Dentro do ambiente de negócios, a previsibilidade é uma das peças fundamentais para que investidores e empresários se sintam confortáveis para fazer investimentos e planos de longo prazo – seja com relação às metas de inflação, expectativa de gastos do governo ou a forma como as leis e regras jurídicas são aplicadas.
Em evento realizado nesta segunda-feira (22/7), na Casa LIDE, em São Paulo, membros do Judiciário e especialistas discutiram a importância da segurança jurídica para que o Brasil se torne um país com um menor custo de capital e maior atratividade para investimentos.
Entre os presentes, Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), atribuiu o grande volume de litígio legal a uma “mentalidade” brasileira de, segundo ele, sempre buscar a Justiça em suas instâncias superiores como forma de prolongar a resolução de conflitos.
“É muito fácil e comum, principalmente a iniciativa privada, sempre acusar o poder público: ‘é lerdo, burocrático, traz insegurança jurídica’. E nós temos que enxergar o macro. Para garantir maior segurança jurídica e maior celeridade, é preciso uma mudança de mentalidade de todos”, apontou Moraes.
Para o ministro, a Justiça brasileira é extremamente acessível e barata, permitindo fácil acesso a todas as instâncias, o que não é comum em outros países, o que torna vantajoso o custo-benefício de litigar por anos.
Nessa linha, a tecnologia seria uma grande aliada para a resolução cada vez mais rápida de conflitos – inclusive com o uso de inteligência artificial em processos judiciais e extrajudiciais.
Moraes aposta que a ferramenta pode criar novos métodos de análise de recursos e precedentes, facilitando o encaminhamento dos processos para um desfecho mais rápido com o mínimo possível de interferência humana. Segundo ele, hoje o STF já utiliza IA para analisar a admissibilidade de recursos extraordinários e agravos, verificando modelos e precedentes, com supervisão humana, para economizar tempo, por exemplo.
Segurança jurídica para investimentos
Além de Moraes, o seminário recebeu nomes como Michel Temer, ex-presidente do Brasil, e Josué Gomes da Silva, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
Na visão de Silva, reduzir a insegurança é um tema urgente, já que a indústria brasileira vem perdendo participação no Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos anos por uma combinação de juros altos e a falta de segurança jurídica.
“Isso impacta o custo de capital no Brasil. É óbvio que não é o único fator, temos inclusive o problema das contas públicas, mas nós, como sociedade, precisamos resolver esse problema o quanto antes”, explicou.
Por outro lado, ele celebrou as mudanças promovidas pelo STF para reduzir os longos processos no Judiciário, como a limitação de prazo para os pedidos de vista – fixado em até 90 dias, sendo que após esse período o processo volta a tramitar.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil conta com cerca de 84 milhões de processos em tramitação. Os números foram destacados pelo ex-presidente Michel Temer, que atribuiu o grande volume à estrutura constitucional.
“A nossa Constituição é extremamente pormenorizada, detalhista. Ela fez com que todas as questões relativas à constitucionalidade fossem parar no Supremo Tribunal Federal”, avaliou.
Arbitragem: desafogando o Judiciário
Enquanto a uma mudança de mentalidade como a defendida por Alexandre de Moraes não ajuda a reduzir o volume de processos no Judiciário, os participantes defenderam as possibilidades da Lei de Arbitragem – o que permite que disputas entre duas ou mais partes possam ser resolvidas fora do sistema judicial tradicional.
Nesse caso, a análise e parecer final serão feitos por um painel de um ou três árbitros. Eles analisam evidências e informações para a formação do laudo arbitral, que não pode ser contestado sem a anulação ou reinício de todo o processo.
Um dos defensores da arbitragem como mecanismo eficiente de resolução de conflitos e maior segurança jurídica foi o ex-presidente Michel Temer, que destacou a participação do Judiciário e do Legislativo na elaboração do modelo, em 2015.
“Às vezes, as provas são feitas tão profundamente como seriam no Poder Judiciário. Então não há razão, a não ser por protelação, para que em um determinado momento se retome todo o processo [no Judiciário]. A arbitragem foi uma evolução extraordinária do nosso Judiciário”, argumentou Temer.
“É um caminho muito sólido para o Brasil oferecer segurança jurídica aos negócios e, quem sabe, baixar a taxa de juros, fazendo com que o país volte a crescer a níveis céleres”, apontou Josué Gomes da Silva, presidente da FIESP.
Segundo Paulo Nasser, sócio da banca M Nasser, o Brasil é hoje um dos países com as práticas mais avançadas de arbitragem – mas ele enxerga que, apesar do apoio e larga adoção da corte arbitral, a arbitragem está “sob ataque” no país, com tentativas frequentes de se invalidar ou adiar a resolução de conflitos.
“Hoje, nós vemos uma nova onda de ataque à arbitragem, com base no que se chama ‘dever de revelação’, com o objetivo de colocar em xeque a imparcialidade e a independência dos árbitros”, aponta Nasser, se referindo a obrigatoriedade de os árbitros declararem eventuais conflitos de interesse antes de assumir um julgamento, o que, por vezes, seria distorcido para invalidar sentenças.
“O Brasil não pode perder o seu espaço mundial de maior praça de arbitragem na América Latina com manobras inconformadas que litigam sem argumentos”, concluiu.
Ana Luiza Nery, advogada e sócia da Nery Advogados, aponta que os critérios para a anulação de uma sentença arbitral deveria ser segundo excepcionalidades, apenas em casos de uma grave falha na sentença de julgamento do árbitro ou parcialidade.
Em defesa de maior agilidade nos processos de arbitragem, o ministro Alexandre de Moraes entende que é preciso maior transparência nos processos de escolha e tomadas de decisões.
“Há um projeto de lei na Câmara dos Deputados, o PL 3293/ 2021, que é muito criticado, mas é o início de uma discussão para uma maior transparência e para que não se coloque em dúvida esse importante meio de solução de conflitos”, disse ele.
No caso de contestação por parte de uma das partes, sem que haja a comprovação do pedido, o ministro defende a aplicação de “multa e custas processuais muito grandes” para evitar a judicialização desnecessária de causas.