF nº 09/2024.

[5] Até que haja a efetiva instalação do Plenário Virtual, as reuniões assíncronas serão realizadas apenas pelas Turmas Extraordinárias, no rito sumário e simplificado de que trata o art. 132, do RICARF.

[6] Portaria CARF nº 6780, Publicado(a) no DOU de 02/08/2022.

[7] Art. 65: As Turmas Extraordinárias julgam, preferencialmente, recursos voluntários relativos à exigência de crédito tributário ou de reconhecimento de direito creditório, até o valor em litígio de dois mil salários mínimos, assim considerado o valor do principal mais multas ou, no caso de reconhecimento de direito creditório, o valor do crédito pleiteado, na data do sorteio para as Turmas, bem como os processos que tratem: I – de exclusão e inclusão do Simples e do Simples Nacional, desvinculados de exigência de crédito tributário; II – de isenção de IPI e IOF em favor de taxistas e deficientes físicos, desvinculados de exigência de crédito tributário; e III – exclusivamente de isenção de IRPF por moléstia grave, qualquer que seja o valor.

[8] § 12. Não servirá como paradigma o acórdão:

I – proferido pelas Turmas Extraordinárias de julgamento;

[9] Art. 93, §2º: Serão julgados em reunião assíncrona, preferencialmente, os processos:

I – de Turmas Extraordinárias;

[10] O então Conselho de Contribuinte, hoje denominado CARF, foi criado pelo Decreto 16.580/1924.