Estamos observando uma alteração das expectativas com relação ao desempenho fiscal do governo, frente aos desafios do novo arcabouço fiscal. O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2025, enviado recentemente pelo governo ao Congresso, propôs redução das metas de superávit primário de 0,5% em 2025 e 1% em 2026, para zero e 0,25%, respectivamente.
O cenário sinaliza a postergação da consolidação fiscal, com efeitos no câmbio e aumentos das taxas de juros, em especial, nos vértices de médio e longo prazo, que independem da taxa Selic definida pelo Banco Central. Isso implica, por sua vez, condições mais difíceis para o financiamento do governo e de toda cadeia produtiva, com impactos negativos nos gastos de capital e investimentos, fundamentais para o desenvolvimento do país.
Segundo o Relatório do Tesouro Nacional, o resultado primário do Governo Central, acumulado em 12 meses (até abr/24), foi deficitário em R$ 253,4 bilhões, equivalente a 2,23% do PIB. Este resultado é bem distante da meta de déficit zero com tolerância 0,25% do PIB proposta para 2024. Essa conjuntura tem motivado debates acerca da necessidade de redução dos gastos públicos para o ajuste fiscal.
O estudo do FMI “Well Spent: How Strong Infrastructure Governance Can End Waste in Public Investment” pode nos auxiliar nesse debate, ao trazer considerações e insights sobre o impacto econômico dos tipos de ajustes de gastos: i) via despesas correntes (preferível) ou ii) via investimentos.
No primeiro tipo, a consolidação necessária recai inteiramente sobre as despesas correntes, preservando os gastos de capital para investimentos. No segundo tipo, os ajustes são feitos por meio da diminuição do investimento público, enquanto as despesas correntes permanecem inalteradas.
O resultado do estudo indica que o ajuste via despesas correntes, que preserva os investimentos, produz maior crescimento de médio e longo prazo, a um custo pequeno e breve no PIB de curto prazo. Já os ajustes via cortes nos investimentos públicos, embora mantenha o PIB no curto prazo, produzem um declínio considerável e persistente no crescimento de médio e longo prazo. Um erro recorrente.
Nessa perspectiva, o ajuste deveria se concentrar em preservar os investimentos, essenciais para estimular o crescimento de médio e longo prazo e para uma consolidação fiscal bem-sucedida e sustentável, em especial, nas economias em desenvolvimento como o Brasil.
O estudo traz outro ponto de atenção sobre a institucionalização de uma Agenda de Governança, uma vez que melhores níveis de governança definem e potencializam o impacto dos investimentos (gastos públicos) na produtividade da economia, induzindo maiores dividendos de crescimento por meio de uma maior participação do setor privado (efeito crowding in). Estima-se que a governança aumente a eficiência do investimento público entre 32% e 42% nas economias emergentes. Ou seja, crescemos mais gastando menos.
Portanto, o objetivo perseguido pelo ajuste fiscal também deve contemplar uma melhor eficiência alocativa (qualidade) dos gastos públicos, criando espaços para os muitos investimentos públicos que se fazem necessários. Dito de outra forma, não basta gastar mais, e sim gastar bem.
A publicação do FMI sobre a Avaliação da Gestão do Investimento Público – PIMA traz os pilares de uma boa governança. São eles:
Planejamento estratégico de longo prazo para infraestrutura;
Coordenação entre governo federal e os diversos entes subnacionais;
Critérios rigorosos e transparentes na seleção e priorização de projetos (análise de custo-benefício e de produtividade);
Ambiente fiscal e orçamentário sustentável, com estimações de recursos no orçamento, incluindo transparência, publicidade e racionalidade para políticas de encargos e subsídios, pontuais e por tempo determinado;
Aperfeiçoamentos nas estruturas regulatórias e legais, com estabilidade, previsibilidade, transparência, análises de impactos, e incentivos a competição e concorrência; e
Monitoramento, controle e gestão eficiente dos projetos.
Os investimentos de longo prazo necessitam de um bom entrosamento entre as funções de planejamento e orçamento para uma efetiva governança. Nesse sentido, uma visão de médio prazo, como o orçamento de médio prazo, pode fornecer uma excelente ponte entre as funções de planejamento e orçamento, se desenhada adequadamente.
Finalmente, há fatores de economia política que podem influenciar decisões sobre a qualidade do investimento público, como nos projetos de infraestrutura, que possuem implicações fiscais multianuais, com consequências econômicas que se estendem além de um único ciclo eleitoral.
Sobre essa questão, alguns países desenvolvidos da OCDE têm buscado estabelecer arranjos institucionais para reduzir o efeito do ciclo político nas decisões de investimento público, como a iniciativa das Agências Semiautônomas de Infraestrutura.
Essas agências, que não se confundem com nossas agências reguladoras de infraestrutura (como Aneel, ANTT, Anac etc.), são entidades com autonomia operacional e visão de longo prazo, concebidas para melhorar a eficiência e a eficácia do investimento público, aumentar a competitividade do país, e mitigar a influência do ciclo eleitoral nas decisões de investimentos.
Alguns exemplos são a Infrastructure Australia, a UK National Infrastructure Commission e a New Zealand Infrastructure Transactions Unit. Essas entidades são projetadas para fornecer uma supervisão estratégica do planejamento de infraestrutura e serviços técnicos para os ministérios na avaliação, seleção, financiamento e monitoramento de projetos de infraestrutura. Uma sugestão a se considerar.